Joaquim
Batista de Sena
HISTÓRIA
DA MORTE DE MANOEL
MACHADO E A VINGANÇA DO SEU
FILHO SAMUEL.
Na
crise de vinte e cinco
No
outro século passado,
Na
chapada do Pereiro
Morava
Manoel Machado,
Era
muito pobrezinho
Mas
vivia conformado.
Manoel
era casado
Com
uma mulher bonita,
Muito
amável e carinhosa
Por
nome Maria Rita,
E
moravam satisfeitos
Naquela
serra esquisita.
Manoel
tinha a Maria
A
mais sincera amizade,
Maria
tinha a Manoel
A
mais pura lealdade,
E
tinha um filho somente
Com
dez anos de idade.
Chamava
se Samuel
O
seu querido filhinho,
Machado
e dona Maria
Tinham-se
grande carinho,
Era
o consolo das mágoas
Deste
casal pobrezinho.
01
Manoel
em redor de casa
Quando
chovia plantava,
Milho,
feijão, mandioca
E
sempre quando faltava,
A carne
para a mistura
Ele
na serra caçava.
Passava
dias inteiros
Naquele
mato fechado,
E
sempre daquela serra
Só
voltava carregado,
Com
ema, paca e tatu
Couro
de onça e veado.
A
sua esposa querida
Todo
dia ia espera-lo,
Muito
adiante no caminho
Contente
para abraça-lo,
Amenizar-
lhe as fadigas
Naquele
peso ajuda-lo.
Quando
ele descansava
Ia
preparar as caças,
Depois
tranquilo ceiava
Sem
conhecer das desgraças,
Do
luxo e das vaidades
E
dos escândalos das praças.
Então
se Manoel Machado
Com
muito zelo estimava,
Peri
um grande cadelo
Que
sempre lhe acompanhava,
Nestas
caçadas da mata
Quando
ele ia e voltava.
02
Machado
se avizinhava
Com
um tal José Roberto,
Um
sujeito musculoso
Muito
sagaz e esperto,
E só
moravam eles dois
Naquele
grande deserto.
Este
tal José Roberto
Era
um sujeito bandido,
Criminoso
de seis mortes
E
pra não ser perseguido,
Destinou-se
a ir morar
Naquela
serra escondido.
Porém
nunca que contasse
A
vida a Manoel Machado,
Fazia
um ano somente
Que
aquele desgraçado,
Morava
naquela serra
Um
tanto desconfiado.
A
esposa de Roberto
Chamava-se
Primavera,
Calada,
magra e bisonha
Feia
como uma pantera,
Como
esposa encobria
Os
crimes daquela fera.
Machado
tratava a eles
Com
muito zelo e carinho,
Dizendo:
-- Graças a Deus
Chegou-me
agora um vizinho,
Pra
me fazer companhia
Neste
deserto sozinho.
03
Então
Roberto e Machado
Vivia
naquela terra,
Cada
qual bem satisfeito
Sem
ninguém propor-lhe guerra,
E
sempre caçava os dois
Unidos
naquela serra.
Mas
José Roberto como
Era
um ente desgraçado,
Começou
tratar Manoel
Com
muito zelo e agrado,
Na
mente de seduzir
A
esposa de Machado.
A
esposa de Roberto
Era
uma negra feiosa,
E a
mulher de Machado
Era
tão meiga e formosa,
Como
uma rosa de maio
Numa
manhã neblinosa.
Dona
Maria Machado
Conhecendo
que o bandido,
Desejava
seduzi-la
Como
amigo fingido,
Começou
repreendê-lo
Sem
dizer nada ao marido.
E
certo dia Roberto
Preparou
uma cilada,
Chamou
Manoel Machado
Para
darem uma caçada,
Na
mente de seduzir
A
mulher do camarada.
04
Saíram
os dois camaradas
Uma
certa manhazinha,
E lá
do mato Roberto
Voltou
noutra varedinha,
Para
encontrar descuidada
Dona
Maria sozinha.
Chegou
Roberto na casa
De
Machado e encontrou,
Dona
Maria sozinha
Falou
na porta e entrou,
E
depois de estar sentado
Por
esta forma falou:
--
Dona Maria eu voltei
Somente
para lhe encontrar,
Sozinha
na sua casa
E do
seu amor gozar,
Pois
a paixão que eu sinto
Não
me deixa sossegar.
Dona
Maria zangou-se
E
disse a José Roberto:
--
Atrevido me respeite
E desde
já fique certo,
Que
eu não sou prostituta
Cabra
nefando incorreto.
José
Roberto humilhou-se
E
ouviu tudo calado,
E
disse: -- Dona Maria
Não
diga nada a Machado,
Que
de hoje em diante juro
Respeitar
seu nome honrado.
05
E
saiu dali depressa
Pensando
como podia,
Vingar
aquela desfeita
Que
tanto lhe constrangia,
E
ter a glória na vida
De
vencer dona Maria.
Pensou
mais de vinte planos
No
seu coração malvado,
Por
fim disse: -- Eu só me vingo
Matando
Manoel Machado,
Pois
a mulher sem marido
Cai
sem querer no pecado.
E
desde aquele momento
Se
pôs Roberto a pensar,
Qual
seria a melhor forma
Para
ele assassinar,
Machado
e dona Maria
De
nada desconfiar.
Porque
se o matasse a tiros
A
faca ou a bordoada,
Podia
dona Maria
Ficar
com ele intrigada,
Suspeitando
de Roberto
Não
se cedia mais nada.
Porém
de matar Machado
Não
lhe saía da mente,
O
satanás colocou-se
Naquela
infernal serpente,
E
ele forjou consigo
Outro
plano diferente,
06
Roberto
chamou Machado
Para
darem uma caçada,
E botou
em seu bisaco
Uma
corda de laçada,
Na
intenção de prender
E
matar seu camarada.
Manoel
Machado aceitou
E
seguiu muito contente,
Roberto
o vil criminoso
Botou
Manoel na frente,
E
foi preparando a corda
Para
amarrá-lo inocente.
Peri
o grande cadelo
Seguia
desconfiado,
De
vez enquanto na mata
Ele
soltava um uivado,
Talvez
lamentando a morte
Do
dono Manoel Machado.
Lá
muito longe da serra
Roberto
jogou o laço,
E
laçou Manoel Machado
Por
cima de cada braço,
E
deu-lhe uma grande queda
Quase
lhe tora o espinhaço.
Machado
exclamando e disse:
-- O
que é isto Roberto?
Respondeu-lhe
o monstro:--Eu sou
Seu
inimigo secreto,
E
vim consigo somente
Mata-lo
aqui no deserto.
07
Depois
que amarrou Machado
Com
aquela inquirideira,
Arrastou
ele por cima
De
toco pedra e barreira,
E o
amarrou seguro
No
tronco de uma aroeira.
Machado
pedindo a ele:
--
Roberto por Deus me diz,
Que
crime eu te pratiquei
Qual
foi o mal que te fiz,
Porque
me matas Roberto?
Tem
dó de um pobre infeliz!
Nisto
Peri foi chegando
E
vendo o dono inquerido,
Partiu
para morder Roberto
Porém
aquele bandido,
Deu-lhe
um tiro e o cachorro
Correu
soltando ganido.
Roberto
lhe respondeu:
--
Machado eu quero saber,
Quantos
dias nessa mata
Você
passa pra morrer,
Amarrado
neste tronco
Sem
comer e sem beber.
Machado
ouvindo a sentença
Tristonho
molhou para o chão,
Naquele
tronco inquerido
Rezou
logo uma oração,
Na
presença de Roberto
Fez
a Deus sua contrição.
08
--
Meu Jesus ouvi os rogos
Dum
miserável sem sorte,
Que
não tarda deste mundo
Fazer
seu último transporte,
Pois
já sinto no meu corpo
Os
calafrios da morte.
--
Vós morreste no Calvário
Sobre
um madeiro cravado,
E eu
também vou morrer
De
fome e sede afrontado,
Nestas
brenhas esquisitas
Sobre
um madeiro amarrado.
--
Pela hóstia consagrada
Pelo
cálix e pela pia,
Ouví
meus tristes lamentos
Jesus,
José e Maria,
Vindes
assistir a hora
Da
minha triste agonia.
--
Não sinto tanto meu Deus
Morrer
assim cruelmente,
Como
sinto separar-me
Do
meu filhinho inocente,
E
minha esposa que fica
Chorando
amargosamente.
Nisto
o monstro Zé Roberto
Falou
pra Manoel Machado:
--
Meu amigo eu vou ficar
Com
sua mulher ao meu lado,
E o
seu filho eu vou cria-lo
Pode
morrer descansado.
09
Machado
disse: -- Roberto
Tens
dó do meu padecer,
Se
minha mulher foi falsa,
A
mim eu quero saber
Me
soltas que eu vou embora
E
nunca mais ela me ver.
Roberto
disse: -- Machado
Ela
não quis me aceitar,
Então
por este motivo
Eu
vou te assassinar,
Porque
mulher sem marido
É
melhor de conquistar.
Machado
exclamando disse:
--
Meu Deus tende piedade,
Defendei
minha mulher
Do
gozo da vaidade,
Meu
Jesus lhe conservai
Sua
santa castidade.
Disse
Roberto: -- Machado
Deixe
de tantas heresias,
Eu
não sinto as angústias
Destas
tuas agonias,
Fique
aí eu vou embora
Só
volto aqui com três dias.
José
Roberto voltou
Deixando
Manoel Machado,
Enquerido
lá na mata
Na
aroeira amarrado,
E
chegou na sua casa
Bem
tranquilo e disfarçado.
10
Quando
foi anoitecendo
A
esposa de Machado,
Foi
na casa de Roberto
Com
o filhinho dum lado,
Perguntar
pelo marido
Já
com bastante cuidado.
Roberto
disse: -- Eu segui
Junto
com Manoel Machado,
Nos
apartamos na serra
Fomos
caçar separado,
E eu
pensei que a tempo
Ele
tivesse chegado.
Dona
Maria aí disse:
--
Meu Deus o que terá sido,
Será
que Manoel Machado
A
onça tenha comido?
Valha-me
Nossa Senhora
Meu
Deus cadê meu marido?
Roberto
lhe respondeu:
--
Mulher deixa de chorar,
Seu
marido não morreu
Vá
pra casa esperar,
Que
daqui pra meia noite
Ele
não tarda voltar.
Dona
Maria voltou
Como
louca soluçando,
Passou
a noite acordada
Em
pranto se lastimando,
Fazendo
preces a Deus
Pelo
marido esperando.
11
Quando
o dia amanheceu
Ela
chorosa e aflita,
Chamou
seu filho e seguiu
Pra
aquela serra esquisita,
Foi procurando
o marido
Lamentando
a sua dita.
O
monstro José Roberto
Também
seguiu procurando,
Junto
com dona Maria
Aqui,
ali disparando,
Seu
bacamarte na serra
E
por Machado gritando.
Porém
como ele sabia
Lá
onde estava Machado,
Numa
gruta cavernosa
Na aroeira
amarrado,
Procurava
ao contrário
Distante
pra outro lado.
Assim
procuraram o dia
Naquela
mata fechada,
À
tarde dona Maria
Voltou
mais contrariada,
Lastimando
a sua sorte
Chorando
desenganada.
José
Roberto fingiu-se
Tristonho
e penalizado,
E
com três dias seguiu
E
foi visitar Machado,
No
centro daquela serra
Na
aroeira amarrado.
12
De
longe foi avistando
Peri
muito entristecido,
Juntinho
ali de Machado
Uivando
e dando ganido,
E
pressentindo Roberto
Correu
logo espavorido.
Roberto
inda deu-lhe um tiro
Mas
o cachorro livrou-se,
E
correu de mata adentro
E
num rochedo ocultou-se,
Então
o monstro Roberto
De
Machado aproximou-se.
Roberto
chegou pra perto
Machado
estava caído,
No
tronco da aroeira
Amarrado
e inquerido,
O
rosto desfigurado
E o
olhar amortecido.
Morrendo
de fome e sede
Atacado
dum cansaço,
Em
cada um amarradio
No
corpo tinha um inchaço,
As
coradas estavam escondidas
Dentro
da carne dos braços.
Eram
seis horas da tarde
O
sol se punha dourado,
E
pelas brechas da mata
Tingia
Manoel Machado,
Cobrindo
o corpo do mártir
Com
um labirinto encarnado.
13
Roberto
olhou pra Machado
E
chamou pelo seu nome,
Dizendo:
-- Meu camarada
Sem
dúvida estás com fome,
Amarrado
neste tronco
Há
três dias que não come.
Machado
ainda fez força
E
ajoelhou-se no chão,
Dizendo
a José Roberto:
--
Tendes de mim compaixão,
Dai-me
água pra beber
Me
tira desta prisão.
Roberto
lhe respondeu:
--
Machado morra contrito,
Olhas
que tua mulher
Tem
o gênio do maldito,
Por
isso eu vou te matar
De
fome neste esquisito.
Machado
fitou Roberto
Com
um olhar moribundo,
Muito
cansado e aflito
Deu
um gemido profundo,
E
disse:--Meus Deus não tarda
Me
despedir deste mundo.
Roberto
sorrindo disse:
--
Amigo Manoel Machado,
Fique
aí que eu vou embora,
Então
lhe faço avisado,
Só
volto aqui com três dias
Pra
saber do seu estado.
14
Machado
olhou para o céu
E
nada disse a Roberto,
E o
monstro foi embora
Deixando
o pobre por certo,
Morrendo
de fome e sede
Amarrado
no deserto.
Roberto
chegou em casa
Se
fingindo estropiado,
E
disse a dona Maria:
--
Eu procurei com cuidado,
Toda
serra e não achei
Nem
vestígio de Machado.
Dona
Maria Machado
Deu
um enorme gemido,
E
desmaiou na cadeira
Com
o corpo esmorecido,
E
despertou já nos braços
Da
esposa do bandido.
Muito
fraca e abatida
Tristonha
e desconsolada,
Seguiu
pra sua casinha
Chorando
pela estrada,
Deitou-se
e perdeu o sono
Passou
a noite acordada.
Zé
Roberto bem cedinho
Fingindo
foi visitar,
Dona
Maria e lhe disse:
--
Deixe de tanto chorar,
Que
seu marido está vivo
E
não tarda mais a chegar.
15
No
sexto dia seguinte
Roberto
o grande bandido,
Dirigiu-se
para a serra
Mostrando-se
entristecido,
E
foi olhar pra Machado
Se
já tinha falecido.
Encontrou
o quase morto
Muito
inchado e arquejando,
Mas
olhou para Roberto
Lhe
falando muito brando,
E
disse: -- José Roberto
Eu
já estou me ultimando.
Depois
perguntou a ele
Com
a voz enfraquecida,
--
Roberto por Jesus Cristo
E
Maria Concebida,
Me
diz como vai a pobre
De
minha esposa querida.
Roberto
disse: -- Machado
Ela
está é quase louca,
De
chorar e de falar
Em
você já ficou rouca,
Nunca
mais um só instante
Tirou
seu nome da boca.
Machado
fez um silêncio
Depois
falou novamente,
Dizendo:
-- José Roberto
Meu
corpo já está dormente,
E eu
não sinto as angústias
Que
tinha anteriormente.
16
-- Pois
vejo em redor de mim
Uma
grande Gerarchia,
Cantando
hino e louvor
Toda
noite e todo dia,
Milhões
de anjos de asas
Me
fazendo companhia.
--
Eu penso que estou
No
jardim do Paraíso,
Nisso
o monstro Zé Roberto
Fez
pra ele um ar de riso,
Dizendo:
-- Este desgraçado
Já
perdeu todo juízo.
E
disse: -- Manoel Machado
--
Fique aí nesse regalo,
Só
volto aqui com três dias
E
quando vir visita-lo
Trago
uns ferros pra cavar
Uma
cova e enterrá-lo.
E Zé
Roberto voltou
De
espirito sossegado,
Doma
Maria sabendo
Que
ele tinha chegado,
Chorando
foi perguntar
Por
notícias de Machado.
O
monstro lhe respondeu
Por
esta maneira assim:
--
Dona Maria a senhora
Tome
um conselho de mim,
Vá
procurar outro esposo
Que
aquele já levou fim.
17
Dona
Maria Machado
Tomou
por uma pilhéria,
Saiu
dizendo consigo:
--
Eu sou uma mulher séria,
Portanto
eu não venho mais
Na
casa desta miséria.
Chegou
na sua casinha
Pensando
no seu marido,
E
olhando seu filhinho
No
berço adormecido,
Exclamou:
-- Meu Pai do céu
Tudo
Jesus é servido.
Quando
o dia amanheceu
Cuidou
do seu necessário,
Pela
a alma do esposo
Rezou
ela o seu rosário,
Porém
não se conformava
Com
seu viver solitário.
Na
manhã do sétimo dia
O
cachorro de Machado,
Veio
visitar a casa
Magro
com fome e vergado
Quando
viu dona Maria
Chorando
deu um uivado.
Dona
Maria gritou:
--
Meu cachorro está doente,
Pegou
um pau pra mata-lo
O
cachorro descontente,
Deu
outro uivo e voltou
Para
a mata novamente.
18
Com
nove dias Roberto
O
temeroso bandido,
Foi
olhar para Machado
Levando
um ferro escondido,
Pra
cavar-lhe a sepultura
Se
já tivesse morrido.
Chegou
junto de Machado
À
tarde quase aos cafús,
Encontrou-o
quase morto
Os
molhos tesos sem luz,
Abrindo
a boca e chamando
Pelo
nome de Jesus.
Porém
naquele momento
Ouviu
ele um alvoroço,
Um
relinchado tremendo
Que
encheu-lhe de sobroço,
E
ele correu de medo
Daquele
grande remorso.
No
décimo dia Roberto
Pelo
remorso atacado,
Dirigiu-se
para a mata
Correndo
quase assombrado,
E
foi enterrar o corpo
Do
mártir, Manoel Machado.
Chegando
lá atacou-lhe
Um
remorso ainda mais forte,
Olhando
para o cadáver
Meditando
a sua sorte,
Nisso
Machado verteu
A
última lágrima da morte.
19
Cavou
uma sepultura
E cortou
com um facão,
As
cordas que o prendiam
E
ali enterrou no chão,
E
voltou pra sua casa
Com
grande perturbação.
E o
monstro Zé Roberto
Ficou
impressionado,
E
todo dia ele ia
Correndo
quase assombrado,
Visitar
aquela cova
Do
mártir Manoel Machado.
E o
que mais lhe perturbava
Quando
ele chegava ali,
Junto
da cova do mártir
Era
o cachorro Peri,
Chorando
naquela serra
Por
dentro do Taquari.
E
quando ele ia chegando
O
cão corria assombrado,
E
quando ele se ausentava
O
cão vinha uivar deitado,
Chorando
em cima da cova
Do
mártir Manoel Machado.
Com
quinze dias depois
José
Roberto a procura,
De
dar um tiro no cão
Temendo
alguma censura,
Achou
o cadelo morto
Em
cima da sepultura.
20
E
voltou pra sua casa
Pesaroso
e descontente,
A
noite nada dormiu
Vendo
o diabo em sua frente,
Toda
hora e todo instante
Dando
pulos de contente.
Roberto
lhe esconjurava
Toda
hora e todo dia,
Porém
aquele fantasma
Toda
hora lhe dizia,
Não
há Santo que me tire
Também
da sua companhia.
Com
poucos dias Roberto
Já
estava acostumado,
Com
a sombra do demônio
Vivendo
sempre a seu lado,
E
começou perseguir
A
esposa de Machado.
Visitando
a casa dela
E
lhe fazendo favores,
Lhe
tratando muito bem
Com
os risos sedutores,
Sempre
falando em história
De
assunto de amores.
E
quando ele ia à caçada
E
matava algum veado,
Mandava
ligeiramente
Levar
com grande cuidado,
Um
quarto ou mesmo uma banda
Pra
viúva de Machado.
21
Ela
muito agradecia
A
oferta do bandido,
Pois
coitada inocente
E
não vinha em seu sentido,
Que
aquele miserável
Assassinou
seu marido.
E
continuou o monstro
Lhe
fazendo gratidão,
Todo
dia se gabando
Que
tinha um bom coração,
Só a
fim de lhe botar
Na
vala da perdição.
Dona
Maria odiava
Aquele
monstro cruel,
E
como era decente
Honesta
casta e fiel,
Dedicou-se
a trabalhar
Com
seu filho Samuel.
Samuel
que já contava
Onze
anos de idade,
Sofrendo
as tristes angústias
Do
rigor da orfandade,
Chorava
pelo seu pai
Que
fazia piedade.
Certo
dia Samuel
Viu
sua mãe dando ai,
Lhe
disse: -- Mamãe querida
Da
minha ideia não sai,
Eu
penso que Zé Roberto
Foi
quem deu fim a meu pai.
22
Dona
Maria lhe disse:
--
Meu filho eu voto contigo,
Seu
pai era vivo e ele
Quis
me jogar no perigo,
Sendo
um amigo respeita
A
mulher do seu amigo.
-- E
ainda continua
Com
essa má intenção,
Me
dedicando favores
Com
agrado e sedução,
Só a
fim de me jogar
Na
vala da perdição.
-- E
eu já soube que ele
Aqui
vive foragido,
Por
umas mortes que fez
Para
não ser perseguido,
E eu
não aceito mais
Favor
daquele bandido.
Samuel
disse: -- Mamãe
Não
chore mais, se conforte,
Se
ele matou meu pai
Quando
eu ficar rapaz forte,
Juro
por Deus que pretendo
Mata-lo
da mesma morte.
Continuou
Samuel
A
crescer nesta intenção,
Com
quinze anos já tinha
Força
que só um leão,
Era
forte e musculoso
Que
parecia um Sansão.
23
Roberto
o grande assassino
Vivia
desconfiado,
E
logo que Samuel
Ficou
um rapaz formado,
Ocultou-se
mais da casa
Da
viúva de Machado.
E
Samuel muito calmo
Começou
investiga-lo,
Sobre
a morte de seu pai
Para
poder ataca-lo,
E Zé
Roberto cismando
Começou
a odiá-lo.
Samuel
de vigilância
Com
aquele cangaceiro,
Começou
caçar com ele
Na
chapada do Pereiro,
Porém
com todo cuidado
Naquele
mau companheiro.
No
lugar onde Roberto
Sepultou
Manoel Machado,
Com
dois anos começou
Aparecer
um molhado,
E
verter água da terra
Daquele
chão ressecado.
As
árvores logo cresceram
Sentindo
a terra molhada,
No
pino do meio dia
Vinha
toda passarada,
Trinar
naquele sombrio
Daquela
serra escampada.
24
O monstro
José Roberto
Era
onde descansava,
Da
sombra do satanás
Que
sempre lhe perturbava,
Quando
ele chegava ali
Ela
de si se ausentava.
Samuel
num dia Santo
Convidou
José Roberto,
Para
caçarem na serra
E
Deus destinou por certo,
Que
naquele mesmo dia
Fosse
o crime descoberto.
Seguiram
os dois caçadores
No
seu rumo diferente,
Era
quase o meio dia
O
sol tremia de quente,
A
cigarra nos gravetos
Soltava
um canto estridente.
Samuel
deu uma queda
Lá
de cima dum telhado,
Quebrou
a cabaça d’água
Que
conduzia dum lado,
Ficou
com sede e sem rumo
Ali
desorientado.
Perdeu-se
em cima da serra
Sem
saber pra onde ia,
A
sede foi lhe apertando
No
pingo do meio dia,
Os
rochedos faiscavam
O
sol de quente tremia.
25
Gritou
muito por Roberto
Mas
não foi correspondido,
Subiu
num grande rochedo
A
fim de prestar sentido,
A
falda daquela serra
Onde
ele estava perdido.
De
lá de cima da serra
Samuel
observou,
Um
arvoredo tão verde
Que
a vista encandeou,
Ele
disse: -- Ali tem água
E
pra lá se encaminhou.
Quando
ele chegou no canto
Admirou
o sombrio,
Observou
o molhado
Ali
naquele baixio,
No
arvoredo tremia
Uma
coruja de frio.
Samuel
observando
Aquele
canto molhado,
Começou
cavando a terra
Cada
vez mais animado,
E
para o centro da terra
Foi
encontrando alagado.
Vendo
a terra verter água
Ficou
bastante contente,
Metendo
a mão encontrou
Uma
coisa diferente,
Tirando
pra fora viu
Que
era um crânio de gente.
26
Samuel
disse:- - Meu Deus
Quem
foi esta criatura,
Que
morreu neste deserto
E
teve tanta ventura,
Que
depois de sua morte
Alguém
deu-lhe a sepultura?
E
metendo a mão de novo
Trouxe
a medalha dum Santo,
Quando
olhou para a medalha
Desmanchou-se
ali num pranto,
E
ficou esmorecido
Sem
poder sair do canto.
Pois
Samuel se lembrou
Que
aquele medalhão,
Era
seu pai quem usava
Enfiado
num cordão,
Com
a imagem gravada
Da
Virgem da Conceição.
Enquanto
ali Samuel
Como
louco soluçando,
Tirava
os ossos do pai
Daquela
cova chorando,
O
bandido Zé Roberto
Já
vinha se aproximando.
Vendo
Samuel chorando
Tirando
os ossos do chão,
Apontou
seu bacamarte
E
deu um tiro a traição,
Só
atingiu Samuel
No
dedo mínimo da mão.
27
Samuel
gritou pra ele:
--
Erraste o tiro assassino,
Te
prepara pra morrer
Cabra
insolente e mofino,
E
partiu pra Zé Roberto
Puxando
o facão “colino”.
José
Roberto gritou:
--
Se vir lhe sucede mal,
Se
previna que você
Também
não é imortal,.
E
partiu pra Samuel
Também
puxando o punhal.
Quando
ambos se encontraram
Roberto
como um leão,
Avançou
pra Samuel
Com
o seu punhal na mão,
Samuel
também travou-se
Lhe
cutilando a facão.
José
Roberto avançava
Também
como um insensato,
Samuel
o cutilando
Dava
pulos como um gato,
Saltando
pedra e barrancos
Torcendo
moitas de mato.
Roberto
na grande luta
Foi
de arrojo pelo chão,
Samuel
indignado
Deu-lhe
um golpe de facão,
O
punhal saltou distante
Com
a munheca da mão.
28
O
monstro caiu gritando
Todo
tremendo de medo,
Samuel
disse: -- Bandido
Agora
neste degredo,
Sobre
a morte do meu pai
Tu
me descobre o segredo.
José
Roberto apanhando
Já com
um braço cortado,
Descobriu
a Samuel
Como
assassinou Machado,
Naquela
serra esquisita
Com
fome e sede amarrado.
Samuel
pegou Roberto
E
disse para o bandido:
--
Você vai pagar a morte
Do
meu velho pai querido,
Pois
quem com o ferro fere
Com
o mesmo será ferido.
Eu
não irei te matar
Com
fome e sede amarrado,
Porém
irei te deixar
Com
esse braço cortado,
Perdido
neste esquisito
Com
cada olho furado.
Se
tu saíres daqui
Sozinho
cego de guia,
Sem
auxilio de ninguém
Desta
grande travessia,
Eu perdoarei
teu crime
E a
tua tirania.
29
-- E
se tu não atinares
Pra
guiar num rumo certo,
Para
o lado que tu moras
Seis
léguas não são tão perto,
Morrerás
de fome e sede
Perdido
neste deserto.
Assim
Samuel deixou
Roberto
o grande bandido,
Com
os dois olhos furados
E
com um braço partido,
Chorando
dentro da mata
E
tateando perdido,
Chegando
em casa contou
Aquele
triste passado,
Sua
mãe chorando disse:
--
Meu filhinho abençoado,
O
filho que vinga o pai
Para
Deus não tem pecado.
Pois
no quarto mandamento
Jesus
Cristo manda honrar,
O
teu pai e a tua mãe
Também
manda castigar,
Em
suas misericórdias
A
pessoa que errar.
Deus
do céu condena a quem
Matar
o seu semelhante,
Mas
quem abate o perverso
Deus
a bênção lhe garante,
Como
abençoou Davi
Quando
matou o gigante.
30
Samuel
naquele instante
Foi
na casa do bandido,
E
deu parte a mulher dele
Do
enorme sucedido,
A
Primavera chorando
Foi
procurar marido.
Então
procurou Roberto
Na
serra o dia primeiro,
E em
continuação
E
segundo e o terceiro,
No
quarto dia encontrou-o
Morto
num despenhadeiro.
A
negra enterrou Roberto
No
pé de uma serrania,
Num
lugar muito esquisito
Naquela
mata bravia,
Assim
Roberto pagou
Uma
conta que devia.
E
tomada de desgosto
Pela
morte do marido,
Mudou-se
daquela serra,
De
coração constrangido,
E
foi morar bem distante
Num
lugar desconhecido.
31
Jesus como pai bondoso
Ordenou que Samuel,
Abatesse aquele monstro
Questionário e cruel,
Ultimando uma serpente
Indigno de ser vivente
Malfazejo e infiel.
Bateu-se contra Roberto
Assassino e desordeiro,
Teve que vingar seu pai
Investigando-o primeiro,
Sabendo se defender
Tolerou até saber,
As máximas do cangaceiro. FIM
32
A Vida de um Vaqueiro Valente
Ou a Vaquejada no Céu
João
Lucas Evangelista
Sou
um poeta que vive
Da
poesia somente,
Porém
gosto duma história
Versada
em alta patente,
Que
se vê moça bonita
Casar
com rapaz valente.
Para
quem gosta de luta
De
ver a palha voar,
Penetre
no fim do livro
Que
daqui pra terminar,
Se
sabe como um rapaz
Tem
estética pra brigar.
Dando
volta na memória
Vou
traçar em poesia,
Um
romance destacado
Que
todo mundo aprecia,
A
história de um vaqueiro
Que
passou-se na Bahia.
Chamava-se
Lucilane
O
leitor bem compreenda,
Por
isso esse menino
Já
nasceu de encomenda,
Pra
montar cavalo brabo
E
trabalhar em fazenda.
01
Logo
desde criancinha
Seu
pai lhe deu a um senhor,
A um
cidadão ricaço
Por
nome João Salvador,
Tinha
diversas fazendas
Era
grande agricultor.
Em
cada fazenda ele
Apoiava
cangaceiro,
Apreciava
na vida
Moça
bonita e dinheiro,
Cavalo
de campear
Homem
valente e vaqueiro.
Quando
o pai de Lucilane
Foi
o menino entregar,
Disse:
-- Seu João cuidado
Pois
eu vou lhe avisar,
Que
meu filho é impossível
De
alguém lhe aguentar.
O
velho disse: -- O garoto
Tem
traço de valentão,
Vou
criá-lo com cuidado
E
quando tiver rapagão,
Quero
ver se ele presta
Para
pegar barbatão.
E
começou o menino
No
traquejo muito cedo,
Tinha
muito amor ao gado
Campeando
no degredo,
Nunca
temia a visão
Nem
de nada tinha medo.
02
Ele
só tinha um defeito
Nunca
gostou de amigo,
Menino
nas unhas dele
Corria
grande perigo,
Dava
num batia noutro
Que
parecia um castigo.
O
major tinha uma filha
Por
nome de Carmelita,
Contava
dezesseis anos
Era
uma moça bonita,
Além
de ser filha única
Era
fidalga essa dita.
Vou
comparar pelo menos
Sua
beleza em meu tema,
Embora
que eu seja fraco
Pra
expressá-la em poema,
Pois
era muito mais linda
Que
as estrelas do cinema.
Os
olhos acastanhados
E as
faces cor de rosa,
Entre
as moças camponesas
Era
ela a mais formosa,
Mesmo
sem usar perfumes
Carmelita
era cheirosa.
Tinha
o coração fechado
Pois
nunca amou a ninguém,
Mas
quando viu Lucilane
Começou
lhe querer bem,
E o
menino gostava
De
Carmelita também.
03
Tinha
apenas doze anos
Não
conhecia o amor,
E
ela com dezesseis
Tinha
um porte encantador,
Lucilane
só pensava
Ser
da jovem inferior.
E
palestrava com ela
Somente
por distração,
Pois
ela tinha nobreza
Por
ser filha do patrão,
Sem
saber que ela vivia
Com
ele no coração.
De
todo povo da casa
A
quem mais ele atendia,
Era
a jovem Carmelita
Pois
lhe tinha simpatia,
E
Carmelita por ele
A
mesma paixão sentia.
Carmelita
não deixava
Ele
ir para o pesado,
Porque
seu gosto era vê-lo
Num
bom cavalo montado,
Todo
vestido de couro
Correndo
atrás do gado.
Lucilane
sem saber
Que
ela era sua dileta,
Lhe
deixava apaixonada
O
seu porte de atleta,
Além
de aboiar bonito
Tinha
os traços de poeta.
04
No
seu aboio dizia:
--
Êh pra lá vaca bonita,
No
lugar do teu chocalho
Um
belo laço de fita,
Teu
nome é Rosa do Prado
O
mimo de Carmelita.
Quando
Carmelita via
O
seu amor verdadeiro,
Todo
vestido de couro
Dizia
no desespero:
--
Ah se eu fosse para o campo
Na
garupa do vaqueiro!
Ao
completar quinze anos
Perdeu
do sossego a paz,
Pois
ali nenhum vaqueiro
Igualava
o seu cartaz,
Os
homens da redondeza
Todos
marcavam o rapaz.
Porque
Lucilane era
Pelas
moças invejadas,
E
todas elas queriam
Serem
suas namoradas,
Com
isto surgiu um ódio
Das
outras rapaziadas.
Se
ia para uma festa
Ou
para uma cantoria,
As
moças cercavam ele
Num
cortejo de alegria,
Ele
prosava com toda
Mas
nenhuma preferia.
05
Carmelita
com ciúmes
Levava
a vida a chorar,
E Lucilane
dizia:
--
Eu nasci pra ti amar,
Embora
que a senhora
Não
queira me acreditar.
Carmelita
respondia:
--
Não tenho consolação,
Você
vive a maltratar
O
meu pobre coração,
E
namorando comigo
Somente
por distração.
Lucilane
assim dizia:
-- A
senhora é tão bonita!
Portanto
assim não convém
Viver
chorosa e aflita,
Pois
todo rapaz formoso
Só
fala em Carmelita.
Carmelita
respondia:
--
Não adianta , criança,
Tu
vives desta maneira
Me
roubando a esperança,
De
querer quem não me quer
Meu
coração não descansa.
Lucilane
disse: -- Calma
Vá
repousar no seu leito,
Que
vou cuidar do meu gado
Também
sentindo no peito,
A
dor que a senhora sente
Se
eu pudesse dava jeito.
06
Vamos
deixar Carmelita
Por
Lucilane chorando,
Para
falar nas fazendas
Que
o tempo está passando,
E as
festas de apartação
Já
estão se aproximando.
Muito
antes, quatro meses
O
fazendeiro mandava,
Reunir
os poldros brabos
E o
rebanho apartava,
E o
vaqueiro mais destro
Primeiramente
montava.
Lucilane
tinha esgrima
Mas
não era bem treinado,
Carmelita
não deixava
Fazer
serviço arriscado,
Se
não como domador
Não
era classificado.
Logo
de todas fazendas
Começaram
a chegar,
Vaqueiro
forte e disposto
Pra
nos cavalos montar,
E o
que fosse mais destro
Tinha
o primeiro lugar.
Entre
os animais havia
Um
poldro grande melado,
Que
era de Carmelita
E
seria premiado,
O
vaqueiro que montasse
E o
deixasse esbravejado.
07
Pois
já era a quarta vez
Que
ele ia ao estrovo,
Ninguém
o domesticaria
E
haveria de vir de novo,
Esse
poldro na fazenda
Era
o assombro do povo.
Quando
os domadores viam
O
tal cavalo melado,
Pensavam
ser o demônio
Em
animal transformado,
Diziam:
-- Quem for montar nele
Será
logo esbagaçado.
Pois
ele já tinha morto
Dois
domadores estrepados,
Três
vaqueiros da fazenda
Tinham
sido esbagaçados,
Na
última veio dois homens
Voltaram
descangotados.
Por
isso ninguém montava
Naquele
poldro voraz,
Lucilane
disse: -- Eu juro
Como
rasgo o seu cartaz,
Deixarei
de ser vaqueiro
Se
ele ficar em paz.
Um
vaqueiro disse: -- Lane
Você
gosta de brincar,
Pensa
que domar cavalo
É no
mato campear,
Derrubar
garrote manso
E
pelo campo aboiar?
08
-- No
meu posto de vaqueiro
Não
sou desmoralizado,
Faz
vergonha uma fazenda
Que
tem vaqueiro afamado,
E
não tem um pra deixar
O
poldro domesticado.
Carmelita
nesta hora
Segurou
na sua mão,
Pedindo
por todos os santos:
--
Lucilane não vá não,
Pois
eu não quero te ver
Morto
estirado no chão.
Disse
ele a Carmelita:
--
Medo para mim é manha,
Eu
mostrarei à senhora
Que
triunfo na campanha,
Pois
a vida é como um jogo
Que
se perde ou se ganha.
Na
fazenda se encontrava
Todo
povo reunido,
Dizendo
que o rapaz
Estava
doido varrido,
Os
vaqueiros desejavam
Ver
Lucilane caído.
Um
vaqueiro corpulento
Disse
pra Lane a sorrir:
--
Eu aposto quatro contos
Como
você vai cair,
Se
quiser vamos fechar
Para
eu me divertir.
09
Lucilane
disse: -- Aposto
Na
certeza de ganhar,
Se o
bicho me vencer
E
hoje eu não lhe amansar,
Jogo
o meu gibão no mato
Não
quero mais campear.
Mais
ou menos uma hora
A
montagem começou,
O
poldro vendo o vaqueiro
Estremeceu
e rinchou,
Lucilane
deu um salto
E
dum pulo se montou.
Disse
para o estribeiro:
--
Pode o cabresto cortar,
E
deixe por minha conta
Este
danado pular,
De
cima ele não me tira
Ele
hoje há de cansar.
O
cavalo se viu livre
Quando
o estribeiro cortou,
O
cabresto do mourão
O
bicho desembestou,
Deu
pulos, que um redemoinho
De
poeira levantou.
Carmelita
se valia
De
Deus e Nossa Senhora,
O
povo todo correu
Ficaram
olhando de fora,
E
Lucilane montado
Lhe
furando de espora.
10
Nos
saltos mais perigosos
O
vaqueiro não molgou,
Nisso
o cavalo caiu
E
ligeiro se levantou,
E
Lucilane montado
Na
sela nada tombou.
E o
pátio da fazenda
Ficou
todo escavacado,
Derrubou
uma porteira
E
arrombou um cercado,
E
desembestou no campo
Dentro
do mato fechado.
O
povo seguiu atrás
Já
todo mundo assombrado,
Dizendo
que o cavalo
Já
estava endiabrado,
E o
vaqueiro era um homem
Em
satanás transformado.
Por
fim a cia quebrou-se
E a
sela escapuliu,
Ele
grudou-se no lombo
E de
cima não saiu,
Quebrou-se
rédea e cabresto
Nisso
o cavalo caiu.
Ele
não fez mais ação
Tremendo
e muito cansado,
O
suor correndo em bica
E
Lucilane escanchado,
Porém
não sabia por onde
O
gibão tinha ficado.
11
Pegou
o cavalo e disse:
--
Você hoje se embaraça,
E
fica como um cordeiro
Do
contrário se desgraça,
Vai
bater na caixa-prego
Mas
eu mostro a minha raça.
Aí
trouxeram um cabresto
E
Lucilane botou,
Na
cabeça do cavalo
Que
logo se levantou,
Lhe
passando a mão na crina
Em
osso mesmo montou.
Se
dirigiu para casa
Porém
não quis mais pular,
Bambo
e de cabeça baixa
Que
fazia admirar,
Lane
disse: -- Brevemente
Eu
te ensino a campear.
No
terreiro da fazenda
Deixou
o poldro amarrado,
Brando
e de cabeça baixa
E o
povo acelerado,
Nesta
hora também foi
Por
Carmelita abraçado.
E
depois de muitas palmas
Carmelita
ali falou:
-- O
cavalo agora é seu
Com
muito gosto eu lhe dou,
E
mais três contos de réis
Do
fazendeiro ganhou.
12
Lucilane
ali beijou-lhe
As
mãos tirando o chapéu,
E
disse neste cavalo
Eu
campeio até no céu,
E
por ser de minha estima
Seu
nome será xexéu.
Deste
dia por diante
Lucilane
se achava,
Senhor
de todos vaqueiros
Pois
ali se respeitava,
No
vaqueiro Lucilane
Todo
mundo confiava.
E todo
dia bem cedo
Lucilane
se montava,
No
seu cavalo xexéu
Pelo
campo passeava,
Carmelita
não comia
Enquanto
ele não chegava.
Achava
muito bonito
Ele
aboiar com o gado,
Deixar
o seu coração
Mais
a mais contrariado,
Pois
Lucilane não dava
Sinal
de apaixonado.
Ele
no mato corria
Deitado
em cima da sela,
Se
desviando de espinhos
Unhas
de gato e favela,
Fazendo
versos pensando
Na
beleza da donzela.
13
Seu
cavalo era um relâmpago
Na
pista dum barbatão,
Nunca
encontrou touro brabo
Pra
não botá-lo no chão,
E
dos vaqueiros baianos
Ele
era o campeão.
Porém
um dia na mata
Um
pau pegou-o descuidado,
Deu-lhe
grande bordoada
Lhe
deixando adoentado,
E
Lucilane não pôde
Correr
mais atrás do gado.
Às
vezes não se acostumava
Com
um outro boiadeiro,
O
gado urrava no mato
Com
a falta do vaqueiro,
Até
mesmo a bezerrama
Berrava
com desespero.
E
Carmelita com pena
De
Lucilane chorava,
Fazia
muito remédio
E ao
seu lado se sentava,
Ele
notando ela triste
Por
esta forma exclamava:
--
Porque dona Carmelita
Não foge
desta tristeza?
Parece
uma borboleta
Que
num jardim vive presa,
Já
não parece ser dona
Duma
tão grande beleza!
14
Carmelita
respondia:
--
Beleza não me convém,
Eu
com tanta boniteza
E tu
não me querer bem,
E
esta minha tristeza
È
por ti e mais ninguém.
Lucilane
nesta hora
Sentiu
no peito tocar,
As
centelhas do amor
Sem
poder acreditar,
O
que ela lhe dizia
Então
tornou a falar:
--
Minha jovem Carmelita
Não
deves dizer assim,
Eu
sendo um pobre vaqueiro
Se
atreve a zombar de mim,
Quem
sou eu pra possuir
Esta
rosa em meu jardim?
Ela
disse: -- É impossível
Você
querer me aceitar,
Pois
é querido por todas
As
moças deste lugar,
Embora
desde criança
Eu
comecei a lhe amar.
--Carmelita
eu penso que
Tu
estás me chateando,
Será
que estou dormindo
Com
a senhora sonhando?
Ou
do contrário doente
Com
febre tresvariando?
15
Lucilane
não me negues
E
deixe de caçoada,
Eu
sou tua Carmelita
Que
chora desesperada,
Não
pretendo mais viver
Se
por ti não for amada.
Pelas
razões de ser pobre
É
coisa que não encaro,
Um
homem como o senhor
Na
Bahia é muito raro,
Na
vida de boiadeiro
És o
vaqueiro mais caro.
--O
perigo é só meu pai
Pois
é muito violento,
Deus
me livre dele ouvir
Eu
falar em casamento,
E eu
por ser filha única
Ele
é muito ciumento.
--
Carmelita se me amas
Eu
também te quero bem,
E
creio que não nasci
Pra
ter medo de ninguém,
Da
forma que sou vaqueiro
Serei
brigador também.
Nas
festas de apartação
Vou
te pedir certamente,
E já
sei que esta coisa
Vai
ser muito diferente,
Pois
se o major não der
Vai
se acabar muita gente.
16
Carmelita
nesta hora
Se
abraçou com o rapaz,
Sem
saber que um bandido
Vinha
chegando por trás,
Se
abraçaram e se beijaram
Sem
dar fé do capataz.
O
cangaceiro correu
Com
seu gênio de pantera,
Sabendo
que o major
Ficava
doido deveras,
Sabendo
uma coisa dessa
Passava
da besta-fera.
E
disse: -- Major acorde
Que
o senhor está enrascado,
Pois
eu peguei Lucilane
Com
Carmelita abraçado,
Juntinho
que não passava
Nem
um mosquito ensebado.
Com
esta voz do bandido
Quase
derruba o major,
Que
levantou-se dizendo:
--
Aqui esteve melhor!...
E
saiu para o terreiro
Sentindo
um frio suor.
--Tanto
que eu confiava
Naquele
vaqueiro nobre,
Mas
na raiva que me fez,
O
seu cartaz se encobre,
Pois
não caso Carmelita
Nem
com rico nem com pobre.
17
--Há
tempo eu desconfiava
Já
desta barbaridade,
Porém
fechava meus olhos
Pensando
ser amizade,
De
irmão de criação
Consentia
a liberdade.
--Porém
de amanhã em diante
Ele
vai se endireitar,
Vou
reunir meus capangas
Praquele
cabra pegar,
E
fazer seu casamento
Na
fazenda Quebra-Mar.
Escolheu
ali dez cabras
De
disposto a mais valente,
E
explicou-lhes dizendo:
--
Botem o vaqueiro na frente,
E
digam que é pra pegarem
O
touro lá da vertente.
--Quando
vocês se apearem
Na
fazenda Quebra-Mar,
Botem
nele pra valer
Se
ele se revoltar,
Cortem
a venta e as orelhas
Querendo
podem matar.
E
Lucilane inocente
Viu
falar no Barbatão,
Disse:
-- Hoje eu vou botar
Mais
um garrote no chão,
Sem
saber que ia ser vítima
De
uma horrenda traição.
18
Isto
no mês de novembro
Pela
primeira chuvada,
Reuniu-se
a vaqueirama
De
frente a casa caiada,
Dizendo:
-- Vamos olhar
Se a
rama já está fechada.
Lucilane
não sabia
Que
era uma emboscada,
Saiu
com a voz bonita
Aboiando
uma toada,
E
Carmelita ficando
Mais
a mais apaixonada.
No
ponto determinado
Um
bandido foi dizendo:
--
Então moço Lucilane
O
senhor está querendo,
Se
casar com Carmelita?
Nós
já estamos sabendo.
Lucilane
disse: -- Ora
Quem
manda ela ser boa!
Linda,
cheirosa, atraente
Uma
decente pessoa,
Brevemente
Carmelita
Há
de ser minha patroa.
Disse
o bandido:-- Então pode
Tratar
de se preparar,
Que
depois da confissão
Nós
vamos lhe comungar,
O
patrão mandou a ordem
Que
nós podia os casar.
19
Nesta
voz ele saltou
Nas
garguelas de um bandido,
Pra
começo destampou
O
braço no pé do ouvido,
Saindo
sangue das ventas
Caiu
no chão estendido.
Os
outros partiram em cima
Ele
da faca puxou,
Danou
no bucho de outro
Que
o fato derrubou,
Feijão
com bofe e lombriga
Tudo
estruído ficou.
Partiu
um sujeito feio
Cara
cheia de chuvisco,
A
faca entrou na sangria
Mais
podre do que um cisco,
O
sangue que derramou-se
Dava
pra fazer chouriço.
Partiram
quatro de frente
E
mais dois de cada lado,
Disse
Lane: -- Eu vou mostrar
Que
sou um bicho estrompado,
Ou
pensavam que eu servia
Só
para derrubar gado!
Deu
um salto ali de costas
Os cabras se destacaram,
Bateu
de mão ao revólver
Os
cabras também puxaram,
E os
besouros sem asas
Nesta
hora se assanharam.
20
Os
cangaceiros atiravam
No
moço pra derrubar,
Mas
era difícil a bala
Por
perto dele passar,
Os
poucos que Lane dava
Via
o miolo voar.
Porém
um cabra mandou
Um
besouro meio zangado,
Chicoteou
numa pedra
Como
quem vinha asilado,
Pegou
no chapéu de couro
Deixou
um rombo danado.
Vendo
seu chapéu furado
O
rapaz ficou com pena,
Aí
se fez no revólver
Pior
do que a gangrena,
Com
dez minutos dez homens
Levaram
a gota serena.
E
cinco cabras correram
Deixando
só o rapaz,
Disseram:
-- Este só sendo
Parente
de Ferrabráz,
Ou
então veio do Inferno
Mandado
por satanás.
Ali
avançou seu cavalo
Como
quem ia voando,
Mais
ou menos dois quilômetros
Foi
nos bandidos encostando,
E os
cabras para trás
De
vez em quando atirando.
21
Ele
também atirava
Porém
faltou munição,
Dos
cabras também faltou
Se
danaram em direção,
Da
fazenda e Lane disse:
--
Eu vou pegá-los de mão.
Os
outros se adiantaram
Um
pobre só se atrasou,
E
Lucilane se encostando
Na
sela se equilibrou,
De
um cavalo para o outro
Na
carreira ele pulou.
Na
frente um gritou aos outros:
--
Olhem aquela arrumação,
O
pobre do Chico Preto
Nunca
mais come feijão,
Disseram:
-- Vamos embora
Que
aquilo só sendo o cão!
E
chegaram na fazenda
De
cabelo arrepiados,
Dizendo:
-- Acuda patrão
Que
negócio encalacrado,
Nunca
fui um casamento
Dum
noivo tão desastrado.
É
doido quem quer negócio
Com
aquela infernal serpente,
Já
arrasou quinze homens
Quase
acaba com a gente,
Pega
boi, monta a cavalo
Depois
o peste é valente!
22
Do
cavalo ele pulou
Em
cima do Chico Preto,
Ficou-o
matando de arrocho
Deixando
só o esqueleto,
O
patrão tenha cuidado
Que
a volta dele é espeto.
E a
raiva dele é mais
Porque
furei seu chapéu,
Dum
tiro que lhe mandei
Vem
pior que um tetéu,
E
não tarda a chegar
No
seu cavalo xexéu.
Parece
que ali vem ele
Por
dentro dos tabuleiros,
E o
senhor se aguente
Aí
com seus cangaceiros,
Que
nós três vamos gramar
Por
dentro dos marmeleiros.
O
major disse: -- Danou-se!
Para
o terreiro saiu,
E
entrou de casa adentro
O
chinelo escapuliu,
E o
cinturão quebrou-se
E a
calça também caiu.
O
major disse aos cabras:
--
Eu me confio em vocês,
Pois
quero que matem o cabra
Em
paga do que ele fez,
Quando
ele encostar no pátio
Façam
fogo de uma vez.
23
Carmelita
já sabia
O que
estava acontecendo,
Saiu
em busca da sala
Neste
momento foi vendo,
O
seu pai com uma faca
Voltou
pra dentro correndo.
A
velha correu pra dentro
Disse:
-- Daqui não me mexo,
Danou
a venta na porta
Com
um cachimbo no queixo,
Que
a cabeça e o canudo
Atolou
até o eixo.
Vendo
os cabras entrincheirados
Lucilane
desmontou,
No
pátio da casa grande
Da
cartucheira botou,
Seis
balas no cano longo
Da
casa se aproximou.
Surgindo
o primeiro tiro
Entrincheirou-se
ligeiro,
Numa
pedra grande que havia
Mesmo
no meio do terreiro,
Cada
tiro que ele dava
Desgraçava
um cangaceiro.
Carmelita
vendo a hora
Seu
querido se acabar,
Com
um revólver na mão
Penetrou
até chegar,
Onde
estava Lucilane
E
disse: -- Eu vim te ajudar.
24
Lucilane
vendo a moça
Ficou
mais endiabrado,
E
quando acertava um tiro
Beijava
ela abraçado,
Dizia:
-- Se nos matarem
Morro
contigo agarrado.
Os
outros disseram: -- O diabo
É
quem fica aqui esperando,
Quem
já matou mais de vinte
Nem
está se incomodando,
A gente tão apertado
Ele
acolá se beijando.
Vendo
o major, Lucilane
A
Carmelita beijar,
Cresceu
a ira deveras
Só
faltou estuporar
Mas
só via seus capangas
No
mato abrir e fechar.
O
velho ficando só
Lucilane
da trincheira,
Sorrindo
lhe perguntou:
--
Cadê sua cabroeira,
Porque
o senhor também
Não
embocou na madeira?
O
velho vendo ele vir
Em
direção apontou,
Mas
quando fitou o moço
Um
tremelique atacou,
Faltou
a disposição
A
arma no chão saltou.
25
Disse
o velho a Lucilane:
--
Meu genro pode ficar,
Com
velha fazenda e tudo
Com
a moça pode casar,
Dou
até a minha mãe
Pra
você não me matar.
Disse
a velha: -- Tenha calma
Lucilane
é bom rapaz,
E
abraçou-se com ele
Beijando
e dando cartaz,
Minha
filha tem um marido
Parente
de Ferrabraz.
Disse
Lane: -- Mande ver
Logo
o padre e muita gente,
Que
antes das quatro horas
Quero
voltar novamente,
Vou pegar
o barbatão
Da
fazenda da vertente.
--
Será que inda aguenta?
Perguntou
o velho então,
Disse
Lane: -- O senhor pensa
Que
sou algum moleirão!
Disse
o velho: -- Eu não estou
Mas dizendo
nada, não.
E
disse: -- Mande depressa
Trazer
pra mim um chapéu,
E
mande dar água e banho
No
meu cavalo xexéu,
Que
agora eu vou cantar
A
vaquejada do céu.
26
Depois
seguiu pra vertente
Em
busca do barbatão,
Que
era assombro do povo
De todo
aquele sertão,
E
nunca vaqueiro algum
Se
atreveu botar no chão.
E
aboiando dizia:
--
Vida boa é de vaqueiro,
Casar
com moça bonita
E
filha de fazendeiro,
São
as medalhas do campo
Que
se dá pra boiadeiro.
O
barbatão avistando
Embocou
de mundo a fora,
Mas
o cavalo xexéu
Avançou
na mesma hora,
Disse
Lane: Meladinho
Quero
o bicho sem demora!
E
emburacaram os três
Na
rama da catingueira,
Quem
longe passava ouvia
O
estalar da madeira,
A
terra estava molhada
Mas
levantava poeira.
Subiram
numa chapada
Cavalo,
boi e vaqueiro,
Descambaram
na quebrada
Por
monte e despenhadeiro,
O
moço lhe caqueava
Mas
o bicho era ligeiro.
27
Na
passagem dum grotilhão
O
novilho fracassou,
E
Lane pegou na cauda
E o
cavalo avançou,
Nos três
sopapos que deu
Foi
três vezes que rolou.
E
saltou com violência
E
logo foi mascarando,
Dizendo:
-- Vamos acolá
Que
o povo está te esperando,
Botou
o bicho na frente
Seguiu
atrás aboiando.
E no
aboio dizia:
---
Sou vaqueiro violento,
Pego
o touro pela cauda
Derrubo
com meu talento,
E
amanhã com Carmelita
Eu
me uno em casamento.
Às
oito horas da noite
O
povo todo no terreiro,
Disse
a moça: --Estou ouvindo
O
aboio do vaqueiro,
Disseram:
--Ele é apaixonado
Aboia
com desespero.
Nisso
o vaqueiro chegou
Foi
novamente abraçado,
E
mataram o barbatão
Para
a festa do noivado,
Pra
Lucilane chegava
Homenagem
de todo lado.
28
Disse
o velho a Lucilane:
---
Já que você é poeta,
Portanto
em aboio eu quero
Ouvir
sua história completa,
Em
aboio que regozije
Até alma
de profeta.
A
velha disse ao povo:
--
Agora vamos escutar,
A
história do vaqueiro
Pra
nossa festa animar,
Pois
a coisa mais bonita
É
Lucilane aboiar.
Nesta
hora a multidão
Fez
um silêncio profundo,
Para
ouvir Lucilane
Vaqueiro
melhor do mundo
E a
Vaquejada do Céu
Ele
rompeu num segundo:
--
Quando no mês de Novembro
Pela
primeira chuvada,
Se
reúne a vaqueirama
De
frente a casa caiada,
Vão
olhar o campo vasto
Se a
rama está fechada.
-- O
vaqueiro da fazenda
É
quem se monta primeiro,
No
seu cavalo amarelo
Calçado
e muito ligeiro,
Sai
aboiando e pensando
Na
vida do fazendeiro.
29
---
Do vaqueiro Lucilane
Ninguém
não lhe toma a frente
Porque
o cavalo é bravo
E o
boiadeiro é valente
E da
mão de Carmelita
Ele
é o pretendente.
---
O vaqueiro lá na mata
Se
rola em cima da sela,
Se
desviando de espinhos
Umas
de gato e favela,
Fazendo
versos e pensando
Na
beleza da donzela.
---
Assim o vaqueiro aboia
Êh
pra lá vaca bonita,
No
lugar do teu chocalho
Um
belo laço de fita,
És a
beleza do campo
O
mimo de Carmelita.
--- Na
pega do barbatão
O
vaqueiro violento,
Pega
na cauda do touro
Derruba
com seu talento,
E o
fazendeiro lhe dar
Carmelita
em casamento.
--Pois
eu mostrei para o mundo
Quanto
vale um bom vaqueiro,
Casa
com moça bonita
Filha
de um fazendeiro,
São
as medalhas do campo
Que
se dá pra boiadeiro.
30
-- Quando
o vaqueiro adoece
Bota
seus couros na cama,
O
gado no mato urra
Como
a voz de quem lhe chama,
Na
porteira do curral
Berra
toda bezerrama.
-- Só
peço quando eu morrer
Que
botem no meu caixão
Os
meus trajes de vaqueiro
Chapéu
de couro e gibão
Pra
eu brincar com São Pedro
Nas
festas de apartação.
--Não
se esqueçam de botar
As
esporas e o chapéu,
O
retrato do meu cavalo
Que
sempre chamei xexéu,
Pra
eu brincar com São Pedro
Nas
vaquejadas do Céu.
--
Quero minha sepultura
Lá
no meio do tabuleiro,
Em
cima da minha cova
Coloque
um belo cruzeiro,
Com
alguns sinais de couro
Provando
ser dum vaqueiro.
--E
quando o gado solteiro
A
noite fizer malhada,
Lá
no pé do meu cruzeiro
De
frente a casa caiada,
Urra
o gado em minha cova
Chora
o povo na morada.
31
--Termino
me despedindo
Dos
meus amigos vaqueiros,
Dos
grutilhões das chapadas
Dos
montes, despenhadeiros,
Deixando
um aboio saudoso
P`ras
filhas dos fazendeiros.
Quando
Lane terminou
Todas
as moças choravam,
E os
amigos vaqueiros
Com
os lenços acenavam,
E as
reses no curral
Pelo
vaqueiro urravam.
E
disse pra Carmelita:
--Já
findei minha aventura,
E
agora vamos seguir
Pra nossa
vida futura, 32
Presente
passado é claro
Mais
nossa frente é escura.
Lucilane
foi artista
Com
seu cavalo xexéu,
Carmelita
sua amada
Também
cobriu-se de véu,
E
foi daqui que surgiu
A
vaquejada no céu.
Aqui
meus caros leitores
Meu
romance terminou,
Um
beijo de Carmelita
Desejo
pra quem comprou,
Pra
quem não comprou desejo
Que
de noite leve um beijo
Dos
cabras que ele matou – FIM
José
Edimar
A VIDA
DO CANTADOR
REPENTISTA
DO NORDESTE
No
nordeste do Brasil
Existe
o grande celeiro,
Do
cantador repentista
Que é hoje no mundo inteiro,
Conhecido
e ninguém sabe
Da vida
dum violeiro.
Que o poeta
violeiro
Quando
nasce repentista,
Pra
cantar de improviso
Como
verdadeiro artista,
Torna-se
filho do mundo
Com
liberdade e conquista.
Faz do
verso o canto livre
Que na
sua arte brilha,
Da
viola a melhor arma
A mente
a própria cartilha,
O sonho
vira seu mundo
A
plateia a sua família.
01
Devido
gostar da arte
Da
família é desprezado,
Andando
de mundo a fora
Da
viola, acompanhado,
Tem
respeito pelas ruas
Em casa
é desrespeitado.
O Poeta
cantador
A
família não aceita,
Somente
o apologista
Que na
arte lhe ajeita,
Em casa
nem sua viola
Esposa
e filho respeita.
Do
labor da sua viola
A
família é sustentada,
Responde
pelas despesas
Mantendo
toda parada,
A viola
e o cantador
Pra
família não é nada.
Quando
chega duma viagem
Onde ganhou
muito bem,
A
família lhe recebe
Com o
dinheiro que tem
Depois permanece
em casa
Mas como
não ser ninguém.
02
Sente a
maior alegria
Se um
filho é cantador,
Pra
seguir na mesma arte
Onde
sente tanto amor,
Sendo
assim recompensado
Por ser
tão merecedor.
Já
conheci cantador
Que
depois duma viagem,
Deixa
em casa todo soldo
Sem
guardar nem a bagagem,
Dormir
na chuva e morrer
Sem
ninguém vê sua passagem..
Por
isso tomei coragem
Para
escrever esses versos,
Sobre o
nosso violeiro
Que por
caminhos diversos,
Faz do
universo seu
Porta a
outros universos.
Cantando
sobre perversos
E dos
casos amorosos,
Também
dos corações duros
Dos
espíritos caridosos,
Dos
puros e verdadeiros,
Enganadores
mentirosos.
03
Com
versos miraculosos
Cantando
alegrando vidas,
Por
fazendas e lugarejos
Cidades
e avenidas,
Apontando
as entradas
E mostrando
as saídas.
Na vida
familiar
Não tem
dia especial,
São
João, dia dos pais
Ano
novo ou Natal,
Nem
fala em semana santa
Muito
menos, carnaval.
Muitos
deles não viajam
Ficando
na região,
Assumem
o labor de casa
Trabalhando
feito o cão,
Não
larga porque precisa
Viver
dessa profissão.
Muitos
amam a sua viola
Sem ter
reconhecimento,
Arranja
logo um emprego
Para
manter no sustento,
Fica ela
em segundo plano
Quase
no esquecimento.
04
O
cantador do passado
Foi
chamado preguiçoso,
Malandro
aproveitador
Sujeito
desrespeitoso,
Namorador
sem caráter
Macho
vadio e manhoso.
Até a
própria polícia
Quando na
rua encontrava
Um poeta
cantador
Para a
prisão o levava
Cadeia
por vadiagem
Cantador
sempre pegava.
Porém
tem o cantador
Que
traz baixa qualidade
Não
falo do conteúdo
Que lhe
dar capacidade
Refiro-me
a sua conduta
Quanto
à responsabilidade.
Tem
cantador sem respeito
No
local da cantoria,
Alguns
fugiram da festa
Deixa a cadeira
vazia,
Para
não morrer na peia
Até amanhecer
o dia.
05
Mas em
toda classe existe
Tudo
que ninguém deseja,
Cantador
que é colega
Companheiro
na peleja,
Mas tem
os que tendo chance
Rouba
até o da bandeja.
Digo
assim para mostrar
Que tem
bom e tem ruim,
Teve
Abel, Set e Enoque
Porém
não faltou Caim,
Essa é
a realidade
Em todo
canto é assim.
A maior
dificuldade
Do
cantador do passado,
Sobreviver na profissão
Abandonando
o roçado
Era
cantar e poder
Com ela ser sustentado.
Também
as grandes distâncias
Sem
achar onde cantar
Sair
sem tomar café
E ficar
sem almoçar
Muitas
vezes até dormir
Sem ter
nada pra jantar.
06
Ainda
assim ser feliz
Mesmo
nas dificuldades,
Cantar
dor e alegrias
Falar
de amor e saudades,
Fazer
chorar de emoção
E rir
de felicidades.
Mas o
cantador não gosta
Exercendo
a profissão,
Ter pedido
em cantoria
De
quebrar inspiração,
Concluir
e receber
Menos
que o valor dum pão.
Também
não fica feliz
Quando
canta sem plateia,
Perde
logo a inspiração
Foge da
mente a ideia,
Até
veterano sofre
Muito
mais quem faz estreia.
Porém
quase ninguém ver
Cantador
andar zangado,
Noventa
por cento deles
Nunca
foi mal-humorado,
Exceto
os na profissão
Que vem
cantado forçado.
07
Tem
pessoas já zangadas
Em sua
própria natureza,
Dessas
ninguém está livre
É uma grande
certeza,
Mas é
pequena a parcela
A
maioria é grandeza.
Mazelas
de cantadores
Não são
bases das raízes,
Um ser
dotado por Deus
Vem
trazendo diretrizes,
Pra
sentir felicidades
Fazer
pessoas felizes.
Por
isso estou escrevendo
Para
falar desse astro,
O
cantador repentista
Que tem
viola por mastro,
Tem
raízes no sertão
Ninguém
apaga seu rastro.
Deus
abençoe os Poetas
Dessa
nossa profissão,
Com
mais festas culturais
Aumento
em população,
Com muito
mais cantorias
Na
cidade e no sertão. FIM
08
A
TRISTE SORTE
DE
UMA MERETRIZ
João
Martins de Athayde
Não
se engane com o mundo
Que
o mundo não tem que dar,
Quem
com ele se iludir
Iludido
há de ficar,
Pois
temos visto exemplo
Que
é feliz quem os tomar.
Doze
anos tinha Aulina
O
seu pai era fazendeiro,
Casa
que naquele tempo
Havia
tanto dinheiro,
Muitas
joias de valor
E
crédito no mundo inteiro.
Aulina
eu creio não tinha
Outra
igual na perfeição,
Parece
que a natureza
Carregou
mais nela a mão,
Pois
nela via se a força
Do
autor da criação.
Os
olhos dela fingiam
Raios
do sol da manhã,
O
rosto bem regular
Corada
como romã,
Parecia
que as estrelas
Queriam
chama-la irmã.
Os
dedos alvos e finos
Qual teclados de piano,
Quem
a visse só diria
Que
não era corpo humano,
Parecia
ser propósito
Do
divino Soberano.
01
Porém
tinha tanto orgulho
Que
nem os pais conhecia,
Se julgava saliente
A
todo mundo que via,
Julgando
que todo mundo
A
ela se curvaria.
Quando
inteirou vinte anos
Por
si se prostituiu,
O
pai quase que enlouquece
Com
o desgosto que sentiu,
Porque
em toda família
Um
caso assim nunca viu.
Logo
que caiu no mundo
Por
todos foi abraçada,
Por
as mais altas pessoas
Era
sempre visitada,
Por
fidalgos e militares
Por
todos era adorada.
Recebeu
logo um presente
Dum
palacete importante,
Com
uma mobília sublime
Dada
pelo seu amante,
A
obra de mais estima
A
quem se acha elegante.
Para
a sala de visita
Comprou
um rico piano,
Quatro
consolos de mármore
Um
aparador de ébano,
Uma
cômoda muito rica
Que
só a de um soberano.
02
Ricas
cadeiras modernas
Candeeiros
importantes,
Jarros
de fino cristal
Espelhos
muito elegantes,
O
retrato dela num quadro
Com
quatro ou cinco brilhantes.
Um
grande damasco verde
A
sala toda cobria,
Toalhas
bordada a ouro
Em
qualquer quarto se via,
Era
só de porcelana
Toda
louça que existia.
Nem
é preciso falar
No
quarto que ela dormia,
Porque
já se viu nas salas
A
riqueza que existia,
Agora
na cama dela
Faça
ideia no que havia.
Durante
cinco ou seis anos
A
vida dela era assim,
A
casa era um céu de estrelas
Rodeada
de marfim,
Vivia
ela como vive
Um
beija flor no jardim.
Adoeceu
de repente
E
não cuidou em tratar-se,
Julgando
que dos amantes
Nenhum
a desamparasse,
Devido
a sua influencia
Qualquer
um amparasse.
03
Foi
contrário o seu cálculo
A si
só chegaram dores,
Foi
perdendo a influência
Multiplicando
os clamores,
Não
foi mais a sua casa
Nenhum
dos adoradores.
Pegou
logo a empenhar
As
joias que possuía,
Por
menos de seu valor
Diversas coisas vendia,
A
moléstia no seu auge
Crescendo
dia após dia.
No
período de dois anos
Gastou
o que possuía,
Pegou
logo pelas joias
De
mais valor que existia,
Sofás,
cadeiras e consoles
Vendeu
tudo em um só dia.
Os
quadros os aparadores
Piano,
relógio espelhos,
Vendeu-os
para curar
Duas
fístulas nos joelhos,
Já
desejava encontrar
Quem
lhe desse uns conselhos.
Afinal
vendeu a casa
E a
cama onde dormia,
Era
o único objeto
Que
em seu poder existia,
Ainda
um amante vendo
Jamais
a conheceria.
04
Meu
Deus! Exclama ela
É
infeliz o meu futuro,
Nasci
em berço dourado
Para
morrer no monturo,
Quanta
diferença existe
Da
seda para o chão duro.
Quantos
lordes em meus braços
Se
esqueciam dos seus cargos,
Me
adorava como santa
Me
mostrando mil afagos,
Hoje
não vejo ninguém
Nestes
dias tão amargos.
Cadê
os grandes militares
Que
não podiam passar,
Três
dias numa semana
Sem
virem me visitar,
E
faziam de mim santa
De
meu divã um altar.
Nada
disso existe mais
Tudo
já se dissipou,
As
promessas e os presentes
O
vento veio e levou,
Em
paga de tudo isso
Na
miséria me deixou.
Essas
dores que hoje sofro
É
justo que sofra elas,
Essas
lágrimas que derramo
Serão
em paga daquelas,
Que
fiz gotejar dos olhos
Das
casadas e das donzelas.
05
Sinto
dores com excesso
Ouço
a voz da consciência,
Me
dizer: -- Filha maldita
Tua
desobediência,
Clamará
perante Deus
E
pedirá providência.
Ela
em soluço exclamava
Meu
Deus! tende compaixão,
Negue-me
tudo na vida
Mas
me alcançai o perdão,
Santíssima
Virgem rogai
Pela
minha salvação.
Que
cobertores tão caro
Já
forraram o meu colchão,
Que
cortinados de seda
De
causar admiração,
Hoje
não tenho uma estopa
Que
forre aqui esse chão.
Ricos
vestidos de seda
Lancei
muitos no monturo,
Saias
ainda em estado
Camisas
de linho puro,
Não
pensava na desgraça
Que
vinha para o futuro.
Minha
mesa nesse tempo
Tinha
de tudo que havia,
Só
mesa de um personagem
De
alta categoria,
Hoje
o resto de uma sopa
Quando
agora me servia.
06
Peço
esmola a quem passa
Esse
nem me dar ouvido,
Quem
outrora me admirava
Não
ouve mais meu gemido,
Passa
por mim torce a cara
Se
finge desconhecido.
Eu
era como uma flor
Ao
despontar da manhã,
Representava
a aurora
Aquela
deusa louçã,
Meu
amantes perguntavam
Se a
lua era minha irmã.
As
majestades chegavam
Antes
da celebração,
Humildes
como um escravo
Me
faziam saudação,
Como
se a render-me culto
Seria
uma obrigação.
O
exército e o comércio
A
arte e agricultura,
Todos
me ofereciam
Seu
afeto de ternura,
Tudo
vinha admirar
Minha
grande formosura.
Mas
eu vivia enganada
Com
estas tristes carícias,
Eu
bem podia saber
Que
o mundo não tem delicias,
É um
gozo provisório
E um
cofre de malicias
07
Donzelas
eis o exemplo
Para
todos que estão vendo,
Não
me viram há poucos dias
Como
o sol que vem nascendo,
Já
estou aqui no chão
Os
tapurús me comendo.
Ah
meu pai se tu me visse
Nessa
miséria prostrada,
Embora
que vossa face
Foi
por mim injuriada,
Talvez
que ainda dissesse
Deus
te perdoe desgraçada.
Ah
minha mãe carinhosa
Se
agora eu te abraçasse,
Inda
com essa agonia
Talvez
que me consolasse,
E
antes de partir do mundo
Essa
sede saciasse.
Sinto
o soluço da morte
Já é
hora de partir,
Peço
ao meu anjo da guarda
Para
comigo assistir,
Porque
temo que o demônio
Não
venha me perseguir.
Uma
velha caridosa
Trouxe
água ela bebeu,
Matou
a sede que tinha
Graças
a Jesus rendeu,
Erguendo
os olhos ao céu
Nesse
momento morreu. FIM
08
Nenhum comentário:
Postar um comentário