sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

QUANDO A MENTIRA FAZ BEM (José Edimar)






















QUANDO A MENTIRA FAZ BEM

José Edimar

 

Virício foi um sujeito

Que tinha um papo gostoso,

Com piadas e gracejos

Na história de Trancoso,

Reunindo multidão

Por ser muito mentiroso.

 

Morava na Parnaíba

Estado do PIAUÍ,

Vivendo naquela encosta

O mesmo nascera ali,

Todas as vantagens do mundo

Ele apontava pra si.

 

Contou - me que certa vez

Estava na pindaíba,

Tudo que tinha era apenas

A sombra da bicuíba,

Estava até decidido

Deixar sua Parnaíba.

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A mulher estava grávida

No final da gestação,

Já nos dias de parir

Ele sem ter condição,

De comprar nem o almoço

Seu bolso sem um tostão.

 

Na situação horrível

Não valia uma capoca,

Um amigo ofereceu - lhe

Dez cargas de mandioca,

Pra ele fazer farinha
Também tirar tapioca.

 

E ele tendo a certeza

Que doutra forma não vinha,

Conversou com a mulher

Pois em casa nada tinha,

Aproveitaram a mandioca

Foram fazer a farinha.

 

Chamou também um amigo

Que na cidade arranjou,

Para lhe ajudar na arranca

Enquanto esse arrancou,

Num burro do seu vizinho

A mandioca carregou.

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Durante a noite rasparam

Terminando ao clarear,

Usaram o aviamento

Para a mandioca ralar,

Que em seguida prensava

Para na tarde torrar.

 

Os dois puxando na roda

Soqueando com vontade,

Com duas horas o serviço

Tinham ralado a metade,

Porém a roda arrancou

Saindo em velocidade.

 

Virício mais o colega

Saíram logo à procura,

Seguindo o rastro da roda

Avistaram ela segura,

Em dois ganchos e rodando

Em alta temperatura.

 

Rodava que parecia

Puxada por um motor,

Eles pensavam que fosse

A zuada dum trator,

Pensaram em aproveitar

Já trazendo o ralador.

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Chegando muito apressados

Fizeram toda mudança,

Da casa de farinhada

Com ajuda da vizinhança,

Ralaram toda mandioca

Pra depois encher a pança.

               

A roda rodou sozinha

Foi à mandioca ralada,

Durou menos duma hora

A massa estava prensada,

A noite chegaram em casa

Com a farinha já torrada.

 

Ele pensou: tem farinha

Só tá faltando à mistura,

Cedinho eu vou é caçar

Pra ter casa em fartura,

Preciso passar igual.

Qualquer outra criatura.

 

Pegou cedo à espingarda

Dirigiu-se para o mato,

Pólvora, bucha, faltou chumbo

Foi onde botava o prato,

Tirou o prego e levou

Primeiro avistou um gato.

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O prego na espingarda

Era um tiro pra fazer,

Se atirasse e errasse

o prego ia se perder,

Enxergou dezoito louros

Sentando ali pra comer.

 

Pensou consigo: danou-se

– Como devo agir agora,

Vou atirar nesses louros

E baixo o cano na hora,

Mas posso errar no gato

Ele corre e vai embora.

 

E Desse jeito ele fez

Nos louros logo atirou,

Descendo o cano  na  hora

Naquele gato apontou,

Tão rápido quanto o estouro

Que da arma detonou.

 

Naquela  hora caíram

Doze louros sobre o chão,

Também derrubou o gato

Tomou logo a decisão,

De ligeiro agradecer

Ao Deus pai da criação.

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Levantou as mãos ao céu

Passou um Jaó voando,

Pegou e baixou em terra

Agradecido ajoelhando,

Bem em cima dum tatu

Que já ia atravessando.

 

Ele juntou toda caça

Que havia conseguido,

Resolveu ir procurar

O prego que foi perdido,

Quando passou num riacho

Que ia noutro sentido.

 

Continuou caminhando

Quando desceu a ladeira,

Ouviu grande labaceu

Uma grande miadeira,

Pois era um gato pregado

Na raiz de catingueira.

 

O prego prendeu no rabo

E o gato estrebuchou,

Quando avistou o Virício

Na testa o couro rachou,

Que a carne saiu correndo

Somente o couro ficou.

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Virício arrancou o prego

E ilhando admirado,

Com aquele couro nas mãos

Quando voltou apressado,

Viu mais água no riacho

Que atrás tinha deixado.

 

O prego naquele tiro

Num cortiço atravessou,

De Uruçu com muito mel

Sobre a terra derramou,

Aproveitou cinquenta litros

Muito mais de cem ficou.

 

Quando ele chegou em casa

Viu o grande conteúdo,

Doze louros, um tatu.

Nambu e gato rabudo,

Mel de Uruçu e farinha

Ele tinha quase tudo.

 

Porém chegou a tardinha

Quase hora do jantar,

Não estava satisfeito

Desejava inda pescar,

Pegou um anzol bem grande

Isca e fumo pra levar.

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Ele pensava voltar

Antes do amanhecer,

Trazendo peixe à vontade

Pois desejava comer,

Pirão de farinha nova

Que acabara de fazer.

 

Chegando a beira do rio

Da noite ainda cedinho,

Para espantar os mosquitos

Fez cigarro acochadinho,

Sentou onde não havia

Murmurar-carrapatinho.

 

Pegou algumas traíras

Num paneiro colocou,

Jogou o anzol de novo

Porém o mesmo enganchou,

Teve que descer nas águas

Nisso um peixe lhe tragou.

 

Já na barriga do peixe

Rio abaixo viajando,

Se esforçando pra sair

De todo jeito tentando,

Lembrou do cigarro e fez

E saiu logo fumando.

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O peixe embebedou - se

Que a fumaça era demais,

Vindo até a beira da água

Vomitar ele no cais,

Deixando lá desmaiado

Por uma hora ou mais.

 

Quando acordou não sabia

Direito o lugar que estava,

Durante vinte minutos

Quase nada se lembrava,

Ao banhar no Parnaíba

Sua memória retornava.

 

Conheceu ser Teresina

Ao lado do troca-troca,

Lembrou-se da Parnaíba

Da farinha da mandioca,

Desejou tanto comer 

Um beiju de tapioca.

 

Passou pela Paissandu

Pouca gente acordada,

Igreja São Benedito

A Frei Serafim parada,

Foi direto a Estação

As duas da madrugada.

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Encontrou somente um guarda

No pé dum poste encostado,

Vigiando no local

Do frio estava gelado,

Tinha um pequeno boteco

Que não estava fechado.

 

Conversando com o guarda

Disse que queria ficar, 

Até que amanhecesse

Começou logo contar,

Que morava em Parnaíba

Como ali fora parar.

 

O guarda com muito frio

De vez em quando saia,

Tomar um gole de cana

Para ver se conseguia,
Suportar toda frieza
Que a madrugada fazia.

 

Numa das vezes que foi

Virício pôs se a pensar,

Se o guarda tivesse armado

Depois de embriagar,

Quisesse bancar valente

Como podia escapar.

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Tinha ali um canhão velho

Por mais dum século parado,

Da guerra do Paraguai

As tropas tinham deixado,

Pra levar futuramente

Devido ser tão pesado.

 

Ele pensou no canhão

– Serve pra me esconder,

O guarda já está queimado

Talvez nem vá perceber,

Nem sentir a minha falta

Porque só pensa em beber.

 

Pensava que o canhão

Tivesse descarregado,

Mas fazia uma semana

Que o guarda fora apertado,

Quando deu guarita a outro

Que chegara aperreado.

 

Há oito dias passados

Na entrada da Piçarra,

Zé Rocha do Mafuá

Em uma criança esbarra,

Chorando a noite na rua

Vai lhe acudir ela esparra.

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Era meia-noite em ponto

E a criança sem ninguém,

Aquele bebê chorava

Zé Rocha pensou também,

De socorrer a criança

E entregar para alguém.

 

Tinha o corpo de bombeiros

Mas sem ninguém no local,

Foi acudir o menino

Viu uma coisa anormal,

No momento ela cresceu,

Que ficou descomunal.

 

Zé Rocha foi assombrado

Correndo para a estação,

Quando avistou lá um guarda

Fardado no seu plantão,

Encostado ao pé do poste

Que fazia a guarnição.

 

Mas não era o titular

Esse era um intrometido,

O outro bebia muito

Pro boteco tinha ido,

Ficando esse encostado

Em posição de sentido.

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E Zé Rocha apavorado

Contou-lhe o que aconteceu,

Que ao socorrer a criança

No momento ela cresceu,

Disse o guarda: foi rapaz

Pois o menino sou eu!!!.

 

E cresceu rapidamente

Que do poste foi passando,

Zé Rocha caiu tremendo

Pois estava desmaiando,

Na hora que outro guarda

Do posto ia aproximando.

 

O guarda assistindo tudo

Ficou impressionado,

Com a visão da meia-noite

Igual um guarda fardado,

Pois há meia hora antes

Já haviam papeado.

 

Daquele dia em diante

O guarda foi prevenido

Pólvora bucha pro Canhão

Ele tinha adquirido

Sem ninguém saber de nada

Fez tudo isso escondido.

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Uma semana depois

Foi que Virício chegou

Enquanto ficou sozinho 

Sem ter o guarda pensou:

– Vou me esconder no canhão

E no cano dele entrou.

 

Depois de tomar um gole

O guarda voltou legal

Não vendo Virício disse:

– Aquele era um marginal

Devia está escondido

Ou fugido do local.

 

Por isso não vai ter jeito

Vou disparar o canhão

Que o estouro vai dele dar

Para espantar o ladrão

Se acaso tiver perto

Vai tomar sua direção.

 

Tocou fogo no pavio

Foi terrível o estampido

Acordou o Vinte e Cinco

O BEC foi sacudido

No Getúlio Vargas deve

Ter alguém também morrido.

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Foi por causa das mentiras

Que ficou muito famoso,

Tornou-se bem conhecido

Por ser alegre e jeitoso

Não ofendia a ninguém

Mesmo sendo mentiroso.

 

Se houvesse alguma tristeza

Não fugia ao sacrifício,

Gastar tempo com conversa

Não achava desperdício.

Todo mundo se alegrava

Com as mentiras de Virício.

 

Por todos cumprimentado

Logo de manhã cedinho,

Se não houvesse visita

Pegava logo o caminho,

Para uma conversa boa

Tomando seu cafezinho.

 

De toda essa trajectória

Que por ele foi narrada,

Teresina e Parnaíba

Durante uma madrugada,

Deixando o povo em suspense

Sem explicar a chegada.

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Virício não quis dizer

Mais o que aconteceu.

Tudo que contou aqui

Ele afirma que viveu.

Porém estava na cama

Quando o dia amanheceu

 

Todos que lhe conheciam

Não puderam acreditar.

Mas a grande multidão

Sempre pronta a escutar.

Ele exercitava bem

O talento pra inventar.

 

Sua mulher agoniada

Um pouco sem paciência,

Servindo café ao povo

Ele fazendo exigência,

Numa calma exagerada

Virtude de inteligência.

 

Virício com suas mentiras

Nunca fez mal a ninguém.

Quem ouvia lhe aplaudia

Por está feliz também.

Por isso a história diz

Todo mundo sai feliz

Quando a mentira faz bem. FIM

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