quarta-feira, 18 de abril de 2012

PÚBLIUS LENTULUS E JESUS












Públius Lentulus realmente existiu, e conheceu Jesus? É através de uma carta encontrada nos arquivos do Duque Cesari, de Roma – documento que faz parte da biblioteca da Ordem dos Lazaristas de Roma. Trata-se de uma inscrição feita em folha de cobre, encontrada no interior de um vaso de mármore.
      A carta foi escrita por Públius Lentulus, sanador romano, governador da Judéia, e predecessor de Pôncio Pilatos, endereçada ao imperador romano Tibério César.
   Nela, Lentulus descreve Jesus, a pedido do imperador que desejava saber de quem se tratava essa pessoa.
A carta diz:
“Sabendo que desejas conhecer quanto vou narrar, existe nos nossos tempos um homem, o qual vive atualmente de grandes virtudes, chamado Jesus, que pelo povo é inculcado o profeta da verdade, e os seus discípulos dizem que é o filho de Deus, criador do céu e  da terra e de todas as coisas que nela se acham e que nelas tenham estado. Em verdade, ó César, cada dia se ouvem coisas maravilhosas desse Jesus: ressuscita mortos, cura enfermos, em uma só palavra.
    É um homem de justa estatura e é muito belo no aspecto. Há tanta majestade em seu rosto, que aqueles que o vêem são forçados a amá-lo ou temê-lo. Tem os cabelos da cor da amêndoa bem madura; são distendidos até as orelhas, e das orelhas até as espáduas, são da cor da terra, porém mais reluzentes. Tem no meio da fronte uma linha separando os cabelos, na forma em uso pelos nazarenos. O seu rosto é cheio, o aspecto muito sereno. Nenhuma ruga ou mancha se vê em sua face, de uma cor moderada. O nariz e a boca são irrepreensíveis. A barba é espessa, mas semelhante aos cabelos, não muito longa, separada pelo meio. Seu olhar é muito afetuoso e grave; tem os olhos expressivos e claros. O que surpreende é que resplandecem no seu rosto como os raios de sol, porém ninguém pode olhar fixo o seu semblante, porque quando resplende, apavora, e quando ameniza, faz chorar.
  Faz-se amar e é alegre com gravidade. Diz se que nunca ninguém o viu rir, mas, antes,  chorar. Tem os braços e as mãos muito belos.
  Na palestra, contenta muito, mas o faz raramente e, quando dele se aproxima, verifica-se que é muito modesto na presença e na pessoa.
   É o mais belo homem que se pode imaginar, muito semelhante à sua mãe, que é de uma rara beleza, não se tendo jamais visto por estas partes uma mulher tão bela.
      Porém, se a Majestade Tua, ó César, deseja vê-lo, como no aviso passado escrevestes, dá-me ordens, que não faltarei de mandá-lo o mais depressa possível. De letras, faz se admirar de toda a cidade de Jerusalém; ele sabe todas as ciências e nunca estudou nada. Ele caminha descalço e sem coisa alguma na cabeça. Muitos se riem, vendo-o assim, porém em sua presença, falando com ele, tremem e admiram
     Dizem que um tal homem nunca fora ouvido por estas partes. Em verdade, segundo me dizem os Hebreus, não se ouviram, jamais, tais conselhos de grande doutrina, como ensina este Jesus.
Muitos judeus o têm como divino e muitos me querelam, afirmando que é contra a lei de Tua Majestade. Eu sou grandemente molestado por estes malignos hebreus. Diz se que este Jesus nunca fez mal a quem quer que seja, mas, ao contrário, aqueles que o conhecem e com ele tem praticado, afirmam ter dele recebido grandes benefícios e saúde, porém à tua obediência estou prontíssimo: aquilo que Tua Majestade ordenar será cumprido.
   Vale da Majestade Tua fidelíssimo e obrigadíssimo. Públius Lentulus, presidente da Judéia”.









ÓCULOS DE DEUS
(De Deus Sales e Moreira de Acopiara)

Essa daqui é uma história     
De uma pobre criatura
Que teve uma trajetória
Complicada e obscura
Viveu enganando o povo
Porém morreu muito novo
Talvez por faltar juízo
E sem obedecer normas
Quis ver de todas as formas
Os jardins do paraíso

Enquanto viveu no mundo
Só praticou delinqüência
Por isso tinha um profundo
Peso em sua consciência
Vivendo disso e daquilo
Não caminhava tranqüilo
Como um cidadão correto
Buliu em coisas alheias
Conheceu muitas cadeias
Num desmantelo completo

Procurava se lembrar
De algum feito positivo
Mas não conseguiu plantar
Nada bom enquanto vivo
Só pensava na matéria
Deixou gente na miséria
E acabou-se arrependido
Igualmente a Madalena
Deixou a vida terrena
Foi ser por Deus recebido

Quis ver o pai da nação
No paraíso celeste
E alegre viu que lá
Não havia fila nem teste
Lá Chegou  no mesmo dia
Quando tudo acontecia
Depressa e naturalmente
Grande surpresa sentiu
Quando espiou e não viu
Nenhum soldado presente

Bateu palmas e chamou
Mas ninguém lhe respondeu
Ô de casa, e adentrou
Mas nada lhe aconteceu
Viu alguns portões abertos
Deu alguns passos incertos
Lembrou-se dos não ateus
Adquiriu mais firmeza
Entrou e viu numa mesa
Só os óculos de Deus

Perante aquilo ficou
De olhos arregalados
E depressa se lembrou
Dos muitos erros passados
E foi grande a tentação
Com os óculos na mão
E mais ninguém do seu lado
Quis dar uma olhadela
Na Terra pra ver se nela
Algo já tinha mudado

No momento que ele olhou
Através daquelas lentes
Mais abismado ficou
Vendo as coisas diferentes
Radiante de alegria
Ele achava que podia
Ver o dono da verdade
E ali a se deleitar
Pensou eu quero ficar
Aqui toda eternidade

Já de óculos no rosto
E o mundo na sua frente
Olhou tudo com mais gosto
E com olhar consciente
Enxergou o bem, o mal
E a ignorância brutal
Entre os mortais pecadores
Viu as paixões, as razões
E as reais intensões
Dos adiministradores

Enxergou as multidões
Nas mais terríveis pelejas
Viu as muitas tentações
De quem dirige as igrejas
Viu dragões destruidores
Enganadores pastores
Mergulhados na cobiça
Quanto mais coisas enxergava
Mais era que lhe aumentava
O desejo de justiça

Lembrando-se dos humanos
E se sentindo um frangalho
Notou os americanos
Mergulhados no trabalho
Viu a deterninação
Dos homens lá do Japão
Numa luta sem igual
E em tudo sendo os primeiros
E os pobres dos brasileiros
No mais Louco carnaval

Viu a classe estudantil
Sendo mal orientada
Metralhadora, fuzil
Opressão exagerada
Viu tevês alienantes
Os crimes dos dominantes
O massacre da cultura
Viu divisões sociais
Arrochos salariais
E a morte pela tortura

Viu policiais ingratos
Sem ter amor a bandeira
Junto a grilheiros Pilatos
Matando por brincadeira
E viu crués justiceiros
Corruptos e trapaceiros
Envergonhando a nação
Crianças subnutridas
E jovens prostituidas
Por força da precisão

Viu homens inteligentes
Sendo marginalizados
Por inbecis prepotentes
Malvados e alienados
Mergulhados no cinismo
E viu o Brasil no abismo
Sem previsão de mudança
E depois de tantos sustos
Viu a dor de uns homens justos
Na construção da esperança

Viu homens ricos chorando
Viu homens pobres sorrindo
A natureza criando
E os filhos seus destruindo
Viu as armas no cleares
E a poluição dos mares
E em seguida viu o drama
E o fim de alguns animais
E os bestas perdendo a paz
Por mulher dinheiro e fama

E viu por fim a tristeza
De pobres trabalhadores
Penando por safadeza
De patrões usurpadores
Viu famílias faveladas
Mendigando nas calçadas
Num sofrimento crescente
E nos tresvarios seus
Gritou, quero vê-lo ò Deus
E pedir por minha gente
   

DEUS É MUITO BOM PRA MIM
 José Ribamar Alves

Certa vez eu fui caçar
Entrei na mata fechada
Lá uma onça pintada
Queria me agarrar
Antes dela me pegar
Chamei por São Serafim
São Gregório e São Joaquim
Nisso um cachorro chegou
E a onça não me pegou
Deus é muito bom pra mim

Um dia eu fui uma festa
Lá encontrei um valente
Que pulou na minha frente
Pra bater na minha testa
Mas o dono da seresta
E o delegado Bonfim
Com o soldado Delfim
No cabra meteram a peia
Lhe botaram na cadeia
Deus é muito bom pra mim

Eu tinha uma namorada
Filha de um fazendeiro
Mas um rapaz garimpeiro
Vindo da Serra Pelada
Carregou a minha namorada
Foi casar no Mearim
Mas a mulher deu pra ruim
Dessa que não vale um facho
Meteu um chifre no macho
Deus é muito bom pra mim

Comprei fiado uma herança
De um rico fazendeiro
Desses que não tem herdeiro
Nem velho e nem criança
Ele adoeceu da pança
Foi se curar em Berlin
De lá foi até Pequim
Mas lá o velho morreu
Fiquei com o que era seu
Deus é muito bom pra mim

Um carro virou comigo
Em um abismo profundo
Morreu tudo num segundo
Naquele triste perigo
Mas Jesus é meu amigo
Eu fui cair num capim
Os outros levaram fim
Até o chofer morreu
De vivo só ficou eu
Deus é muito bom pra mim

Eu fui uma pescaria
E lá eu tive um espanto
Um peixe mordeu num canto
Que contar eu não queria
A minha esposa dizia
Eu não quero homem assim
Mas ainda disse enfim
Não vou fazer isso agora
Até hoje não foi embora
Deus é muito bom pra mim

Fui pra o estado gaúcho
Para melhorar de vida
E na hora da saída
Só tomei um café mucho
Peguei um ônibus de luxo
Da empresa Itapemirim
A viagem só teve fim
Com três dias de viagem
Ninguém me cobrou passagem
Deus é muito bom pra mim

Caí em um cacimbão
E dentro um leão morava
Mas ele dormindo estava
Quando eu me larguei no chão
Nessa mesma ocasião
O meu compadre Crispim
Que vinha do Bom Jardim
Chegou ali e me tirou
E o leão não acordou
Deus é muito bom pra mim

Me perdi um certo dia
Dentro duma mata estranha
Rangido de ferasanha
Era só o que eu ouvia
Sem saber pra onde ia
Rasguei maliça e capim
Num grande pé de marfim
Tinha um caçador num gancho
E me levou pro meu rancho
Deus é muito bom pra mim

Caí dum aeroplano
Dentro da água dum rio
Quase eu me acabo de frio
Nesse desastre tirano
Apareceu um cigano
Chamado de Eufraim
Me tirou dizendo assim
Não morri por causa dele
Mas eu respondi pra ele
Deus é muito bom pra mim
















     

       MARLI 
(Dadethe Bandeira)

Falando em gente bonita
Eu lembro logo Marli
A mulher mais cobiçada
Que nasceu no cariri
Alva do cabelo louro
Tranças com fios de ouro
Caíam nos ombros dela
É do tipo que as rosas
Empalidecem medrosas
Pra não disputar com ela

Estatura mediana
Olhos da cor de safira
E o tom da fala mais doce
Que o mel de jandaíra
Seios, pernas e bumbum
Parecem que cada um
Foi feito sob encomenda
Um tipo da mulher
Dessas que quando Deus quer
Faz pra não pegar emenda

Rapazes loucos por ela
Na ribeira havia um monte
Todo mundo tinha sede
De beber naquela fonte
Porém Marli com cautela
Quase a ninguém dava trela
Mas pra quebrar o tabu
Se apaixonou por Tomaz
Modestíssimo rapaz
Um caçador de tatu

A notícia se espalhou
Do sítio para a cidade
Os rapazes comentavam
Com certa intranqüilidade
Uns diziam, eu já ouvi
Dizer que a linda Marli
Vai se casar com Tomaz
Diz outro é daqui pra sexta
Tomaz com cara de besta
Botou nós todos pra trás

Mas nesse grupo de jovens
Tinha um tal de J. I.
Que depois do casamento
Ficou de olho em Marli
E um dia Tomaz saiu
Pra caçar, e jota viu   
 Foi a ela, e disse amiga
Eu vim tirar o defeito
Desse filho que está feito
Dentro da tua barriga

Disse Marli eu tô grávida
Como é que sabe o senhor
Ele disse tenha calma
Dona Marli, sou doutor
Basta eu olhar pra senhora
Pra ver por dentro e por fora
Esse triste desatino
Já é seu terceiro mês
E o seu marido não fez
As orelhas do menino

Disse Marli e meu filho
Vai nascer desolherado
Ele disse não senhora
Eu vim pra cá foi mandado
Por Deus e Nossa Senhora
Vamos pro seu quarto agora
Tire a roupa, por favor,
Se deite olhando pras telhas
Que eu vou fazer as orelhas
Do filho do caçador

Fez do jeito que bem quis
E ela ainda agradeceu
Jota disse eu vou embora
Mais não foi se escondeu
Havia um pé de acácia
E Jota I. Com pespicácia
Ficou ali por detrás
Esperando de prontidão
Só pra ver a reação
Na chegada de Tomaz

Mas quando Tomaz chegou
Foi muito mal recebido
Chamado desnaturado
Descarado, esquecido
Seu filho de uma cadela
Você faz uma tigela
E se esquece da azelha
Pois se não fosse o doutor
O filho do caçador
Ia nascer sem orelha

Disse Tomaz quer dizer
Que esteve um homem aqui
Disse Marli isso mesmo
Santo doutor Jota I.
Que sabe até fazer parto
Me levou pro nosso quarto
Invocou por Deus divino
Tentou por mais de uma vez
Ficou suado mais fez
As orelhas do menino

Disse Tomaz arre égua
Isso é que é desaforo
Esse cara deve está
Com a besta fera nos coro
Vou matá-lo agora, agora
Botá-lhe o fato pra fora
Vou parti-lo bem no meio
Entregá-lo ao Satanás
Que nunca mais ele faz
Orelha em menino alheio

Mas quando Tomaz saiu
O malandro Jota I.
Deixou o esconderijo
E apresentou-se a Marli
Que lhe disse seu doutor
Meu marido o caçador
Saiu para lhe matar
Oh doutor será que tem jeito
Desmanchar o que foi feito
Antes de Tomaz voltar
 
Jota I. disse a Marli
Eu já vi que seu marido
Além de ser descuidado
Ele é mal agradecido
Mas como o dever me chama
Ajeite os panos da cama
Que eu vou fazer, seu pedido
Mais algo eu vou lhe dizer
O seu filho vai nascer
Sem a proteção de ouvido

Desfez tudo e foi embora
Nunca mais apareceu
E Tomaz só chegou em casa
Quando o dia amanheceu
E a sua ingênua Marli
Lhe contou que Jota I.
Estivera ali de novo
E Tomaz, criou foi um papo
De engolir tanto esse sapo
Sem poder contar pro povo

























QUANDO A MENTIRA FAZ BEM
(José Edimar Mendes Barbosa)

Virício foi um sujeito
Que tinha um papo gostoso
Pra piadas e gracejos
Na história de Trancoso
Reunindo multidão
Por ser muito mentiroso

Morava na Parnaíba
No Estado O PIAUÍ
Vivendo naquela encosta
O mesmo nascera ali
Todas as vantagens do mundo
Ele apontava pra si

Contou- me que certa vez
Estava na pindaíba
Tudo que tinha era apenas
A sombra da bicuíba
Estava até decidido
Deixar sua Parnaíba
          
A mulher estava grávida
No final da gestação
Já nos dias de parir
Ele sem ter condição
Para comprar o almoço
No bolso nenhum tostão

Na situação horrível
Não valia uma capoca
Um amigo ofereceu - lhe
Umas cargas de mandioca
Para fazer a farinha
E tirar a tapioca

Ele que tinha a certeza
Que doutra forma não vinha
Falou  para a mulher dele
Que em casa nada tinha
Ia aproveitar a mandioca
Pra ter ao menos farinha

Levou consigo um colega
Que na cidade arranjou
Lá  na roça do amigo
Doze cargas, arrancou
Num burro da vizinhança
Pela tarde carregou
             
Durante a noite rasparam
Terminaram ao clarear
Usaram o aviamento
Para a mandioca ralar
Em seguida já prensava
Para na tarde torrar

Os dois puxavam a roda
Soqueando com vontade
Com duas horas de serviço
Já alcançava a metade
Foi quando a roda arrancou
Saindo em velocidade

Virício com seu colega
Saíram logo a procura
Seguindo o rastro da roda
Naquela grande aventura
Quando sentiram que o vento
Mudava a temperatura

Eles ouviram uma zoada
Semelhante de um motor
Quando viram aquela roda
Roncando igual um trator
Rodando sobre dois ganchos
Que havia num corredor
               
Eles correram apressados
Fizeram toda a mudança
Da casa de farinhada
Junto com a vizinhança
Ralaram toda mandioca
Sem se preocupar com a pança
               
A roda rodou e quando
A mandioca foi ralada
Durou menos de uma hora
Toda massa foi prensada
A noite ele estava em casa
Com a farinha torrada

Ele pensou tem farinha
Mas tá faltando à mistura
Cedinho devo ir caçar
Desejo arrumar fartura
Preciso passar igual
A qualquer uma criatura

Quando o dia amanheceu
Ele dirigiu-se ao mato
Carregando pólvora e bucha
Um prego de botar prato
Ainda perto de casa
Foi já avistando um gato
               
Pensando rapidamente
Como deveria fazer
Se atirasse e errasse
Seu prego ia se perder
Foi quando dezoito louros
Sentou no pau pra comer

Falou baixinho - Danou-se
Como devo agir agora
Preciso atirar nos louros
Baixar o cano na hora
Da espingarda pro gato
Antes que ele vá embora

Desse jeito foi que fez
Nos louros ele atirou
Desceu o cano  na  hora
Naquele gato apontou
Tão rápido quanto o estouro
Que da arma detonou

Naquela  hora caíram
Doze louros sobre o chão
Também derrubou o gato
Viu mas não deu atenção
Só queria agradecer
A Deus pai da criação
              
Levantando as mãos  pro céu
Pegou a Jaó voando
Baixou-os joelhos em terra
A Deus Pai glorificando
Bem em cima dum tatu
Que passava atravessando

 Louros nambu e um gato
Mais um tatu abatido 
Virício não desejava
Deixar o prego perdido
Atravessou um riacho
Mas ia noutro sentido.

Continuou indo em frente
Quando desceu a ladeira
Ouviu nela um labaceu
Duma grande  miadeira
Viu outro gato pregado
Na raiz da catingueira

O prego prende-lhe o rabo
E o gato estrebuchou
Empregou tamanha força
Ao meio a testa rachou
Saindo a carne correndo
Somente a couro ficou
                   
Virício arrancou seu prego
Ficou muito admirado
Aquele couro nas mãos
Mas logo foi lembrado
Daquele riacho atrás
Que jorrando havia deixado

Voltou para conferir
Aquela água descendo
Era mel de Uruçu
Toda terra umedecendo
Levou uns quinhentos litros
O resto deixou correndo

Quando ele chegou em casa
Viu o grande conteúdo
Doze louros, um tatu
Nambu e gato rabudo
Mel de uruçu e farinha
Ele tinha quase tudo

Chegou já era tardinha
Quase hora do jantar
Não estava satisfeito
Ainda queria pescar
Pegou um anzol bem grande
Isca e fumo pra fumar
             
Ele pensava voltar
Antes do amanhecer
Trazendo peixe a vontade
Que desejava comer
Pirão de farinha nova
Que acabara de fazer

Quando ele chegou no rio
Ainda estava cedinho
Para espantar os mosquitos
Fez um cigarro fininho
Sentou onde não havia
Mururé-carrapatinho

Pegou algumas traíras
Num paneiro colocou
Jogou o anzol de novo
Quando o mesmo enganchou
Teve que descer nas águas
Quando um peixe lhe tragou

Lá na barriga do peixe
Rio abaixo viajando
Desejou sair dali
Com toda força tentando
Lembrou e fez um cigarro
Foi acendendo e fumando
               
Fez o peixe embebedar-se
Que a fumaça era demais
Vindo até a beira da água
Vomitar ele no cais
Deixando ali desmaiado
Por uma hora ou mais

Quando acordou não sabia
Direito o lugar que estava
Durante vinte minutos
De nada ele se lembrava
Banhando no Paranaíba
Sua memória recobrava

Conheceu ser Teresina
Ao lado do troca-troca
Lembrou-se da Parnaíba
Da farinha da mandioca
Desejou tanto comer 
Um beiju de tapioca

Passou na Rua Paissandu
Pouca gente viu acordada
Perto da São Benedito
A Frei Serafim parada
Foi parar na estação
Umas duas da madrugada
             
Havia apenas um guarda
No pé dum poste encostado
Vigiando a estação
Do frio estava gelado
Só um pequeno boteco
Não tinha ainda fechado

Conversando com o guarda
Disse que - Queria ficar 
Até que amanhecesse
Começou logo a contar
Que morava em Parnaíba
E como ali foi parar

O guarda com muito frio
De vez em quando saia
Tomar um gole de cana
Para ver se resistia
Suportar toda frieza
Duma madrugada fria

Numa das vezes que foi
Virício pôs se a pensar
Se o guarda tiver armado
E talvez se embebedar
Depois bancar o valente
Querendo até me matar
                 
Tinha ali um canhão velho
Há muitos anos encostado
Da guerra do Paraguai
As tropas tinham deixado
Pra levar futuramente
Por ele ser tão pesado

Ele pensou no canhão
- Dar bom pra me esconder
Como o guarda está queimado
Talvez não vá perceber
Nem sentir a minha falta
Porque só pensa em beber

Pensando que o canhão
Tivesse descarregado
Mas fazia uma semana
Que o guarda fora apertado
Quando deu guarita a outro
Que chegara aperreado

Há oito dias passados
Zé Rocha lá da Piçarra
Veio direto ao Mafuá
No meio da noite esbarra
Numa criança chorando
Ao acudir ela esparra
              
Ele olhou pra  todo lado
Porém não viu mais ninguém
Só o bebê que chorava
Ele resolveu por bem
Socorrer a criancinha
Para entregar pra alguém

Lá no corpo de bombeiros
Não viu ninguém no local
Para acudir o menino
Que  passava muito mal
Quis pegar, ela cresceu
De forma descomunal

Zé Rocha muito assombrado
Correu rumo a estação
Lá onde avistou um guarda
Fardado no seu plantão
Encostado ao pé dum poste
Onde fazia a guarnição

Não era ele o titular
Era um intrometido
O titular bebia muito
Ao boteco tinha ido
Ficando o outro encostado
Em posição de sentido
              
O Zé Rocha apavorado
Contou o que aconteceu
Que socorrendo a criança
Foi pegar nela cresceu
Disse o guarda - Foi rapaz!
-Pois o menino sou eu!

Começou logo crescendo
Igual ao poste ficando
Zé Rocha ficou tremendo
Correu dali desmaiando
Nem percebeu que o guarda
Também vinha aproximando

Vendo o acontecimento
Também impressionado
A visão da meia noite
Como se fosse um soldado
Pois conversara com ele
Que ele tinha chegado

Desde aquele dia o guarda
Andava mais prevenido
Pólvora bucha pro canhão
Com salário adquirido
Ninguém presenciou nada
Foi feito tudo escondido
              
Uma semana depois
Quando Virício chegou
Sozinho ali no local
Naquele instante pensou
-Se esconder no canhão
E no cano dele entrou

Depois de tomar um gole
O guarda volta ao local
Não viu Virício pensou
-Onde estará afinal
Pensou será um ladrão
Que veio aqui fazer mal

Sendo assim não vai ter jeito
Vou atirar com canhão
O estouro será grande
Espantará o ladrão
Se ainda estiver perto
Tomará sua direção

Tocou fogo no pavio
Foi terrível o estampido
Acordou o Vinte e Cinco
O BEC foi sacudido
No Getúlio Vargas deve
Muita gente ter morrido
               
Virício não quis dizer
Mais, o que aconteceu.
Tudo que contou aqui
Ele afirma que viveu
Porém estava na cama
Quando o dia amanheceu

Todos que lhe conheceram
Não podia acreditar
Mas a grande multidão
Sempre pronta a escutar
Ele exercitava o talento
Que tinha pra inventar

Virício mentia muito
Mas, não fez mal a ninguém.
Quem ouvia suas mentiras
Gostava muito também
Por isso a história diz
Quando a mentira faz bem!
            
          







 

















Morte, saudade e lembrança
    de Severino Ferreira
       (Zé Saldanha)

Sentindo tristeza e mágoa
Saudade e muita emoção
Ponho o caderno na mesa
E a caneta na mão
Escrevo a morte traiçoeira
De Severino Ferreira
Que dói em meu coração

Sou o repórter das rimas
De tudo que acontecer
Deus me deu este destino
Eu tenho que resolver
Mas este é tragicamente
Tão duro, tão comovente
Que dói a gente escrever

Quando os nossos cantadores
Em vinte e cinco de outubro
Viajavam palestrando
Sem haver nenhum penumbro
Tudo alegre e sorridente
Num dia bem calmo e quente
O sol se tornava rubro

Alegremente seguiam
Pra um festival da Bahia
A mão da fatalidade
Tragicamente proibia,
Quando ninguém esperava
O veiculo capotava
Causando triste agonia

Com Severino Ferreira
Vila Nova e Zé Cardoso
Sebastião e Valdir
Nesse desastre inditoso
Geraldo Amâncio e Fenelon
Nosso grupo forte e bom
Só de poeta famoso

Os Patativas da Arte
As estrelas da viola,
A poesia é seu mundo
O mundo é sua gaiola
Nossos improvisadores
Benemérito cantadores
Que cantando nos consolam

Vêem os nossos cantadores
Os primores da beleza
A morte embocar sem pena
E matá-los sem defesa,
Deixa a viola pra gente
Tocando funeralmente
A dor, o pranto, a tristeza

Nessa tremenda virada
O motorista morreu
E Severino Ferreira
Também mais nada atendeu
Ficou muito machucado
Ainda foi operado
Depois também faleceu

O Rio Grande do Norte
Perdeu de sua gaiola
O pássaro mais cantador
O canário da viola
Fonte de rima altaneira
Sem Severino Ferreira
Quem canta não se consola

Quisera que a morte trágica
Mudasse de região
Não passasse mais no Nordeste
Fazendo destruição
Nos poetas de primeira
Levou o nosso Ferreira
Sem a mínima compaixão

Não sei por que motivo
A morte é tão imprudente,
Contra os nossos cantadores
Dura, cruel, insolente
Matando nossos poetas
Só sendo inveja das metas
Da poesia da gente

Levou Severino Ferreira
Nosso vate nordestino,
Nasceu dotado das rimas
Verso, improviso e tino,
De estro possante e forte
No Rio Grande do Norte
O maior foi Severino

É triste a gente pensar
O que os poetas sentiram
Na violência dramática
Que tragicamente caíram,
Vê o motorista morto
E um colega sem conforto
Foram vitimas e assistiram

A morte não tem reserva
Mata a torto e a direito,
Não tem engano com ela
Conceito e nem preconceito
Leva o sábio e deixa o rudo
Depois volta e leva tudo
Porque ela é desse jeito

Reina tristeza no peito
Do cantador nordestino,
E os poetas conterrâneos
Da terra de Severino
A viola entristeceu
Chorando porque perdeu
Seu vate potiguarino

Um poeta de renome
Quase no Brasil inteiro,
Nunca temeu de cantar
Com o maior violeiro,
Foi um dos batalhadores
Dos grandes improvisadores
Do nordeste brasileiro

Severino Ferreira era
Grande poeta venusto,
Querido e conceituado
Da Fundação Zé Augusto
Era o poeta do riso
E pra cantar de improviso
Nenhum cantor lhe fez susto

Cantor de estro agradável
Para os espectadores
Amigo dos seus clientes
E amigo dos cantadores
Fez muita programação
Em radio e televisão
Tem seus admiradores

Um mestre da poesia
De conhecimentos profundos,
Muitos trabalhos escritos
E o seu livro é oriundo,
Com os mais belos poemas
Versos bonitos e temas
Comemorados no mundo

Doutor Zé Lucas de Barros
E doutor Rosáfico Saldanha,
As poesias de Ferreira
Um e outro acompanha,
Seus versos nobres e métricos
Dos trinta anos poéticos
Rosáfico fez a Campanha

Isto são cenas marcadas
Prodígios que a gente alcança
São os fenômenos da vida
Que dentro do tempo avança
As cantorias filmadas
Bonitas fitas gravadas
Que ficam como lembrança

Sobre a dívida da morte
A nossa vida é quem paga,
Um bom amigo da gente
Daqueles que a gente afaga,
A morte dura e malvada
Dá-lhe uma bordoada
Ele depressa se apaga

De Severino Ferreira
É muito forte a lembrança
Sua voz bonita e mansa
Estilo bom de primeira
Verso limpo sem zonzeira
Era o poeta da gente
Rima rica e competente
Improviso belo e risonho
No mundo lindo de um sonho
Onde Deus está presente.




















O Sertão e seus cangaceiros
     (Zé Saldanha)

Vou citar para os leitores
Nomes de alguns cangaceiros,
Grupos que se alastraram
Pelos sertões altaneiros,
De antigamente chamados
Nordeste e seus bandoleiros

Há certos anos passados
Nosso sertão nordestino
Foi campo de cangaceiros
Grupo de Antonio Silvino,
Zé Brilhante e João do Coito
Zé da Banda e Jesuíno

Quando o coronelismo
Protegia os cangaceiros,
Guardando em suas fazendas
Como simples companheiros,
Prevendo qualquer questão
Já em ordem os pistoleiros

Os Dantas e Guabirabas
Suassunas e Viriatos
Alves, Melos e Calados
Limas, Lobos e Lobatos,
Os Batistas e os Ribeiros
Os Nunes e os Honoratos

Os Gomes e os Saturninos
Os Jurubebas, os Nogueiras
Araujos e Maciéis
Os Leites e os Cachoeiras
Os Macenas e os Saldanhas
Cunhas, Patacas, Pereiras

Os Corcundos e os Menezes
Nóbregas, Tavares, Faustinos,
Britos, Canelas, Rogérios
Rochas, Carvalhos, Targinos,
Torquatos e Cassimiros
Pichutas e Bernardinos

Veras, Maias e Diógenes
Os Procópios e Porcinos
Os Brilhantes, os Limões
Os Lucas e Anulinos,
Os Lucenas e Lucinas
Os Senas e Francelinos

Horácios e Quebraquilos
Evaristos e Gondins
Os Mendonças, os Farias
Benvenutos, Serafins
Os Cassianos, os Lopes
Os Gambarras e os Joaquins

Cassimiro e Zé Pereira
Pé Fundo e Pilão Deitado
Antonio Zé Pinto Nunes
Figueira e Manoel Rajado
O Adolfo Meia Noite
João Clemente e Zé do Gado

Palmeirinha e Luis Padre
Vilela e Chico Bicudo
Silvino, Arês Cangaceiro
Que pra brigar teve estudo
Mas Virgulino Ferreira
Foi o professor de tudo

Foi no tempo que reinava
O mexerico do sertão,
O ódio, o protesto, a ira
Vingança e perseguição,
Muitos crimes perigosos
Morte, processo e questão

E quando os coronéis ricos
Protegiam cangaceiros
Conservando-os nas fazendas
Como legítimos ordeiros
Não matavam, mas mandavam
Matar pelos bandoleiros

Coronel rico vivia
De tomar terra do pobre
Afrontava os miseráveis
Como poderoso e nobre
Confiando no poder
No cangaceiro e no cobre

Naquele tempo, capricho
Da mão da ignorância
Era a lei que governava
Com ódio e repugnância
Era um tempo vingativo
Do crime, da inconstância

Nesse tempo poderoso
Bancava tipo valente
Por qualquer troca de língua
Ficavam de sangue quente
Possuindo cem mil réis
Mandava dar surra em gente 

O crime, o horror a miséria
Era o que mais dominava
Civilização dormia
A ignorância reinava
Uma inconsciência rústica
Era o grau que governava

O nordeste era um covil
Completo de bandoleiros
Uns por necessidade
De fazer-se cangaceiros,
E outros por malfeitores
Criminosos, desordeiros

Muitos viveram à custa
Do rifle e da cartucheira
Devastaram os sertões
A corrida bandoleira
Como verdadeiras feras
Desta gleba brasileira

Macilon e Virgulino
 E Sebastião Pereira
Francisco Pereira Dantas
Aqui de nossa fronteira
Seis anos também viveu
Na corriola bandoleira

Não há quem escreva o numero
Do cangaço nordestino
Vou deixar de citar nomes
E tomar outro destino
Tratar um pouco da vida
Do capitão Virgulino

Lampião foi tocador
Foi poeta e sapateiro,
Negociou ambulante
Foi matuto e foi vaqueiro,
Enfermeiro e alfaiate
Músico, ourives, ferreiro

Era amigo e camarada
E falso como a serpente
Tão manso como o cordeiro
Calmo, amigo e paciente
Bruto e ignorante
Desentendido e valente

O gênio mais indomável
Dos seres da humanidade
O corpo mais incansável
E de mais agilidade,
Foi o ser mais intocável
Da nacionalidade

Não tem quem estampe a vida
De Virgulino Ferreira
O grande rei do cangaço
Desta gleba brasileira,
Viveu à custa de sangue
Como fera carniceira

Dando combate e matando
Os soldados brasileiros,
Era o terror do sertão
Junto com seus cangaceiros,
Viravam o nordeste velho
Ele e seus bandoleiros

Trouxe o sertão Nordestino
Assombrado todo dia,
As revistas e os jornais
Alarmavam a tirania,
Os horrores e os estragos
Que Virgulino fazia

No ano de vinte e um
Ele reinou à vontade,
Com um grupo de bandidos
Cumulo da perversidade,
Revirando o sertão velho
Por sítio, vila e cidade

Se alargava no Nordeste
Até o sertão da Bahia,
Roubando e matando gente
E fazendo o que queria,
Revirava este Nordeste
Todo mundo padecia

Assim tirou vinte e um
Vinte e dois e vinte e três,
O ano de vinte e quatro
Vinte e cinco e vinte e seis,
Não há livro que estampe
O que Virgulino fez

Brigando com a polícia
Do Sergipe ao Pernambuco,
Entrava na Paraíba
Com rancor, soberba e suco,
Matou soldado e chamou,
O governo de maluco

Se a assenhorando das jóias
 E carregando os dinheiros,
Também levando as mulheres
E filhas dos fazendeiros,
Brigando e matando gente
Ele e os seus bandoleiros

Incendiando as fazendas
E paióis de algodão,
Matando gado no campo
Como indomável leão,
Arrancando unhas do povo
Sangrando no coração

Desafiava a polícia
No estado sergipano
Da Bahia ao Ceará
Ao solo pernambucano
Zombava e desafiava
O poder paraibano

Pernambuco e Paraíba
Já casava batizava,
Fez tudo à sua vontade
Do jeito que desejava,
Deu carreira na polícia
Que a perna velha envergava

Pelo o sertão de Alagoas
Ele também penetrava,
Com tanta felicidade
Que ali alguém o aguardava,
Mas também com a polícia
Diversas vezes brigava

Brigou com o Ceará
E o Rio Grande do Norte,
Mas no velho Mossoró
Ele teve pouca sorte
Se demora mais um pouco
Tinha perdido o transporte

Prometeu no Rio Grande
De vir tomar Mossoró,
Voltar pela zona oeste
Atacar o Caicó,
E assaltar os fazendeiros
Das zonas do Siridó

Devemos toda homenagem
Para Rodolfo Fernandes
Que foi grande defensor
Das terras do Rio Grande
Se ele fosse homem fraco
Lampião tocava o flandre

Guiado por Macilon
Para tomar Mossoró,
Macilon sabia tudo
Do oeste ao Caicó,
E conhecia as riquezas
Das terras do Siridó

Porem coronel Rodolfo
Botou terra no seu plano,
Reforçou o Mossoró
Como um herói veterano,
Se Lampião não corresse
Tinha entrado pelo cano

É bonito a gente ler
Com minuciosidade,
O bilhete de Lampião
Ao prefeito da cidade,
E a resposta do mesmo
Com ordem e autoridade

Ás oito horas da manhã
Do dia treze do mês,
De junho de vinte e sete
Lampião por sua vez,
Escreve ao Sr. Rodolfo
Com séria positivês

Queria a quantia de
Quatrocentos contos de réis
Se o dinheiro não viesse
Pelo valor dos papeis
Com seus bandidos cruéis

Um secretário escreveu
Ditado pelo prefeito
Que não tinha este dinheiro
E nem podia dar jeito
E se quiser atacar
Pode vir meter o peito

Não possuo essa quantia
Fabulosa e altaneira
Os bancos estão fechados
O comércio é uma asneira
Estou disposto a aceitar
Tudo que o senhor queira

Minha cidade não muda
Nem de aspecto nem de jeito
Está firme, inabalável
Com honra e muito conceito,
Confiando em sua sina
Firme Rodolfo, Prefeito

Lampião lendo o bilhete
Visou o caso perdido,
Sentiu força em Mossoró
Um prefeito destemido,
Mas para provar quem era
Não se fez de esmorecido

Avisou que às quatro horas
Atacaria a cidade,
Mas primeiro investigou
Com a máxima atividade,
Por onde iria fugir
Se houvesse necessidade

Disse até que em Macilon
Não podia confiar,
Conhecia Mossoró
Porém quis me enrrascar,
Mossoró não é cidade
Pra cangaceiro atacar

Tem torre pra todo lado
O chefe daqui é forte,
A cidade está munida
Tem conforto e tem bom porte,
Vou atacar, mas não gosto
Do Rio Grande do Norte

Foi no momento que a chuva
Baixou torrencialmente,
Com relâmpago e trovão
Mas o bandido é valente,
Cantando mulher rendeira
Ataca rapidamente

A guarnição da cidade
Não quis adular ninguém,
Desabou a tiroteio
Bala vai e bala vem,
Da torre da igreja
Chovia bala também

Do grupo de Lampião
Já um bandido morria,
Outro que se aproximava
No mesmo lugar caía,
Lampião sem perder tempo
Ligeiramente corria

Botou o rifle de um lado
Pegou no cabo da faca,
E correu danadamente
Dizendo: ninguém me ataca!
Já tinha morto Colchete
E baleado Jararaca

Ali mais quatro cabras
Foram num instante feridos,
Um tal Menino de Ouro
Morreu sem dar um gemido,
Lampião decretou luto
Pela morte dos bandidos

Lampião correu dizendo:
Mossoró não me convém,
O povo é doido demais
Não tem medo de ninguém,
Até as igrejas lá
Atiraram em mim também
  
Eu ia dar uma prova
De cangaceiro moderno,
Mas tudo me foi contrário
Até mesmo o Pai Eterno,
Para ver minha desgraça
Mandou força de inverno

Desde esse tempo que sinto   
 Que as quizilas me atacaram,
Muitos cabras bons morreram
Outros me abandonaram,
Já não imito a metade
Dos tempos que se passaram

Parabéns pra Mossoró
A Capital do Oeste,
Que enfrentou Lampião
Com os seus cabras da peste,
E foi a maior derrota
Que ele sofreu no Nordeste

Foi demais o banditismo
Deste sertão Nordestino,
Graças a Getúlio Vargas
Com seu poder e destino,
Na raça de cangaceiros
Vem passando o pente fino

Dos folhetos que escrevi
Me faltava publicar,
O cangaço Nordestino
Para também registrar,
O meu folclore poético
Da cultura popular

Zelar pela poesia
É direito do poeta
Sua rima, sua meta
A sua filosofia
Lembrança viva que cria
Dom poético e oração
A memória, a vocação
No verso, na rapidez
Horas que chegam de vez
A divina inspiração
      F  I  M






















ASTÚCIA DE CABOCLO
(Chico Pedrosa)

Matuto briga com onça
Pantera preta ferida
Iena, leoa choca
Cachorra doida parida
Até mesmo candidato
Falso mentiroso e chato
Quando num palanque berra
Ele é capaz de agüentar
Mas quer ver ele afrouxar
O convoque para a guerra

Ainda hoje tem veio
Perdido dentro da serra
Somente porque um dia
Sonhou que ia pra guerra
Ninguém conta as agressões
Das automutilações
Feitas propositalmente
Até hoje no sertão
Faltando dedo de mão
Tem um punhado de gente

Enquanto houver mutilado
Lembrando o que encarou
A segunda grande guerra
Ainda não acabou
Aquela coisa terrível
Causou um estrago horrível
No seio da humanidade
Valentão com medo dela
Perdeu pra não ir pra ela
Muita preciosidade

O caboclo Zé Cangalha
Lá da nossa freguesia
Andava a cima e a baixo
Arrotando valentia
Certo dia recebeu
Uma carta, e quando leu   
 Mudou de cor e feição
Tremeu, chorou, ficou mudo
Quando viu que o conteúdo
Era uma convocação

Tava escrito no papel
Venha se apresentar
No dia vinte as dez horas
No comando militar
Para ser examinado
O senhor foi convocado
Pra ser nosso companheiro
Caso não esteja tísico
Nem porte defeito físico
Vai brigar no estrangeiro

O matuto desabou
Depois que leu a mensagem
Antes do dia marcado
Fez uma grande bobagem
Na quentura dum ferrolho
Crestou a íris do olho
Que o cristalino azulou
E depois do ato impensado
Ficou tão aliviado
Que até comemorou

Quando chegou o momento
Dele se apresentar
Vestiu-se da melhor roupa
Que tinha pra passear
Pôs no bolso o documento
Selou o velho jumento
Seu companheiro fiel
E assim que a barra surgiu
Montou no jegue e partiu
Em procura do quartel

Crente na estupidez
Que praticara outro dia
Partiu levando a certeza
Que para a guerra não ia
O olho inutilizado
Carimbava o atestado
Da sua incapacidade
Entre mil divagações
Entrava o nosso Camões
Na sonolenta cidade

Na pracinha da matriz
Zé Cangalha desmontou
Na melhor sombra que tinha
O seu jumento deixou
E seguiu para o quartel
Lá, entregou o papel
Mandaram ele aguardar
E quando chegou sua vez
Um guarda nada cortez
Mandou o acompanhar

Até a sala, onde um médico
Assim que o avistou
Ensaiando um ar de riso
De onde estava falou
Eu não sei porquê
Você foi convocado
Porque pra ser soldado não dar
O senhor tá dispensado
Tá livre e disconvocado
Nem precisava vir cá

O nosso herói quando ouviu
A sentença a seu favor
Sentiu-se tão confiante
Que perguntou, ô Doutor
É porque me falta um olho
Não sabia que caolho
Não podia guerrear
O doutor respondeu nãao
Por favor, preste atenção
Escute o que eu vou falar

Você tá muito enganado
Pelo olho você ia
O olho cego é que é bom
Pra se fazer pontaria
E depois dum fogo cerrado
Olhar se tá empenado
O cano da escopeta
Que parou de atirar
Eu só vou lhe dispensar
Porque você é zambeta