quinta-feira, 6 de junho de 2013

FOLHETOS DE CORDEL - PASTA 2


















Peleja de Pinto com Milanês
Severino Milanês da Silva
Milanês estava cantando
em vitória de Santo Antão
chegou Severino Pinto
nessa mesma ocasião
em casa de um marchante
travaram uma discussão.
M - Pinto, você veio aqui
se acabar no desespero
eu quero cortar-lhe a crista
desmantelar seu poleiro
aonde tem galo velho
pinto não canta em terreiro
P - mas comigo é diferente
eu sou um pinto graúdo
arranco esporão de galo
ele corre e fica mudo
deixa as galinhas sem dono
eu tomo conta de tudo
M - Para um pinto é bastante
um banho de água quente
um gavião na cabeça
uma raposa na frente
um maracajá atrás
não há pinto que agüente
P - Da raposa eu tiro o couro
de mim não se aproxima
o maracajá se esconde
o gavião desanima
do dono faço poleiro
durmo, canto e choco em cima.
M - Pinto, cantador de fora
aqui não terá partido
tem que ser obediente
cortês e bem resumido
ou rende-me obediência
ou então é destruído
P - Meu passeio nesta terra
foi acabar sua fama
derribar a sua casa
quebrar-lhe as varas da cama
deixar os cacos na rua
você dormindo na lama
M - Quando vier se confessar
deixe em casa uma quantia
encomende o ataúde
e avise a feguezia
que é para ouvir a sua
missa do sétimo dia
P - Ainda eu estando doente
com uma asa quebrada
o bico todo rombudo
e a titela pelada
aonde eu estiver cantando
você não toma chegada
M - O pinto que eu pegar
faço e não prometo
vindo grande sai pequeno
chegando branco sai preto
sendo de aço eu envergo
sendo de ferro eu derreto
P - No dia que eu tenho raiva
o vento sente um cansaço
o dia perde a beleza
a lua perde o espaço
o sol transforma-se em gelo
cai de pedaço em pedaço
M - No dia que dou um grito
estremece o ocidente
o globo fica parado
o fruto não dá semente
a terra foge do eixo
o sol deixa de ser quente
P - Eu sou um pinto de raça
o bico é como marreta
onde bate quebra osso
sai felpa que dá palheta
abre buraco na carne
que dá pra fazer gaveta
M - Eu pego um pinto de raça
e amolo uma faquinha
faço um trabalho com ele
depois pesponto com linha
ele vivendo cem anos
não vai perto de galinha
P - Milanês, você comigo
desaparece ligeiro
eu chego lá tiro raça
me aposso do poleiro
e você dorme no mato
sem poder vir no terreiro
M - Pinto, agora nós vamos
cantar em literatura
eu quero experimentá-lo
hoje aqui em toda altura
você pode ganhar esta
porém com grande amargura
P - pergunte o que tem vontade
não desespere da fé
do oceano, rio e golfo
estreito, lago ou maré
hoje você vai saber
pinto cantando quem é
M - Pinto, você me responda
de pensamento profundo
sem titubear na fala
num minuto ou num segundo
se leu me diga qual foi
a primeira invenção do mundo
P - Respondo porque conheço
vou dar-lhe minha notícia
foi o quadrante solar
pelo povo da Fenícia
os babilônios também
gozaram a mesma delícia
M - Como você respondeu-me
não merece disciplina
hoje aqui não há padrinho
que revogue a sua sina
se você souber me diga
quem inventou a vacina?
P - Não pense que com pergunta
enrasca a mim, Milanês
foi a vacina inventada
no ano noventa e seis
quem estuda bem conhece
que foi Jener Escocês
M - Sua resposta foi boa
de vocação verdadeira
mas queira Deus o colega
suba agora essa ladeira
me diga quem inventou
o relógio de algibeira?
P - No ano mil e quinhentos
Pedro Hélio com façanha
em Nuremberg inventou
essa obra tão estranha
cidade da Baviera
que pertence a Alemanha
M - Pinto, cantando não gosto
de amigo nem camarada
se conhece a história
Roma onde foi fundada?
o nome do fundador
e a data comemorada?
P - Em 7 e 53
antes de Cristo chegar
nas margens do Rio Tibre
isso eu posso lhe provar
Rômulo ali fundou Roma
a 15 milhas do mar
M - Pinto, eu na poesia
quero mostrar-lhe quem sou
relativo o avião
perguntando ainda vou
diga o primeiro balão
quem foi que inventou?
P - Em mil seiscentos e nove
Bartolomeu de Gusmão
no dia oito de agosto
fez o primeiro balão
hoje no mundo moderno
chama-se o mesmo avião
M - Pinto estou satisfeito
já de você eu não zombo
mas não pense que com isto
atira terra no lombo
disponha de Milanês
pra ver se ele agüenta o tombo
P - Milanês, você comigo
ou canta ou perde o valor
você me responda agora
seja que de forma for
de quem foi a invenção
do primeiro barco a vapor?
M - Eu quero lhe explicar
digo não muito ruim
a 16 a 87
você não desmente a mim
o inventor desse barco
foi o sábio Diniz Papim
P - Em que ano inaugurou-se
da Europa ao Brasil
a linha pra esse barco
a vapor e mercantil?
Se não souber dê o fora
vá soprar em um funil
M - Foi um navio inglês
que levantou a bandeira
em 18 a 51
veio a terra brasileira
sendo a nove de janeiro
fez a viagem primeira
P - E qual foi a 1a guerra
feita a barco a vapor?
Você ou diz ou apanha
da surra muda de cor
quebra a viola e deserta
nunca mais é cantador
M - Em l8 e 65
a esquadra brasileira
dentro do Riachuelo
içou a sua bandeira
na guerra do Paraguai
foi a batalha primeira
P - Milanês, você comigo
ou canta muito ou emperra
não pode se defender
salta, pula, chora e berra
qual foi a primeira estrada
de ferro, na nossa terra?
M - Foi quando Pedro II
tinha aqui poderes mil
em 18 e 54
no dia trinta de abril
inaugurou-se em Mauá
a primeira do Brasil
P - Milanês, você é fraco
não agüenta o desafio
eu ainda estou zombando
porque estou de sangue frio
me diga quem inventou
o telégrafo sem fio?
M - Pinto, você não pense
que meu barco vai a pique
em mil seiscentos e oito
na cidade de Munique
Suemering inventou
este aparelho tão chique
P - Eu já vi que Milanês
não responde cousa à toa
se ainda quiser cantar
hoje um de nós desacoa
puxe por mim que vai ver
um pinto de raça boa
M - Pinto, o seu pensamento
pra todo lado manobra
mas eu não conheço medo
barulho pra mim não sobra
é fogo queimando fogo
é cobra engolindo cobra
P - Do pessoal do salão
levantou-se um cavalheiro
dizendo: quero que cantem
pelo seguinte roteiro
Milanês pergunta a Pinto
como passa sem dinheiro
M - Oh! Pinto, você precisa
dum palitó jaquetão
uma manta, um cinturão
uma calça, uma camisa
está de algibeira lisa
não encontra um cavalheiro
que forneça ao companheiro
pra fazer-lhe um beneficio
olhe aí o precipício
como compra sem dinheiro?
P - Eu recomendo a mulher
que compre na prestação
um palitó jaquetão
a camisa se tiver
quando o cobrador vier
ela esteja no terreiro
eu fico no fogareiro
pelo oitão vou furando
ele ali fica esperando
assim compro sem dinheiro
M - Você em uma cidade
precisa de refeição
porém não tem um tostão
que mate a necessidade
ali não há caridade
na casa do hoteleiro
só encontra desespero
fala e ninguém lhe atende
fiado ninguém lhe vende
como come sem dinheiro?
P - Eu levo um carrapato
guardado dentro do bolso
vou no hotel peço almoço
no fim boto ele no prato
faço logo um desacato
chamo o garçon ligeiro
ele me diz: cavalheiro
cale a boca, vá embora;
saio por ali a fora
assim como sem dinheiro
M - Você precisa casar
para ser pai de família
precisa roupa e mobília
cama para se deitar
você não pode comprar
cadeira nem petisqueiro
atoalhado estrangeiro
mesa para refeição
você não tem um tostão
como casa sem dinheiro?
P - Se a moça amar-me enfim
me tendo amor e firmeza
não especula riqueza
nem diz que eu sou ruim
ela ontem disse a mim:
eu quero é um cavalheiro
e você é o primeiro
para ser meu defensor
quero é gozar teu amor
e assim caso sem dinheiro
M - Você depois de casado
sua esposa cai doente
você não tem um parente
que lhe empreste 1 cruzado
ver seu anjo idolatrado
gemendo sem paradeiro
olhe aí o desespero
na porta do camarada
só ver pobreza e mais nada
como cura sem dinheiro?
P - Eu boto-a nos hospitais
do governo do estado
pra quem está necessitado
aquilo serve demais
as irmãs especiais
chamam logo o enfermeiro:
— Vamos com isto ligeiro
tratam com mais brevidade;
se interna na caridade
assim curo sem dinheiro
M - Oh! Pinto, camaradinha
você precisa ir à feira
para comprar macaxeira
arroz, batata e farinha
bacalhau, charque e sardinha
tomate, vinho e tempero
gás, açúcar e candeeiro
biscoito, chá, macarrão
bolacha, manteiga e pão
Como compra sem dinheiro?
P - Eu dou um jeito no pé
envergo um dedo da mão
um dali dá-me um pão
outro dá-me um café
à tarde vou à maré
espero ali o peixeiro
ele é hospitaleiro
humanitário e carola
dá-me um peixe por esmola
e assim como sem dinheiro
M - Com este verso do Pinto
encheu de riso o salão
houve uma recepção
naquele nobre recinto
ergueu-se um rapaz distinto
com frase meiga e bela
disse: mudem de tabela
pra uma idéia mais grata:
nem a polícia me empata
de chorar na cova dela
P - Eu tive uma namorada
bonita igual Madalena
parecia uma verbena
pela manhã orvalhada
a morte tomou chegada
matou a minha donzela
quando sepultaram ela
quase a tristeza me mata
nem a polícia me empata
eu chorar na cova dela
M - Eu amei uma criatura
ela o coração me deu
na minha ausência morreu
eu sofri muita amargura
fui à sua sepultura
para abraçar-me com ela
ainda via a capela
toda bordada de prata
nem a polícia me empata
eu chorar na cova dela
M - Um dia um amigo meu,
disse com toda bravura
deixe de sua loucura
se esqueça de quem morreu
uma desapareceu
Procure outra donzela;
eu disse: igualmente aquela
não existe nesta data
nem a polícia me empata
eu chorar na cova dela
P - Desperto de madrugada
o sono desaparece
me levanto e faço prece
na cova de minha amada
volto pela mesma estrada
com o pensamento nela
quando eu não avisto ela
vou dormir dentro da mata
nem a polícia me empata
eu chorar na cova dela
M - Caros apreciadores
qualquer que analisou
nem Pinto saiu vaiado
nem Milanês apanhou
vamos esperar por outra
que esta aqui terminou
            F  I  M


















A mulher que deu tabaco 
na presença do marido

Gonçalo Ferreira da Silva
Quem perde o tempo no mundo
Só com conversa fiada
Bota falta em todo mundo,
Não nota virtude em nada
Se acaso engolisse a língua
Morreria envenenada. 
Às vezes contam estória
Que nem sequer faz sentido
Que no dia de São Nunca
Talvez tenha acontecido
Da mulher que deu tabaco
Na presença do marido. 
Dona Juca era dotada
De perfumado sovaco,
E quem ferisse uma perna
Numa queda ou num buraco
Ela curava a ferida
Com o seu próprio tabaco.
Quando ela via uma
Desventurada pessoa
Horrivelmente gripada
Soltando espirros à toa
Dava o tabaco e aquela
Enferma ficava boa. 
Seu marido Mororó
Dizia: - Você me insulta,
Quanto mais dá seu tabaco
Mais a multidão se avulta
Assim, ou para com isso
Ou eu vou cobrar consulta.
Mas Dona Juca dizia:
- Essa bobagem não faça,
Quando eu tenho algumas pratas
Você bebe de cachaça
Cobre pelo seu trabalho
Meu tabaco eu dou de graça.
Pau da vida, Mororó
Respondeu: - Aqui ninguém
Vai mais pedir seu tabaco
Pois pra mim não pega bem
Quem pedir o seu tabaco
Você diga que não tem. 
Porém como aquilo tinha
Que acontecer um dia
Quanto mais passava o tempo
Mais a multidão crescia
Procurando a Dona Juca
Em magistral romaria. 
Pra mostrar que Dona Juca
Tinha mesmo grande prova
Basta dizer que uma velha
Já com os dois pés na cova
Foi visitar Dona Juca
Pra pedir pra ficar nova.
Dizia a velha aos presentes
- Não pensem que sou maluca
sou velha porém não tenho
qualquer problema na cuca
tenho fé no milagroso
tabaco da Dona Juca. 
E disse mais a velhinha:
-Todo mundo tem fé nela
não há esse que não queira
ao menos sonhar com ela
pedir pra sentir o cheiro
que tem o tabaco dela.
Conselhos de medicina
Da nossa grande nação
Pediram que o governo
Procedesse intervenção
De Juca o curandeirismo
A pronta proibição.
A população local
Lançou logo um manifesto
E contra a proibição
Uma nota de protesto
Achando que o conselheiro
Devia ser mais modesto.
A imprensa curiosa
Rádio, TVs e Jornais,
Volantes de reportagens,
As emissoras locais
Mandaram à casa de Juca
Os seus profissionais.
Muitas pessoas movidas
Por humanos sentimentos
Na casa de Dona Juca
Armaram acampamentos
Assistindo a cobertura
De tais acontecimentos.
E os poetas distantes
Da vigilância do rapa
Faziam suas propagandas
Enquanto bebiam garapa
Exibindo seus folhetos
Com Dono Juca na capa.
Numa bengala escorado
Um doente entrou na sala
Quando cheirou o tabaco
Readquiriu a fala
Pra provar que ficou bom
Rebolou fora a bengala.
Contente da vida, ele
Por ter salvo a sua vida
Graças ao santo tabaco
Da Dona Juca querida
E esta era por todos
Sinceramente aplaudida.
Nunca a fama de um vivente
Depressa se espalhou tanto
Nos quatro cantos do mundo
O seu nome em cada canto
Desfrutava do respeito
Do mais milagroso santo.
Quando nem a medicina
Dava esperança sequer
Ao enfermo, ele inda tinha
Uma fezinha qualquer
No tabaco milagroso
Daquela santa mulher.
E a própria natureza
Como que para testar
O poder que possuia
O tabaco de curar
Fez aparecer doenças
Muito estranhas no lugar.
Por exemplo na cabeça
Dum sujeito ainda moço
Apareceu certo dia
Uma espécie de caroço
Um par de colossais chifres
Um mais fino, outro mais grosso.
O rapaz, secretamente,
Foi ao lar de Dona Juca
E disse: - Um dia eu senti
Na testa uma dor maluca
Depois nasceu esses troços
No alto da minha cuca.
Dona Juca disse: - O meu
Tabaco pode curar
Porém a sua mulher
Terá que colaborar
Pois do jeito que ela faz
Nem adianta tentar.
Este negócio de chifre
Não é um costume novo
Eu esfrego meu tabaco,
Ela pede fumo ao povo,
Eu sei que existe a chuva
Porém eu mesmo não chovo.
O rapaz chegando em casa
Disse pra Conceição:
-O milagroso tabaco
me tira desta aflição
no entanto é necessário
sua colaboração.
Conceição disse assustada:
-Colaborar? Como assim?
Não dê mais o seu tabaco
Não seja assim tão ruim...
É você dando o tabaco
E nascendo chifre em mim.
Aí Conceição cortou
Os males pelas raízes
E o pobre rapaz dos chifres
Também superou as crises
Viveram oitenta anos
Extremamente felizes.
Dona Juca recebeu
Parabéns do Doutor Zeca
Que fizera experiência
Com sua própria cueca
E não conseguiu nascer
Cabelo em sua careca.
Passando a careca
No tabaco prodigioso
Ficou cabeludo e Zeca
Se tornou em fervoroso
Romeiro de Santa Juca
Do tabaco milagroso. 
      F  I  M

Camisinhas para todos
José João dos Santos
(Mestre Azulão)
AIDS é uma moléstia
De temeridade imensa
Você vê televisão?
Ouve rádio, lê imprensa?
Não fique aí de joelhos
Tome logo meus conselhos
Para evitar a doença
AIDS não pega no beijo
Nem num aperto de mão
É transmitida no sangue
Através da transfusão
Ou na extração de dente
Se usar de um doente
A agulha da injeção
Criança também tem AIDS
Transmitida pelos pais
Vítimas duma transfusão
Ou farras e bacanais
Mata, avião, trem e carro
Apesar que o cigarro
Está matando muito mais
Você tem uma mulher
Formosa igualmente Lua
Porém não se satisfaz
Ainda quer mulher da rua
Ou transa com a vizinha
Use uma camisinha
Pra não transmitir pra sua
Amantes e namorados
Ouçam bem o que lhes digo
Podem beijar, abraçar,
Chupar da cara ao umbigo
Seja fêmea, seja macho
Só do umbigo pra baixo
É que começa o perigo
Até mesmo os astronautas
Que conheceram grande parte
do Cosmo, em viagem a lua
Mostrando façanha e arte
Viram planetas pequenos,
Usam camisa de Vênus
Antes de chegarem à Marte
Um fazendeiro baiano
Que mora em Alagoinhas
Quando leu pelos jornais
Comprou dez mil camisinhas
Até pra bois e cavalos
Principalmente pros galos
Que transam com mil galinhas
Esse também tem um jegue
Reprodutor violento
E está preocupado
Com a vida do jumento
Vai fazer o jegue usar
Camisa, pra não pegar
AIDS a qualquer momento
Uma garota me disse
Porém me pediu um segredo
Que apesar de donzela
Da AIDS tem muito medo
Vai comprar a camisinha
Pra quando ficar sozinha
Usar na ponta do dedo
Se não criarem uma droga
Que salva a humanidade
A AIDS vai provocar
Uma grande mortandade
Pior que a segunda guerra
De todos os povos da terra
Vai morrer mais da metade
Quando aproximar-se o fim
Diz a sagrada escritura
Vem a desobediência
Guerra, nudez e loucura
O povo em Deus perde a crença
E aparecerá a doença
Que a medicina não cura
O povo está corrompido
No tóxico, sexo, no vício
Ódio, maldade e ganância
Gerando guerra e suplício
O mundo está num vulcão
Com toda população
Na beira do precipício
Satanás plantou no mundo
Sua semente do mal
Inventando toda espécie
de vício sexual
Vem aí por recompensa
Desconhecida doença
Pra destruição total
Não adianta conselho
De pastor, Papo de Roma
Essa geração perdida
Ouve o conselho e não toma
Essa gente corrompida
Vai ser toda destruída
Como o povo de Sodoma
Somente imoralidade
Toma corpo e continua
Mulher de bunda de fora
Na televisão, na rua,
Não existe mais pudor
Pra esses só tem valor
Pederasta e mulher nua
Os nossos filhos não podem
Assistir televisão
Porque em todos canais
Só tem esculhambação
Casal nu e cena louca
Chupando a língua e a boca
Ensinando a perdição
A televisão foi feita
Pra nos mostrar coisa pura
Ensinar aos nossos filhos
Patriotismo e cultura
Porém da roça e a cidade
Só mostra imoralidade
Livre de toda censura
Devassidão, crime e roubo
Televisão tudo tem
Trazidas pelas imagens
Que pros nosso lares vêm
Violência em todo estilo
A criança vê aquilo
Depois vai fazer também
Ensina moça andar nua
Mulher trair o marido
Garota aprender o sexo
Garoto virar bandido
Nessa transação imensa
De crime, tóxico e doença
Deixou o mundo perdido
Deus lá de cima está vendo
Na terra tanta maldade
Permite que aconteça
Uma grande mortandade
Pra esse povo perdido
Devassado e corrompido
Se acabar mais da metade
Está aí o exemplo
Da AIDS com seu efeito
Se espalhando no mundo
Matando a torto e a direito
Diz o rádio e a imprensa
Que essa infernal doença
Não há médico que dê jeito
Os maiores cientistas
Estão tentando descobrir
Um remédio para a AIDS
Parar ou diminuir
Mil esforços estão fazendo
E cada estão vendo
A doença progredir
Testes com milhões de plantas
Fazem nos laboratórios
Sangue e peles de animais
Mas são testes provisórios
Depois de analisados
Não acharam resultados
De cunhos satisfatórios
Estão firmes no propósito
De descobrir num segundo
Uma droga positiva
Que tenha efeito profundo
Enquanto não acontece
A AIDS se estende e cresce
Por toda parte do mundo
E o número de doentes
Todo o dia está crescendo
Uns andando pela rua
Uns em coma, outros morrendo
Por aí tem muita gente
Que está em casa doente
De AIDS e nem está sabendo
Quem é rico gasta muito
Pra mais uns dias viver
Tomando remédios caros
Mas o pobre sem poder
Fica gemendo e chorando
Lá numa cama esperando
Só a hora de morrer
Se descobrirem um remédio
Que cure com resultado
Quem compra é capitalista
Milionário e potentado
Só cura o doente nobre
E o miserável do pobre
Tem é que morrer lascado
É como diz a piada
Do humorista jocoso
Na terra vale quem tem
Por ser rico e poderoso
E diz quando se sacode
Rico vive porque pode
Pobre vive de teimoso
Já dei minha opinião
Ao leitor que me entender
Zombar de ninguém não quero
Uma coisa eu quis dizer
Lembre meu leitor amado
Aquele velho ditado
O pobre vem pra sofrer
        F  I  M


Um folheto de João Martins de Athayde
AS PROEZAS DE JOÃO GRILO




João Grilo foi um cristão
que nasceu antes do dia
criou-se sem formosura
mas tinha sabedoria
e morreu depois da hora
pelas artes que fazia.

E nasceu de sete meses
chorou no bucho da mãe
quando ela pegou um gato
ele gritou: não me arranhe
não jogue neste animal
que talvez você não ganhe.

Na noite que João nasceu
houve um eclipse na lua
e detonou um vulcão
que ainda continua
naquela noite correu
um lobisomem na rua.

Porém João Grilo criou-se
pequeno, magro e sambudo
as pernas tortas e finas
e boca grande e beiçudo
no sítio onde morava
dava notícia de tudo.

João perdeu o seu pai
com sete anos de idade
morava perto de um rio
Ia pescar toda tarde
um dia fez uma cena
que admirou a cidade.

O rio estava de nado
vinha um vaqueiro de fora
perguntou: dará passagem?
João Grilo disse: inda agora
o gadinho do meu pai
passou com o lombo de fora.

O vaqueiro bota o cavalo
com uma braça deu nado
foi sair já muito embaixo
quase que morre afogado
voltou e disse ao menino:
você é um desgraçado.

João Grilo foi ver o gado
pra provar aquele ato
veio trazendo na frente
um bom rebanho de pato
os pássaros passaram n’água
João provou que era exato.

Um dia a mãe de João Grilo
foi buscar água à tardinha
deixando João Grilo em casa
e quando deu fé, lá vinha
um padre pedindo água
nessa ocasião não tinha.

João disse; só tem garapa;
disse o padre; donde é?
João Grilo lhe respondeu;
é do engenho catolé;
disse o padre: pois eu quero;
João levou uma coité.

O padre bebeu e disse:
oh! que garapa boa!
João Grilo disse: quer mais?
o padre disse: e a patroa
não brigará com você?
João disse: tem uma canoa.

João trouxe uma coité
naquele mesmo momento
disse ao padre: beba mais
não precisa acanhamento
na garapa tinha um rato
tava podre e fedorento.

O padre disse: menino
tenha mais educação
e por que não me disseste?
oh! natureza do cão!
pegou a dita coité
arrebentou-a no chão.

João Grilo disse: danou-se!
misericórdia, São Bento!
com isto mamãe se dana
me pague mil e quinhentos
essa coité, seu vigário,
é de mamãe mijar dentro!

O padre deu uma popa
disse para o sacristão:
esse menino é o diabo
em figura de cristão!
meteu o dedo na goela
quase vomita um pulmão.

João Grilo ficou sorrindo
pela cilada que fez
dizendo: vou confessar-me
no dia sete do mês
ele nunca confessou-se
foi essa a primeira vez.

João Grilo tinha um costume
pra toda parte que ia
era alegre e satisfeito
no convívio de alegria
João Grilo fazia graça
que todo mundo sorria.

Num dia de sexta-feira
às cinco horas da tarde
João Grilo disse: hoje à noite
eu assombro aquele padre
se ele não perdoar-me
na igreja há novidade.

pegou uma lagartixa
amarrou pelo gogó
botou-a numa caixinha
no bolso do paletó
foi confessar-se João Grilo
com paciência de Jó.

Às sete horas da noite
foi ao confessionário
fez logo o pelo sinal
posto nos pés do vigário
o padre disse: acuse-se;
João disse o necessário.

Eu sou aquele menino
da garapa e do coité;
o padre disse: levante-se
que já sei você quem é;
João tirou a lagartixa
Soltou-a junto do pé.

A lagartixa subiu
por debaixo da batina
entrou na perna da calça
tornou-se feia a buzina
o padre meteu os pés
arrebentou a cortina.

Jogou a batina fora
naquela grande fadiga
a lagartixa cascuda
arranhando na barriga
João Grilo de lá gritava:
Seu padre, Deus lhe castiga!

O padre impaciente
naquele turututu
saltava pra todo lado
que parecia um timbu
terminou tirando as calças
ficou o esqueleto nu.

João disse: padre é homem
pensei que fosse mulher
anda vestido de saia
não casa porque não quer
isso é que é ser caviloso
cara de matar bebê.

O padre disse João Grilo
vai-te daqui infeliz!
João Grilo disse bravo
ao vigário da matriz:
é assim que ele me paga
o benefício que fiz?

João Grilo foi embora
o padre ficou zangado
João Grilo disse: ora sebo
eu não aliso croado
vou vingar-me duma raiva
que eu tive ano passado.

No subúrbio da cidade
morava um português
vivia de vender ovos
justamente nesse mês
denunciou de João Grilo
pelas artes que ele fez.

João encontrou o português
com a égua carregada
com duas caixas de ovos
João disse-lhe: oh camarada
quero dizer à tua égua
Uma pequena charada.

o português disse: diga;
João chegou bem no ouvido
com a ponta do cigarro
soltou-a dentro escondido
a égua meteu os pés
foi temeroso estampido.

derrubou o português
foi ovos pra todo lado
arrebentou a cangalha
ficou o chão ensopado
o português levantou-se
tristonho e todo melado.

O português perguntou
que foi que tu disseste
que causou tanto desgosto
a este animal agreste?
- Eu disse que a mãe morreu;
o português respondeu:
Oh égua besta da peste!

João Grilo foi à escola
com sete anos de idade
com dez anos ele saiu
por espontânea vontade
todos perdiam pra ele
outro Grilo como aquele
perdeu-se a propriedade.

João Grilo em qualquer escola
chamava o povo atenção
passava quinau nos mestres
nunca faltou com a lição
era um tipo inteligente
no futuro e no presente
João dava interpretação.

um dia perguntou ao mestre:
o que é que Deus não vê
o homem vê a qualquer hora
disse ele: não pode ser
pois Deus vê tudo no mundo
em menos de um segundo
de tudo pode saber.

João Grilo disse: qual nada
que dê os elementos seus?
abra os olhos, mestre velho
que vou lhe mostrar os meus
seus estudos se consomem
um homem vê outro homem
só Deus não vê outro Deus.

João Grilo disse: seu mestre
me diga como se chama
a mãe de todas as mães
tenha cuidado no drama
o mestre coça a cabeça
disse: antes que me esqueça
vou resolver o programa.

- A mãe de todas as mães
é Maria Concebida;
João Grilo disse: eu protesto
antes dela ser nascida
já esta mãe existia
não foi a Virgem Maria
oh! que resposta perdida.

João Grilo disse depois
num bonito português;
a mãe de todas as mães
já disse e digo outra vez
como a escritura ensina
é a natureza divina
que tudo criou e fez.

- Me responde, professor
entre grandes e pequenos
quero que fique notável
por todos nossos terrenos
responda com rapidez
como se chama o mês
que a mulher fala menos?

Este mês eu não conheço
quem fez esta tabuada?
João Grilo lhe respondeu:
ora sebo, camarada
pra mim perdeu o valor
tem nome de professor
mas não conhece de nada.

- Este mês é fevereiro
por todos bem conhecido
só tem vinte e oito dias
o tempo mais resumido
entre grandes e pequenos
é o que a mulher fala menos
mestre, você tá perdido.

- Seu professor, me responda
se algum tempo estudou
quem serviu a Jesus Cristo
morreu e não se salvou
no dia em que ele morreu
seu corpo urubu comeu
e ninguém o sepultou?

- Não conheço quem é esse
porque nunca vi escrito;
João Grilo lhe respondeu:
foi o jumento, está dito
que a Jesus Cristo servia
na noite em que ele fugia
de Belém para o Egito.

João Grilo olhou para o lado
disse para o diretor
este mestre é um quadrado
fique sabendo o senhor
sem dúvida exame não fez
o aluno desta vez
ensinou ao professor.

João Grilo foi para casa
encontrou sua mãe chorando
ele então disse: mamãe
não está ouvindo eu cantando?
não chore, cante mais antes
pois o seu filho garante
pra isso vive estudando .

A mãe de João Grilo disse:
choro por necessidade
sou uma pobre viúva
e tu de menor idade
até da escola saíste…
João disse: ainda existe
o mesmo Deus de bondade.

- A senhora pensa em carne
de vinte mil réis o quilo
ou talvez no meu destino
que à força hei de segui-lo
não chore, fique bem certa
a senhora só se aperta
quando matarem João Grilo.

João então chegou no rio
às cinco horas da tarde
passou até nove horas
porém inda foi debalde
na noite triste e sombria
João Grilo sem companhia
voltava sem novidade.

Chegando dentro da mata
ouviu lá dentro um gemido
dois lobos devoradores
o caminho interrompido
e trepou-se num pinheiro
como era forasteiro
ficou ali escondido.

Os lobos foram embora
e João não quis descer
disse: eu dormirei aqui
suceda o que suceder
eu hoje imito arapuan
só vou embora amanhã
quando o dia amanhecer.

O Grilo ficou trepado
temendo lobos e leões
pensando na fatal sorte
e recordando as lições
que na escola estudou
quando de súbito chegou
uns quatro ou cinco ladrões.

Eram uns ladrões de Meca
que roubavam no Egito
se ocultavam na mata
naquele bosque esquisito
pois cada um de per si
que vinha juntar-se ali
pra ver quem era perito.

O capitão dos ladrões
disse: não fala ninguém?
um respondeu; não senhor
disse ele: muito bem
cuidado não roubem vã
vamos juntar-nos amanhã
na capela de Belém.

Lá partiremos o dinheiro
pois aqui tudo é graúdo
temos um roubo a fazer
desde ontem que estudo
mas já estou preparado;
e o Grilo lá trepado
calado escutando tudo.

Os ladrões foram embora
depois da conversação
João Grilo ficou ciente
dizendo a seu coração:
se Deus ajudar a mim
acabou-se o tempo ruim
sou eu quem ganho a questão.

João Grilo desceu da árvore
quando o dia amanheceu
mas quando chegou em casa
não contou o que se deu
furtou um roupão de malha
vestiu, fez uma mortalha
lá no mato se escondeu.

À noite foi pra capela
por detrás da sacristia
vestiu-se com a mortalha
pois na capela jazia
sempre com a porta aberta
João pensou na certa
colher o que pretendia.

Deitou-se lá num caixão
que enterravam defunto
João Grilo disse: eu aqui
vou ganhar um bom presunto;
os ladrões foram chegando
e João Grilo observando
sem pensar em outro assunto.

Acenderam um farol
penduraram numa cruz
foram contar o dinheiro
no claro deu uma luz
João Grilo de lá gritou:
esperem por mim que eu vou
com as ordens de Jesus!

Os ladrões dali fugiram
quando viram a alma em pé
João Grilo ficou com tudo
disse: já sei como é 
nada no mundo me atrasa
agora vou para casa
tomar um rico café.

Chegou e disse: mamãe
morreu nossa precisão
o ladrão que rouba outro
tem cem anos de perdão;
contou o que tinha feito
disse a velha: está direito
vamos fazer refeição.

Bartolomeu do Egito
foi um rei de opinião
mandou convidar João Grilo
pra uma adivinhação
João Grilo disse: eu vou;
no outro dia embarcou
para saudar o sultão.

João Grilo chegou na corte
cumprimentou o sultão
disse: pronto, senhor rei
(deu-lhe um aperto de mão)
com calma e maneira doce
o sultão admirou-se
da sua disposição.

O sultão pergunta ao Grilo;
de onde você saiu?
aonde você nasceu?
João fitou ele e sorriu
- Sou deste mundo d’agora
nasci na ditosa hora
em que minha mãe me pariu.

- João Grilo, tu adivinha?
o Grilo respondeu: não
eu digo algumas coisas
conforme a ocasião
quem canta de graça é galo
cangalha só pra cavalo
e seca só no sertão.

- Eu tenho doze perguntas
pra você me responder
no prazo de 15 dias
escute o que vou dizer
veja lá como se arruma
é bastante faltar uma
tá condenado a morrer.

João Grilo disse: estou pronto
pode dizer a primeira
se acaso sair-me bem
venha a segunda e a terceira
venha a quarta e a quinta
talvez o Grilo não minta
diga até a derradeira.

Perguntou: qual o animal
que mostra mais rapidez
que anda de quatro pés
de manhã por sua vez
ao meio-dia com dois
passando disto depois
à tarde anda com três?

O Grilo disse: é o homem
que se arrasta pelo chão
no tempo que engatinha
depois toma posição
anda em pé e bem seguro
mas quando fica maduro
faz três pés com o bastão.

O sultão maravilhou-se
com sua resposta linda
João disse: pergunte outra
vou ver se respondo ainda;
a segunda o sultão fez
João Grilo daquela vez
celebrizou sua vinda.

- Grilo você me responda
em termos bem divididos
uma cova bem cavada
doze mortos estendidos
e todos mortos falando
cinco vivos passeando
trabalham com três sentidos.

- Esta cova é a viola
com primo, baixo e bordão
mortas são as doze cordas
quando canta um cidadão
canta, toca, faz um verso
cinco vivos num progresso
os cinco dedos da mão.

Houve uma salva de palmas
com vivas que retumbou
o sultão ficou suspenso
seu viva também bradou
e depois pediu silêncio
com outro desejo imenso
a terceira perguntou.

- João Grilo, qual é a coisa
que eu mandei carregar
primeiro dia e segundo
no terceiro fui olhar
quase dá-me a tiririca
se tirar, mais grande fica
não míngua, faz aumentar?

- Senhor rei, sua pergunta
parece me fazer guerra
um Grilo não tem saber
criado dentro da serra
mas digo pra quem conhece
o que tirando mais cresce
é um buraco na terra.

João Grilo vou terminar
as perguntas do tratado
o Grilo disse; pergunte
quero ficar descansado
disse o rei: é muito exato
o que é que vem do alto
cai em pé, corre deitado?

- Aquele que cai em pé
e sai correndo pelo chão
será uma grande chuva
nos barros de um sertão;
o rei disse: muito bem
no mundo inteiro não tem
outro Grilo como João.

- João Grilo, você bebe?
João disse: bebo um pouquinho
e disse; eu não sou filho
de Baco que fez o vinho
o meu pai morreu bebendo
e eu o que estou fazendo?
sigo no mesmo caminho.

O rei disse: João Grilo
beber é cousa ruim;
o Grilo respondeu: qual
o meu pai dizia assim:
na casa de seu Henrique
zelam bem um alambique
melhor do que um jardim.

O rei disse: João Grilo
tua fama é um estrondo
João Grilo disse: eu sabendo
o que perguntar respondo;
disse o rei enfurecido;
o que tem o pé comprido
e faz o rastro redondo?

- Senhor rei, tenho lembrança
do tempo da minha avó
que ela tinha um compasso
na caixa do bororó
como este eu também ando
fazendo o rastro redondo
andando com uma perna só.

- João, qual é o bicho
que passa pela campina
a qualquer hora da noite
andando de lamparina?
é um pequeno animal
tem luz artificial;
veja o que determina.

- Esse bicho eu já vi
pois eu tinha de costume
de brincar sempre com ele
minha mãe tinha ciúme
ele andava pelo campo
uns chamavam pirilampo
e outros de vagalume.

O rei já tinha esgotado
a sua imaginação
não achou uma pergunta
que interrompesse a João
disse: me responda agora
qual é o olho que chora
sem haver consolação?

O Grilo então respondeu:
lá muito perto da gente
tem um outeiro importante
um mocó muito doente
suas lágrimas têm paladar
quem não deixa de chorar
é olho d’água de vertente.

o rei inventou um truque
do jeito que lhe convinha
- Vou arrumar uma cilada
ver se João adivinha;
mandou vir um alçapão
fez outra adivinhação
escondeu uma bacurinha.

- João, o que é que tem
dentro desse alçapão?
se não disser o que é
é morto não tem perdão;
João Grilo lhe respondeu:
quem mata um como eu
não tem dó no coração.

João lhe disse: esse objeto
nem é manso nem é brabo
nem é grande nem pequeno
nem é santo nem é diabo
bem que mamãe me dizia
que eu ainda caía
onde a porca torce o rabo.

Trouxeram uma bandeja
ornada com muitas flores
dentro dela uma latinha
cheia de muitos fulgores
o rei lhe disse: João Grilo
é este o último estrilo
que rebenta tuas dores.

João Grilo desta vez
passou na última estica
adivinhar uma coisa
nojenta que se pratica
fugir da sorte mesquinha
pois dentro da lata tinha
um pouquinho de titica.

O rei disse: João Grilo
veja se escapa da morte;
o que tem nessa latinha?
responda se tiver sorte;
toda aquela populaça
queria ver a desgraça
do Grilo franzino e forte.

Minha mãe profetizou
que o futuro é minha perda
“Dessas adivinhações
brevemente você herda;”
faz de conta que já vi
como está hoje aqui
parece que dá em merda.

O rei achou muita graça
nada teve o que fazer
João Grilo ficou na corte
com regozijo e prazer
gozando um bom paladar
foi comer sem trabalhar
desta data até morrer.

E todas as questões do reino
era João que deslindava
qualquer pergunta difícil
ele sempre decifrava
julgamentos delicados
problemas muito enrascados
era João que desmanchava.

Certa vez chegou na corte
um mendigo esfarrapado
com uma mochila nas costas
dois guardas de cada lado
seu rosto cheio de mágoa
os olhos vertendo água
fazia pena o coitado.

Junto dele estava um duque
que veio denunciar
dizendo que o mendigo
na prisão ia morar
por não pagar a despesa
que fizera com afoiteza
sem ninguém lhe convidar.

João Grilo disse ao mendigo:
e como é, pobretão
que se faz uma despesa
sem ter no bolso um tostão?
me conte todo o passado
depois de ter-lhe escutado
lhe darei razão ou não.

Disse o mendigo: sou pobre
e fui pedir uma esmola
na casa do senhor duque
e levei minha sacola
quando cheguei na cozinha
vi cozinhando galinha
numa grande caçarola.

- Como a comida cheirava
eu tive apetite nela
tirei um taco de pão
e marchei pro lado dela
e sem pensar na desgraça
botei o pão na fumaça
que saía da panela.

- O cozinheiro zangou-se
chamou logo seu senhor
dizendo que eu roubara
da comida seu sabor
só por eu ter colocado
um taco de pão mirrado
aproveitando o vapor.

- Por isso fui obrigado
a pagar esta quantia
como não tive dinheiro
o duque por tirania
mandou trazer-me escoltado
pra depois de ser julgado
ser posto na enxovia.

João Grilo disse: está bom
não precisa mais falar;
então pergunto ao duque:
quanto o homem vai pagar?
- Cinco coroas de prata
ou paga ou vai pra chibata
não lhe deve perdoar.

João Grilo tirou do bolso
a importância cobrada
na mochila do mendigo
deixou-a depositada
e disse para o mendigo:
balance a mochila, amigo
pro duque ouvir a zoada.

O mendigo sem demora
fez como o Grilo mandou
pegou sua mochilinha
com a prata balançou
sem compreender o truque
bem no ouvido do duque
o dinheiro tilintou.

Disse o duque enfurecido:
mas não recebi o meu;
diz o Grilo: sim senhor
e isto foi o que valeu
deixe de ser batoteiro
o tinido do dinheiro
o senhor já recebeu.

- Você diz que o mendigo
por ter provado o vapor
foi mesmo que ter comido
seu manjar e seu sabor
pois também é verdadeiro
que o tinir do dinheiro
represente seu valor.

Virou-se para o mendigo
e disse: estás perdoado
leva o dinheiro que dei-te
vai pra casa descansado;
o duque olhou para o Grilo
depois de dar um estrilo
saiu por ali danado.

A fama então de João Grilo
foi de nação em nação,
por sua sabedoria
e por seu bom coração
sem ser por ele esperado
um dia foi convidado
pra visitar um sultão.

O rei daquele país
quis o reino embandeirado
pra receber a visita
do ilustre convidado
o castelo estava em flores
cheios de grandes fulgores
ricamente engalanado.

As damas da alta corte
trajavam decentemente
toda corte imperial
esperava impaciente
ou por isso ou por aquilo
para conhecer João Grilo
figura tão eminente.

Afinal chegou João Grilo
no reinado do sultão
quando ele entrou na corte
foi grande decepção
de paletó remendado
sapato velho furado
nas costas um matulão.

O rei disse: não é ele
pois assim já é demais!
João Grilo pediu licença
mostrou-lhe as credenciais
embora o rei não gostasse
mandou que ele ocupasse
os aposentos reais.

Só se ouvia cochichos
que vinham de todo lado
as damas então diziam
é esse o homem falado?
duma pobreza tamanha
e ele nem se acanha
de ser nosso convidado!

Até os membros da corte
diziam num tom chocante:
pensava que o João Grilo
fosse um tipo elegante
mas nos manda um remendado
sem roupa esfarrapado
um maltrapilho ambulante.

E João Grilo ouvia tudo
mas sem dar demonstração
em toda a corte real
ninguém lhe dava atenção
por mostrar-se esmolambado
tinha sido desprezado
naquela rica nação.

Afinal veio um criado
e disse sem o fitar:
já preparei o banheiro
para o senhor se banhar
vista uma roupa minha
e depois vá na cozinha
na hora de almoçar.

João Grilo disse: está bem;
mas disse com seu botão:
roupas finas trouxe eu
dento do meu matulão
me apresentei rasgado
para ver nesse reinado
qual era a minha impressão.

João Grilo tomou um banho
vestiu uma roupa de gala
então muito bem vestido
apresentou-se na sala
ao ver seu traje tão belo
houve gente no castelo
que quase perdia a fala.

E então toda repulsa
transformou-se de repente
o rei chamou-o pra mesa
como homem competente
consigo dizia João:
na hora da refeição
vou ensinar essa gente.

O almoço foi servido
porém João não quis comer
despejou vinho na roupa
só para vê-lo escorrer
ante a corte estarrecida
encheu os bolsos de comida
para todo mundo ver.

O rei muito aborrecido
perguntou para João:
por qual motivo o senhor
não come da refeição?
respondeu João com maldade:
tenha calma, majestade
digo já toda a razão.

- Esta mesa tão repleta
de tanta comida boa
não foi posta para mim
um ente vulgar à toa;
desde a sobremesa à sopa
foram postas à minha roupa
e não à minha pessoa.

Os comensais se olharam
o rei pergunta espantado:
por que o senhor diz isto
estando tão bem tratado?
disse João: isso se explica
por estar de roupa rica
não sou mais esmolambado.

Eu estando esmolambado
ia comer na cozinha
mas como troquei de roupa
como junto da rainha
vejo nisto um grande ultraje
homenagem ao meu traje
e não à pessoa minha.

Toda corte imperial
pediu desculpa a João
e muito tempo falou-se
naquela dura lição
e todo mundo dizia
que sua sabedoria
igualava a Salomão.

     F  I  M






















Labareda
O Capador de Covardes
Gonçalo Ferreira da Silva
Como criação divina
a vida fosse entendida
representaria a morte
simples porta de saída
para conduzir o homem
à plenitude da vida.
Os audazes bandoleiros
do cangaço no sertão
não davam valor à vida
desprovidos de noção
do que ela representa
para o Pai da Criação.
Numa das reuniões
que sempre fazia às tardes
Lampião chamou um cabra
e lhe falou sem alardes:
- Tu serás o Labareda
o capador de covardes.
Os componentes do grupo
do famoso Lampião
tinham seus nomes-de-guerra
e muitos tinham função
embora não fosse regra
também não era exceção.
Coube ao negro Zé Baiano
o cruel ferro abrasante,
Mariano, a palmatória
para o sujeito arrogante,
a peixeira, a Labareda
para capar delatante.
Porém a Virginio coube
a responsabilidade
de julgar caso por caso
e conforme a gravidade
o errado recebia
a dura penalidade.
Cunhado de Lampião
Virginio era igual um mano
ditava suas sentenças,
mas provou que era humano
ao perdoar Bentivi
quando traiu Zé Baiano.
Emílio Ferreira, um
dos padres mais importantes
aconselhou Labareda
a capar os semelhantes
porém deixá-los com vida
por mais que fossem arrogantes.
Realmente Labareda
não tinha instinto malvado
principalmente porque
nunca capava zangado
desempenhava o trabalho
como quem cumpre um mandado.
Mas um dia caparia
com ódio no coração
por vingança que é por dever
porque numa ocasião
sofreu de um miserável
uma dura traição.
Lampião ao sequestrar
o filho de um fazendeiro
mandou Labareda para
trazer de volta o dinheiro
em troca da liberdade
do jovem prisioneiro.
Labareda foi cumprir
a ordem do capitão
porém teve, infelizmente,
interrompida a missão
quando já tinha o dinheiro
escondido no gibão.
No momento em que o recado
do chefe era transmitido
um cabra do fazendeiro
se encontrava escondido
assim, sigilosamente,
foi Labareda seguido.
Pois todos os pormenores
o cabra do fazendeiro
ouvia, até a quantia
que ganharia em dinheiro
se pregasse uma surpresa
eficaz no cangaceiro.
Quando Labareda tinha
o dinheiro empacotado
juntamente com um recibo
devidamente assinado
saiu sem notar que era
por alguém observado.
Para sair da fazenda
na direção do sertão
tinha uma vereda orlada
de densa vegetação
ao longo da qual não tinha
vestígio de habitação.
Com a rapidez felina
do gato maracajá
o cabra do fazendeiro
subiu num pé de Ingá
envolto em muitas espessas
ramas de maracujá.
Providencia paulada
quando Labareda ia
passando sob o Ingá
na fronte dela caía
desmaiando até sem tempo
de ver o que acontecia.
No mundo escuro dos sonhos
Labareda mergulhou
ele mesmo nunca soube
qual o tempo que durou
desde a hora em que caiu
até quando despertou.
Recobrando a consciência
verificou abismado
que o pacote de notas
havia sido roubado
restava só o recibo
no seu bolso colocado.
Lampião ainda estava
com o grupo reunido
estranhando com razão
o tempo já transcorrido
achando que Labareda
tinha desaparecido.
Fitando o refém com ódio
Lampião foi taxativo:
- Se Labareda morrer
ou mesmo ficar cativo
toco fogo na fazenda
e depois lhe queimo vivo.
Lampião mandou dois cabras
que fizeram o fazendeiro
dizer o nome do homem,
o possível paradeiro
para obrigá-lo, com .a força
a devolver o dinheiro.
Num belo dia em que o Sol
para o poente caía
num povoado distante
o dito homem bebia
cana, sem saber que aquele
era o seu mais negro dia.
O grupo do Lampião
com um refém da fazenda
invadiu o povoado
e ao penetrar na venda
Lampião, frio e sinistro
disse: - Sujeito, se renda.
- Cadê aquele dinheiro
roubado lá na vereda
empacotado e atado
com nós num pano de seda?
Já sabe o que quer dizer
prestar conta a Labareda?
Com dignidade o homem
disse: - Sei que estou marcado..
pelo que ouvi falar
já sei que vou ser capado
mas não vou tremer diante
dum bandoleiro safado.
Tais palavras foram ditas
com tanta convicção,
com tanto furor selvagem,
com tão voraz decisão
que houve um silêncio tenso
no grupo do Lampião.
Foi o capador do bando
quem o silêncio rompeu:
- Vou resolver este assunto
pois este homem é meu
e se alguém morrer em luta
terá que ser ele ou eu.
Só se viu quando um machado
sinistro riscou o ar
sem que o opositor
pudesse se desviar
o homem caiu roncando
no piso sujo do bar.
Uma peixeira afiada
surgiu repentinamente
nos dedos de Labareda
que o capou prontamente
mostrando os ovos do homem
para a multidão presente.
Foi este mais um capítulo
de maldade e tirania
da história do nordeste
para ser contado um dia
que acaso for abordado
assunto de valentia.
             F  I  M
















História da Rainha Esther
Autor: Arievaldo Viana
Supremo Ser Incriado
Santo Deus Onipotente
Manda teus raios de luz
Ilumina a minha mente
Para transformar em versos
Uma história comovente
Falo da vida de Ester
Que na Bíblia está descrita
Era uma judia virtuosa
E extremamente bonita
Por obra e graça divina
Teve venturosa dita
Foi durante o cativeiro
Do grande povo Judeu
Um rei chamado Assuero
Naqueles tempos viveu
E com o nome de Xerxes
Na História apareceu.
O rei Assuero tinha
Pelo costume pagão
Um harém com muitas musas
As mais belas da nação
Mas era a rainha Vasti
Dona do seu coração.
Porém a rainha Vasti
Caiu no seu desagrado
Pois embora fosse bela
Não cumpriu um seu mandado
Vasti, durante um banquete
Não quis ficar a seu lado.
Com isto o Rei Assuero
Bastante se enfureceu
Mandou buscar outras moças
E por fim ele escolheu
Esther, a bela judia
Sobrinha de Mardoqueu.
Porque os seus conselheiros
Consideraram uma ofensa
A bela rainha Vasti
Não vir a sua presença
Perdeu a rainha o posto
Foi esta a dura sentença.
Ester era flor mais bela
Filha do povo judeu
Porém perdeu os seus pais
Logo depois que nasceu
Foi viver na companhia
De seu tio Mardoqueu.
Dentre as mulheres mais belas
Ester foi a escolhida
Pra ser a nova Rainha
Pelo rei foi preferida
Mardoqueu disse à sobrinha:
- Não revele a sua vida!
- Pois nosso povo é cativo
E vive na opressão
Talvez o rei não a queira
Vendo a sua condição
É melhor guardar segredo
Sobre seu povo e nação.
Não pretendo alongar-me,
Porém vos digo o que sei:
Mardoqueu era versado
Na ciência e na Lei
Trabalhava no palácio
Era empregado do rei.
Mardoqueu um dia soube
Que dois guardas do portão
Tramavam secretamente
Perversa conspiração
Eram Bagatã e Tares
Homens de mau coração.
Tramavam matar o rei
E Mardoqueu descobriu
A conversa dos dois homens
Ele sem querer ouviu
Foi avisar a Ester
E ela ao rei preveniu.
Assuero indignado
Com esta conspiração
Mandou ligeiro prender
Os dois guardas do portão
Eles descobriram tudo
Quando os pôs em confissão
Os dois guardas receberam
Um castigo exemplar
Provada a sua traição
O rei os manda enforcar
Depois mandou os escribas
Em seus anais registrar.
Mardoqueu perante o rei
Subiu muito de conceito
Deu-lhe o rei um alto posto
Por ser honrado e direito
Por isso era invejado
Por Aman, um mau sujeito.
Este Aman de quem vos falo
Era o Primeiro Ministro
Um dos homens mais perversos
De quem se teve registro
Tramava contra os judeus
Um plano mau e sinistro.
Por força de um decreto
Queria que o povo inteiro
Se ajoelhasse a seus pés
Sendo ele um embusteiro
Queria ser adorado
Igual ao Deus Verdadeiro.
Isso era um grande martírio
Para a raça dos judeus
Porque só dobram os joelhos
Em adoração a Deus
Fato que desperta a ira
Dos pagãos e dos ateus.
O Ministro indignou-se
Com todo o povo judeu
Porque não obedeciam
Aquele decreto seu
Pensava em aniquilar
A raça de Mardoqueu.
Mandou baixar um Edito
Marcando a hora e o dia
Para o povo ajoelhar-se
Porém Aman não sabia
Que a bela rainha Ester
Era uma princesa judia.
Mardoqueu leu o decreto
Gelou de medo e pavor
Comunicou a Ester
Que Aman, em seu furor
Queria exterminar
A raça do Redentor.
- Querida Ester, disse ele
Venho triste lhe contar
Que o Primeiro Ministro
Jura por Marduk e Isthar
Que o nosso povo judeu
Decidiu eliminar.
- Esse Decreto já foi
Pelo rei sancionado
Armou para nós a forca
O dia já está marcado
Matará todo judeu
Que não ver ajoelhado.
- Meu tio, responde Ester
Eu nada posso evitar
Pois quem se apresenta ao rei
Sem ele próprio chamar
Por um decreto real
Manda na hora enforcar.
Deixemos aqui Ester
Lamentando pesarosa
Vamos tratar de Aman
Criatura orgulhosa
E saber o que tramava
Esta cobra venenosa.
Disse ele a Assuero:
- Há um povo no reinado
Que tem um costume estranho
Não cumpre nenhum mandado
Que fira algum mandamento
Por seu Deus determinado.
- Constitui um mau exemplo
Para outros povos e assim
Considero que este povo
Viver conosco é ruim
Eu quero a tua licença
Porque quer dar-lhes fim.
Lavrou-se então o decreto
Do extermínio judeu
Aman pegou uma cópia
E em praça pública leu
Somente por ter inveja
Da glória de Mardoqueu.
Naquela noite Assuero
Não podendo dormir mais
Mandou chamar seus escribas
Para lerem os editais
Entre estes documentos
Encontravam-se os Anais.
O leitor sabe que o rei
Foi salvo de um atentado
Por dois porteiros teria
Sido ele assassinado
Se não fosse Mardoqueu
Ter o caso desvendado.
Pergunta então Assuero
Depois que o escriba leu
Os anais onde constavam
Os feitos de Mardoqueu:
- Me diga qual foi o prêmio
Que este homem recebeu?
- Nenhum prêmio, majestade...
Responde o escriba ao rei
Então Assuero disse:
- Agora compensarei
O grande favor prestado,
Gratidão é uma lei!
No outro dia Aman
Foi ao Palácio enredar
Quando Assuero o viu
Tratou de lhe perguntar:
- Que deve ser feito ao homem
Que o rei pretende honrar?
Pensando que era pra si
Aquela grande honraria
Aman disse: - Majestade
Eis então o que eu faria
Com minhas roupas reais
Este homem eu vestiria
Depois o faria montar
Um cavalo ajaezado
Com os arreios de ouro
E o brasão do reinado
Por alguém muito importante
Ele seria puxado.
E nas ruas da cidade
O guia deve bradar
Assim o rei Assuero
Manda agora publicar:
- Este é um homem de bem
Que o rei pretende honrar!
- Muito bem, diz Assuero
Bonito plano, este seu
Mande selar meu cavalo
Da forma que concebeu
E nele faça montar
Nosso amigo Mardoqueu.
Aman ficou constrangido
Mas resolveu perguntar
Qual o homem, majestade
Que o cavalo irá guiar
Disse o rei: - És tu, Aman
Quem o deve anunciar.
Aman saiu se mordendo
Foi o cavalo arrear
Depois mandou Mardoqueu
Sobre o mesmo se montar
Mas intimamente dizia
Em breve irei me vingar.
E pelas ruas de Susa
Foi Mardoqueu aclamado
Vestindo as roupas reais
Num bom cavalo montado
E pelo ministro Aman
O ginete era puxado.
O leitor deve lembrar
Que Ester, a bela rainha
Já sabia do decreto
E qual a sorte mesquinha
Destinada a seu povo
Porém o medo a detinha.
Há dias que ela esperava
Uma oportunidade
Para falar com o rei
Contar-lhe toda a verdade
E, em favor de seu povo
Implorar-lhe a piedade.
Mas o tempo ia passando
Como o rei não a chamou
A dura pena de morte
Decida ela enfrentou
Foi à presença do rei
Lá chegando se curvou.
Disse o rei: - Minha querida
A lei não é para ti
Não temas, pois não pretendo
Fazer qualquer mal a si
Diga-me logo o que queres
Porque tu vieste aqui?
Disse ela: - Majestade
Viva em paz, a governar
O motivo que me trouxe
É que vim de convidar
Para um singelo banquete
Que pretendo preparar.
Este banquete eu vou dar
Na noite de amanhã
Quero apenas que convides
O nosso ministro Aman
Espero que não me faltes
Espero com grande afã.
Disse o rei: - Vá sossegada
Por certo, não faltarei
Ao banquete que darás
Como sem falta eu irei
E o Primeiro Ministro
Em breve convidarei.
Ester não disse mais nada
Tratou de se retirar
Chamou as suas criadas
Foi depressa preparar
O banquete que em breve
Ela haveria de dar.
No outro dia Aman
Pelo rei foi convidado
Porém, como ignorava
O que estava preparado
Compareceu orgulhoso
Bastante lisonjeado.
Na presença do ministro
Assuero perguntou
Diz-me agora, ó rainha
Por que razão me chamou?
Então Ester decidida
Por esta forma falou:
- Majestade eu tenho a honra
De ser a tua consorte
Porém a mão do destino
Quer turvar a minha sorte
Porque o meu próprio povo
Está condenado à morte!
Diz o rei: - Quem concebeu
Este plano tão malvado?
Por que motivo o teu povo
À morte foi condenado?
Disse ela: Foi Aman
Ele é o grande culpado!
Pois este homem se julga
Acima do próprio Deus
Quer que todos se ajoelhem
E cumpram os desígnios seus
Por isso ele planeja
Exterminar os judeus.
Quando ela disse aquilo
Aman não pôde falar
Tremia ali de pavor
Sem puder se explicar
E o rei indignado
O mandou encarcerar.
No outro dia Aman
À morte foi condenado
Na forca que ele havia
Pra Mardoqueu preparado
Por um capricho da sorte
Foi nela própria enforcado. 
      F  I  M 



















A vida de Pedro Cem
Leandro Gomes de Barros
Vou narrar agora um fato
Que há cinco séculos se deu
De um grande capitalista
Do continente europeu
Fortuna como aquela
Ainda não apareceu
Pedro Cem era o mais rico
Que nasceu em Portugal
Sua fama enchia o mundo
Seu nome andava em geral
Não casou-se com rainha
Por não ter sangue real
Em prédios, dinheiro e bens
Era o mais rico que havia
Nunca deveu a ninguém
Todo mundo lhe devia
Balanço em sua fortuna
Querendo dar não podia
Em cada rua ele tinha
Cem casas para alugar
Tinha cem botes no porto
E cem navios no mar
Cem lanchas e cem barcaças
Tudo isso a navegar
Tinha cem fábricas de vinho
E cem alfaiatarias
Cem depósitos de fazenda
Cem moinhos, cem padarias
E tinha dentro do mar
Cem currais de pescaria
Em cada país do mundo
Possuía cem sobrados
Em cada banco ele tinha
Cem contos depositados
Ocupavam mensalmente
Dezesseis mil empregados
Diz a história onde li
O todo desse passado
Que Pedro Cem nunca deu
Uma esmola a um desgraçado
Não olhava para um pobre
Nem falava com criado
Uma noite ele sonhou
Que um rapaz lhe avisava
Que aquele orgulho dele
Era quem o castigava
Aquela grande fortuna
Assim como veio, voltava
Ele acordou agitado
Pelo sonho que tinha tido,
Que rapaz seria aquele
Que lhe tinha aparecido?
Depois pensou: - Ora, sonho
É ilusão do sentido!
Um dia no meio da praça
Ele uma moça encontrou
Essa vinha quase nua
Nos seus pés se ajoelhou
Dizendo: - Senhor, olhai
O estado em que estou...
Ele torceu para um lado
E disse: - Minha senhora,
Olhe a sua posição
E veja o que fez agora.
Reconheça o seu lugar,
Levante-se e vá embora!
- Oh! Senhor! Por este sol,
Que de tão alto flutua,
Lembrai-vos que tenho fome
Estou aqui quase nua
Sou obrigada a passar
Nesse estado em plena rua!
Ele repleto de orgulho
Nem deu ouvido, saiu
E a pobre ergueu-se chorando
Chegou adiante, caiu
Vinha passando uma dama
Que com seu mato a cobriu
Era a marquesa de Évora
Uma alma lapidada.
Tirando seu rico manto
Cobriu essa desgraçada
Ela conheceu que a pobre,
Foi pela fome prostrada.
Levante-se, minha filha!
E pegou-lhe pela mão,
Dizendo à criada dela:
- Vá ali comprar um pão
Que a essa pobre infeliz,
Faltou-lhe alimentação.
Entregando-lhe uma bolsa
Com 42 mil réis,
Apenas tirou dali
Um diploma e uns papéis,
Não consentindo que a moça
Se ajoelhasse a seus pés.
E com aquela quantia
Ela comprou um tear
Tinha mais duas irmãs
Foram as três trabalhar
Dali em diante mais nunca
Faltou-lhe com que passar.
Vamos agora tratar
Pedro Cem como ficou
E o nervoso que sentia
Uma noite em que sonhou
Que um homem lhe apareceu
Disse: - Olhe bem quem sou!
- Que tens feito do dinheiro,
Que me tomaste emprestado?
Meu senhor manda saber
Em que o tens empregado
E por qual razão não cumpre
As ordens que ele tem dado...
Ele perguntou no sono:
Mas que dinheiro tomei?
Até aos próprios monarcas
Dinheiro muito emprestei;
O vulto zombando dele
Disse: Que tu és eu sei.
- Que capital tinha tu
Quando chegaste ao mundo?
Chegaste nu e descalço
Como o bicho mais imundo
Hoje queres ser tão nobre
Sendo um simples vagabundo.
E metendo a mão no bolso
Tirou dele uma mochila
Dizendo: é essa a fortuna
Que tu hás de possuí-la
Farás dela profissão
Pedindo de vila em vila.
Pedro Cem zombando disse:
- Vai agoureira, te some
Tua presença me perturba,
Tua frase me consome,
De qual mundo tu vieste?
Diz-me por favor teu nome?!
- Meu nome, disse-lhe o vulto,
És indigno de saber,
Meu grande superior
Proibiu-me de dizer
Apenas faço o serviço
Que ele mandou fazer.
Despertando Pedro Cem
Daquilo contrariado;
Ter dois sonhos quase iguais
Ficou impressionado,
Resolveu contrafazer
E ficar reconcentrado.
Pensou em tirar por ano
Daquela grande riqueza
Sessenta contos de réis
E dar de esmola a pobreza
Depois, refletindo, disse:
Não se dá maior fraqueza.
Porque ainda que Deus
Querendo me castigar
Não afundará num dia
Meus cem navios no mar
As cem fazendas de gado
Custarão a se acabar
As cem fábricas de tecidos
Que tenho funcionando,
E os parreirais de uvas
Que estão todos safrejando,
Cem botes que tenho no porto
Todo dia trabalhando.
Cem armazéns de fazenda,
As cem alfaiatarias,
As cem fundições de ferro,
Cem currais de pescarias,
As cem casas alugadas,
Cem moinhos, cem padarias.
E as centenas de contos
Nos bancos depositados,
E tudo isso em poder
De homens acreditados,
Ainda Deus querendo isso
Seus planos serão errados.
Pedro Cem naquela hora
Estava impressionado
Quando aproximou-se dele
O seu primeiro criado
E disse: - Aí tem um homem
Diz vos trazer um recado.
- Mande que entre a pessoa!
(Ele ao criado ordenou)
era um marinheiro velho,
chegando ali o saudou.
- Que nova traz, meu amigo?
Pedro Cem lhe perguntou.
Disse o velho marinheiro:
- Venho vos participar,
Que dez navios dos vossos
Ontem afundaram no mar
Morreram as tripulações
Só eu pude me salvar.
- Que navios foram esses?
Perguntou-lhe Pedro Cem.
Respondeu-lhe o marinheiro:
- Foi “Tejo” e “Jerusalém”,
O “Douro” e o “Penafiel”
E os outros eu não sei bem.
Aquele ainda estava ali
Outro portador bateu
O empregado das vacas
Contou o que sucedeu
Incendiaram o mercado
E todo gado morreu
Pedro Cem nada dizia
Ficando silencioso.
Apenas disse: - Na terra
Não há homem venturoso,
Quem se julgar mais feliz,
É pior que cão leproso.
Chegou outro portador
O empregado da vinha,
Disse: - O depósito estourou
Vazou o vinho que tinha
Pedro Cem disse: Meu Deus,
Que sorte triste esta minha!
Saiu aquele entrou outro,
Um cônsul norueguês
Disse: - Nos mares do norte
Andava um pirata inglês,
Noventa navios vossos
Tomou ele de uma vez!
Meu Deus! Meu Deus! O que fiz?
Exclamava Pedro Cem,
Não há homem nesse mundo
Que possa dizer: - Vou bem,
Quando menos ele espera
A negra desgraça vem!
Dos cem navios que tinha
Alguns foram afundados
E outros pelos piratas
Nos mares foram tomados!
Acrescentou a pessoa:
Vinham todos carregados.
Ali mesmo vinha o mestre
Do navio “Flor do Mundo”
Esse fitou Pedro Cem
Com um silêncio profundo
Depois disse: Sr. Marquês,
Dez barcaças foram ao fundo.
Quatro vinham carregadas
Com bacalhau e azeite,
Duas vinham da Suécia
Com queijo, manteiga e leite,
De todas mercadorias
Não tem uma que aproveite.
Quatro dos dez que afundaram
Traziam pérolas e metal
Só da Ilha da Madeira
Vinha um milhão de coral
Topázio, rubi, brilhante,
Ouro, esmeralda e cristal.
Pedro Cem baixou a vista
Nada pôde refletir
Exclamou: Que faço eu?
Devo deixar de existir,
Mas matando-me não vejo
Isso onde pode ir!
Chegou o moço do campo
Tremendo muito assustado
E disse: Senhor Marquês,
Venho aqui horrorizado,
Deu morrinha nas ovelhas
E mal triste em todo gado
Naquele momento entrou
Um rapaz auxiliar
Esse puxando um papel
Disse: - Venho reclamar
Tudo quanto se perdeu
Na barca “Ares do Mar”
Pedro Cem perguntou: Quanto?
Tirou o moço uns papéis
Que se lia, entre brilhantes
Pulseiras, colares, anéis
Um milhão e quatrocentos
E vinte e contos de réis.
Entrou outro auxiliar
Disse: Eu quero o pagamento,
Por tudo que se perdeu
No navio “Chave do Vento”
Que vinha da América do Norte
Com grande carregamento.
Chegou um tabelião
- Dá licença, senhor Marquês?
Venho lhe participar
Que o grande banco francês
Dois alemães e três suíços
Quebraram todos de vez.
- Lá se foi minha fortuna!
(exclamava Pedro Cem)
Ontem fui milionário
Hoje não tenho um vintém
Só mesmo na campa fria
Eu hoje estaria bem!
Dando balanço nos bens
Quis até desesperar
Tudo quanto possuía
Não dava para pagar
Nem pela décima parte
Os prejuízos do mar.
Exclamava: Oh! Pedro Cem,
Que será de ti agora?!
O pouco que me restava
A justiça fez penhora!
Pedro Cem de agora em diante
Vai errar de mundo a fora!
Cumprir esta sorte dura
Que a desventura me deu
Talvez muitas vezes vendo
Aquilo que já foi meu
Em lugar que não se saiba
Quem neste mundo fui eu.
Ali no terraço mesmo
Forrando o chão se deitou
Às onze e meia da noite,
No sono conciliou,
No sono sonhando viu
O rapaz que lhe falou.
Aquele perguntou: Pedro,
Como se foi na empresa?
Já estais conhecendo agora
Quanto é grande a natureza?
Conheceste que teu orgulho
Foi quem te fez a surpresa?
Metendo a mão na algibeira
Dali um quadro tirou
Onde havia dois retratos
Que a Pedro Cem mostrou
- Conheces estes retratos?
O rapaz lhe perguntou.
Via-se naquele quadro
Uma dama bem vestida
Pedro Cem disse no sonho:
Esta é minha conhecida,
A outra uma pobre moça,
Como fome, no chão caída?
Perguntou-lhe o rapaz:
Quem é essa conhecida?
- É a marquesa de Évora,
E esta, que está caída?
- Essa é uma miserável,
Dessa classe desvalida.
O rapaz puxou outro quadro
Verde da cor da esperança
Onde se via um monarca
Suspendendo uma balança
Estava pesando nela
Caridade e confiança.
Mostrou-lhe mais 4 quadros
Que Pedro Cem conheceu,
Tinha a marquesa de Évora
Quando a bolsa a pobre deu,
Que estirou a mão dizendo:
- Toma o dinheiro que é teu.
No quadro via-se um anjo
Assim nos diz a história,
Com uma flor onde lia-se:
“Jardim da Eterna Glória”
presenteada por Deus
esta palma da vitória.
Quem planta flores, tem flores
Quem planta espinho tem espinho
Deus mostra ao espírito fraco
O que nega ao mesquinho
A virtude é um negócio
Boa ação um pergaminho
Depois que ele acordou
Triste e impressionado
Interrogava a si próprio:
- Porque sou tão desgraçado?
Achou de lado a mochila,
A que ele havia sonhado.
- Será esta a tal mochila
Que o fantasma me mostrou?
É esse o homem que em sonho
Em desespero exclamou,
Na noite que a cruel sina,
Em sonho me visitou?
De tudo restava apenas
A casa de moradia
Essa mesma embargaram
Antes de findar-se o dia,
Então disse Pedro Cem:
- Cumpriu-se a tal profecia!
Lançando mão da mochila
Saiu no mundo a vagar
Implorando a caridade,
Sem alguém nada lhe dar
Por umas 5 ou 6 vezes
Tentou se suicidar.
Ele dizia nas portas:
Uma esmola a Pedro Cem
Que já foi capitalista
Ontem teve, hoje não tem
A quem já neguei esmola
Hoje a mim nega também.
Foi ele cair com fome,
Na casa daquela moça
Quando foi a porta dele
Com fome, fria e sem força
Que ele não quis olhá-la
E a marquesa deu-lhe a bolsa.
A criada o viu cair,
Exclamou: - Minha senhora,
Anda ver um miserável,
Que caiu de fome agora!
- Onde? Perguntou a moça,
Ana lhe disse: ali fora!
A moça disse à criada
Que trouxesse leite e pão
Aproximou-se dele
Disse: O que tens, meu irmão?
Bateste em todas as portas,
Não encontraste um cristão?
Senhora! Se vós soubesse
Quem é este desgraçado,
Não abriria a porta
Nem dava esse bocado,
Respondeu ela: O conheço,
Porém esqueço o passado.
Recordo-me que a marquesa
Fez minha felicidade,
Viu-me caída, com fome,
Teve de mim piedade,
Deu-me com que comprar pão
E esta propriedade.
Pedro Cem se levantou,
Disse: Obrigado, e saiu
Andando duzentos passos
Tombou em terra e caiu
E umas frases tocantes
Em alta voz proferiu:
Vai unir-se a terra fria
O que não soube viver,
Soube ganhar a fortuna
Mas não a soube perder,
Se tenho estudado a vida
Tinha aprendido a viver.
Foi como a corrente d’água,
Que pela serra desceu
Chegou o verão secou
Ela desapareceu
Ficando só os escombros
Por onde a água correu!
Eu tive tanta fortuna,
Não socorri a ninguém,
E todos que me pediram
Eu nunca dei um vintém,
Hoje eu preciso pedir,
Não há quem me dê também!
Não desespero, pois sei
Que grande crime expio
Nasci em berço dourado
Dormi em colchão macio
Hoje morro como os brutos,
Neste chão sujo e frio...
Foram as últimas palavras
Que ele ali pronunciou
Margarida, aquela moça
Que a marquesa embrulhou
Botou-lhe a vela na mão
Ali mesmo ele expirou.
A Justiça examinando
Os bolsos de Pedro Cem
Encontrou uma mochila
E dentro dela um vintém
E um letreiro que dizia:
“Ontem teve, hoje não tem.”
              F  I  M 


O Sabido sem Estudo
Manuel Camilo dos Santos
Deus escreve em linhas tortas
Tão certo chega faz gosto
E fez tudo abaixo dele
Nada lhe será oposto
Um do outro desigual
Por isto o mundo é composto
Vejamos que diferença
Nos seres do Criador
A águia um pássaro tão grande
Tão pequeno um beija-flor
A ema tão corredeira
E o urubu tão voador
Vê-se a lua tão formosa
E o sol tão carrancudo
Vê-se um lajedo tão grande
E um seixinho tão miúdo
O muçu tão mole e liso
O jacaré tão cascudo
Vê-se um homem tão calado
Já outro tão divertido
Um mole, fraco e mofino
Outro valente e atrevido
Às vezes um rico tão tolo
E um pobre tão sabido
É o caso que me refiro
De quem pretendo contar
A vida d’um homem pobre
Que mesmo sem estudar
Ganhou o nome de sábio
E por fim veio a enricar
Esse homem nunca achou
Nada que o enrascasse
Problema por mais difícil
Nem cilada que o pegasse
Quenguista que o iludisse
Questão qu’ele não ganhasse
Era um tipo baixo e grosso
Musculoso e carrancudo
Não conhecia uma letra
Porém sabia de tudo
O povo o denominou
O Sabido Sem Estudo...
Um dia chegou-lhe um moço
Já em tempo de chorar
Dizendo que tinha dado
Cem contos para guardar
Num hotel e o hoteleiro
Não quis mais o entregar
O Sabido Sem Estudo
Disse: - isto é novidade?
Se quer me gratificar
Vamos lá hoje d etarde
Se ele entregar disse o moço:
- Dou ao senhor a metade
O Sabido Sem Estudo
Disse: - você vá na frente
Que depois eu vou atrás
Quando eu chegar se apresente
Faça que não me conhece
Aí peça novamente
O Sabido Sem Estudo
Logo assim que lá chegou
Falou com o hoteleiro
Este alegre o abraçou
O rapaz nesse momento
Também se apresentou
O Sabido Sem Estudo
Disse: - Eu quero me hospedar
Me diga se a casa é séria
Pois eu preciso guardar
Quinhentos contos de réis
Pra depois vir procurar
Respondeu o hoteleiro:
- Pois não, a casa é capaz
Agora mesmo eu já ia
Entregar a este rapaz
Cem contos que guardei dele
Há pouco dias atrás
Nisto o dono do hotel
Entrou e saiu ligeiro
Com um pacote, disse ao moço:
- Pronto amigo, seu dinheiro
Confira que está certo
Pois sou homem verdadeiro
Aí o Sabido disse:
- Ladrão se pega é assim
Você enganou o tolo
Mas foi lesado por mim
Vou metê-lo na polícia
Ladrão, safado, ruim
O hoteleiro caiu
Nos pés dele lhe rogando:
- Ó meu senhor não descubra
Disse ele: - só me dando
A metade do dinheiro
Que você ia roubando
O hoteleiro prevendo
A derrota em que caía
Além de ir pra cadeia
Perder toda freguesia
Teve que gratificar-lhe
Se não ele descobria
Foi ver os cinqüenta contos
No mesmo instante lhe deu
Outros cinqüenta do moço
Ele também recebeu
E disse: - nestas questões
Quem ganha sempre sou eu
E assim correu a fama
Do Sabido Sem Estudo
Quando ele possuía
Um cabedal bem graúdo
O rei logo indignou-se
Quando lhe contaram tudo
Disse o rei: - e esse homem
Sem nada ter estudado
Vive de vencer questão?
Isso é pra advogado
Vou botá-lo num enrasque
Depois o mato enforcado
O rei mandou o chamar
E disse: - eu quero saber
Se o senhor é sabido
Como ouço alguém dizer
Vou decidir sua sorte
Ou enricar ou morrer
Você agora vai ser
O médico do hospital
E dentro de quatro dias
Tem que curar afinal
Os doentes que lá estão
De qualquer que seja o mal
Se você nos quatro dias
Deixar-me tudo curado
De forma que fique mesmo
O prédio desocupado
Ganhará cinco mil contos
Se não será degolado
Está certo disse ele
E saiu dizendo assim:
- O rei com essa asneira
Pensa que vai dar-me fim
Pois eu vou mostrar a ele
Se isto é nada pra mim
E chegando no hospital
Disse à turma de enfermeiros:
- Vocês podem ir embora
Eu sou médico verdadeiro
De amanhã em diante aqui
Vocês não ganham dinheiro
Porque amanhã eu chego
Bem cedo aqui neste canto
Mato um destes doentes
E cozinho um tanto ou quanto
Com o caldo faço remédio
E curar os outros eu garanto
Foram embora os enfermeiros
E ele saiu calado
Os doentes cada um
Ficou dizendo cismado
- Qual será o que ele mata?
Será eu? Isto é danado!...
Outro dizia consigo:
- Será eu o caipora?
Mais tarde um disse: - E eu
Estou sentindo melhora
Outro levantou e disse:
- Estou melhor, vou embora
Um amarelo que estava
Batendo o papo e inchado
Lavantou-se e disse: - Eu
Estou até melhorado
Pois já estou me achando
Mais forte, gordo e corado
Já estou sentindo calor
De vez em quando um suor
Um doente disse: - Tu
Estás é muito peior
Disse o amarelo: - Não
Vou embora, estou melhor
E assim foram saindo
Cada qual para o seu lado
Quando chegava na porta
Dizia: - Vôte danado!
O diavo é quem fica aqui
Pra amanhã ser cozinhado
Um moço disse que ouviu
Um mudo e surdo dizer
Que um cego tinha visto
Um aleijado correr
Sozinho de madrugada
Já com medo de morrer
De fato um aleijado
Que tinha as pernas pegadas
Foi dormir, quando acordou
Não achou os camaradas
A casa estava deserta
E as camas desocupadas
Com medo pulou da cama
E as pernas desencolheu
Rasgou a "péia" no meio
E assombrado correu
Dizendo: - Fiquei dormindo
E nem acordaram eu!...
No outro dia bem cedo
O Sabido Sem estudo
Chegando no hospital
Achou-o deserto de tudo
Sorriu e disse consigo:
- Passei no rei um canudo
O Sabido Sem Estudo
Chegou no prazo marcado
Na corte e disse ao rei:
- Pronto já fiz seu mandado
Os doentes do hospital
Já saiu tudo curado
O rei foi pessoalmente
Percorrer o hospital
Não achando um só doente
Disse consigo afinal:
- Aquele ou é satanás
Ou um ente divinal
Deu-lhe o dinheiro e lhe disse:
- Retire-se do meu reinado
O Sabido Sem Estudo
Lhe disse: - Muito obrigado
Pra ganhar dinheiro assim
Tem às ordens um seu criado

                 F  I  M



















Coco Verde e Melancia
José Camelo de Melo Resende
Coco-Verde e Melancia
é uma história que alguém
quer sabê-la mas não sabe
o começo de onde vem
nem sabe os anos que faz
pois passam trinta de cem
Coco-Verde era filho
de Constantino Amaral
morador no Rio Grande
mas fora da capital
pois sua casa distava
meia légua de Natal
Porém seu nome era Armando
como o povo o conhecia
mas a namorada dele
essa tal de Melancia
a ele por Coco-Verde
chamava e ninguém sabia
Então dessa Melancia
Rosa era o nome dela
porém Armando em criança
se apaixonando por ela
para poder namora-la
pôs esse apelido nela
Portanto, seu nome é Rosa
seu pai Tiago Agostinho
de origem portuguesa
do pai de Armando vizinho
seus sítios eram defronte
divididos num caminho
Quando Rosa fez seis anos
e Armando a mesma idade
os pais de ambos trouxeram
um professor da cidade
para instruir as crianças
daquela localidade
Fizeram logo uma casa
sobre um alto, nela então
Rosa e Armando começaram
a receber instrução
junto com outros meninos
uns vizinhos outros não
Nessa escola começou
Armando a namorar Rosa
pois ela além de ser rica
era bastante formosa
inteligente e cortez
muito séria e carinhosa
Rosa tinha por Armando
uma grande simpatia
de forma que quando o mestre
dava nele ela sentia
o mesmo fazia Armando
quando ela padecia
Ao completarem dez anos
tanto Rosa como Armando
em lousas um para a outro
viviam se carteando
mas disfarçando que estavam
nota de carta apostando
Depois Armando temendo
que o mestre os descobria
figindo que amava as frutas
e nas notas que fazia
tomou como namorada
a chamada Melancia
Rosa também pelas frutas
fingiu amor desmedido
e tomou o Coco-verde
já para seu pretendido
porém o "Coco" era Armando
ele estava prevenido
Rosa estava prevenida
que a melancia de Armando
era ela, então assim
brincavam se carteando
diziam aos outros que estavam
notas de cartas apostando
Então defronte a escola
tinha uma pedra isolada
ficando ao lado direito
do poente da estrada
e dela não se avistava
dos pais de Rosa a morada
Armando muito sincero
quando da escola voltava
bem ao pé da dita pedra
satisfeito ele a esperava
e dali para diante
ele a Rosa acompanhava
Rosa ao fazer doze anos
o mestre um dia calado
levou todos os meninos
pra um salão reservado
ficando então as meninas
no seu salão costumado
Armando quando se viu
no salão longe de Rosa
não deu lição nesse dia
por não vê sua mimosa
o mestre então castigou-o
com sua mão rigorosa
Voltou Armando de tarde
no pé da pedra esperou
por Rosa quinze minutos
mas ela ali não chegou
e Armando vendo a demora
pra casa triste marchou
Mas Rosa no outro dia
deixou seus pais almoçando
e caminhou para a pedra
onde esperou por Armando
e quando Armando chegou
encontrou ela chorando
Armando lhe perguntou:
Rosa, diz-me o motivo
que te fez em me deixar
tão tristonho e pensativo?
diz-me se o nosso amor
já morreu ou inda está vivo?
Rosa chorando lhe disse:
foi o nosso professor
que não deixou-me voltar
por causa do nosso amor
dizendo que foi meu pai
que a ele fez sabedor
Disse-me mais que meu pai
lhe disse que não convinha
leu andar junto contigo
pois estou quase mocinha
portanto, só me deixasse
vir da escola sozinha
Armando lhe respondeu:
pois a coisa está ruim
como eu não posso ver
da nossa amizade o fim
vou ausentar-me desta terra
pra descansares de mim
- Amanhã em vou embora
para nunca mais voltar
pois minha presença aqui
talvez te faça penar
e mesmo não me convém
ver-te sem poder-te amar
Disse Rosa: tu assim
trazes pra mim um perigo
porque se fores embora
eu hei de acabar comigo
pois a vida só me serve
se eu me casar contigo
- Hoje não vejo quem tenha
força capaz de fazer
meu coração desprezar-te
antes prefiro morrer
pois pra tudo existe jeito
e o jeito eu vou dizer
- Esta pedra de hoje em diante
será pois a nossa agência
poderemos deixar nela
munidos de paciência
todo dia um para o outro
sincera correspondência
- Porque nosso amor precisa
nutrir as suas raizes
no coração um do outro
para vivermos felizes;
eis ai o meu destino
vê agora o que me dizes
Armando lhe respondeu:
pois deixo de ir-ma embora
porque o meu coração
te consagro nesta hora
e para que me acredite
eu vou te jurar agora
- Eu juro a Deus que jamais
te deixarei esquecer
um só instante em meu peito
e juro também sofrer
por ti qualquer desventura
que alguém queira trazer
- Juro mais que te pertencem
minh'alma, meu coração
e juro também por ti
desconhecer a razão
porque para defender-te
me sujeitarei a prisão
Rosa disse: em também juro
por ti ser forte e ativa
e o meu amor durar sempre
como esta pedra nativa
se eu não casar contigo
juro a Deus não ficar viva
- E se meu pai não quizer-te
como genro, inda te digo
daqui do pé desta pedra
juro a Deus fugir contigo
juro mais que meu amor
não obedece castigo
Nisto bateu a sineta
da escola, convidando
a entrada dos alunos
pois todos iam chegando
Rosa ai marchou com pressa
de parelha com Armando
Então depois desse dia
Armando quando passava
na pedra para a escola
uma carta encontrava
e Rosa encontrava outra
à tarde quando voltava
Quando Rosa ficou moça
se tornou inda mais bela
e Armando também rapaz
consultou então com ela
o que devia fazer
para pedi-la ao pai dela
Então Tiago Agostinho
não ficou surpreendido
pois que Rosa amava Armando
ele já tinha sabido
logo foi franco em dizer-lhe
que estava feito o pedido
Armando voltou contente
Tiago Agostinho então
procurou saber de Rosa
qual a sua opinião
se ela estava de acordo
receber de Armando a mão
Rosa lhe disse: meu pai
estou de acordo, sim
porque nasci para Armando
e Armando nasceu para mim
e digo logo ao senhor
que nosso amor não tem fim
Tiago disse consigo:
a cousa está enrascada
e se eu for muito ativo
afundarei a jangada!...
então respondeu-lhe rindo:
breve estarás casada
Combinou com sua esposa
com muita sagacidade
um jeito para acabar
aquela grande amizade
mas queria fazer isto
sem demonstrar má vontade
Mandou convidar Armando
na tarde do mesmo dia
e disse em vista dos dois
que o casamento faria
só com um ano depois
pois era quando podia
Logo Armando concordou
Rosa concordou também
Tiago disse consigo:
este acordo me convém
tenho tempo pra lutar
e espero sair-me bem
Com 2 meses depois disso
ele falou pra comprar
o sítio de Constantino
para Armando se mudar
se fazendo muito calmo
pra ninguém desconfiar
Então o pai de Armando
o Constantino Amaral
concordou vender o sítio
depois com o capital
buscar se estabelecer
com uma loja em Natal
Lhe disse Armando: meu pai
se me tiver como amigo
deixe de vender o sítio
pois como homem lhe digo
só sairei desta terra
levando Rosa comigo
- Depois do meu casamento
meu pai poderá vender
seu sítio, pois dessa vez
não terei o que dizer
mas agora fará isso
se não quiser me atender
Amaral lhe respondeu:
meu filho estás atendido
pois inda com sacrifício
eu te atendia o pedido
quanto mais que nosso sítio
ainda não está vendido
Tiago Agostinho vendo
que não podia comprar
o sítio de Constantino
para Armando se ausentar
procurou por outra forma
o casamento acabar
Chamou Armando e disse:
Armando, o teu casamento
não quero mais demorá-lo
vamos dar nosso andamento
e pra poupar-te as despesas
um negócio te apresento
- Eu tenho uns cortes de panos
arrematados num leilão
e queria que tu fosses
vende-los lá no sertão
com o lucro tu farás
toda tua arrumação
Armando logo aceitou
o negócio esclarecido
dizendo então que ficava
a Tiago agradecido
e com três dias partiu
de fazenda bem sortido
Tiago tinha dois filhos
sendo casado o primeiro
residiam em Mamanguape
então o filho solteiro
numa loja do irmão
servia como caixeiro
Assim que Armando partiu
Tiago Agostinho então
escreveu para seus filhos
com a maior precaução
dizendo que um viesse
executar a traição
Com quatro dias, a noite
chegou o filho solteiro
pronto para executar
o plano de traiçoeiro
Tiago antes da carta
interrogou-o primeiro
Pois perguntou ao filho:
o que tu andas fazendo
estas horas por aqui?
parece que vens correndo?
disse o filho: é sua nora
que deixei quase morrendo
- Meu irmão foi quem mandou
eu vir lhe participar
o estado da mulher,
para o senhor lhe mandar
a nossa irmã Rosinha
pra da cunhada tratar
- Com uma grande agonia
ontem quase ela tem fim
disse o doutor: ela morre
se chegar ter outra assim;
e meu irmão não confia
seu trato a gente ruim
- Então fretei uma barca
por desmedido valor
a qual se acha no porto
esperando quando eu for
e quero levar Rosinha
veja o que diz o senhor
Tiago lhe respondeu:
em mando que Rosa vá
e fico com muita pena
de não ir com vocês, já
porém depois de amanhã
talvez eu chegue por lá
- Mas mando logo uma carta
por vocês neste momento
onde meu filho verá
que fico em grande tormento
por saber que minha nora
está nesse sofrimento
Quando a carta estava feita
Rosa estava preparada
e acompanhada do mano
partiu em marcha apressada
pretendendo tomar a barca
As quatro da madrugada
Assim que os dois embarcaram
o remador que sabia
remou para Mamanguape
com prazer e alegria
aonde chegaram em paz
na manhã do outro dia
Quando no ponto saltaram
Rosa com o irmão dela
encontraram dois cavalos
um pro mano e outro pra ela
e um para o bagageiro
com cangalha e não com sela
O irmão montando Rosa
ela disse: eu entendia
que do porto a Mamanguape
meia légua não seria!
Lhe disse o irmão: é longe...
e montou sem mais profia
A cavalo em Mamanguape
chegaram ligeiramente
disse o irmão para Rosa:
isso aqui é S. Vivente
o bagageiro afirmou
e logo tomou a frente
Da cidade de Mamanguape
Rosa nada conhecia
e por isso acreditou
no que o irmão lhe dizia
e açoitando o cavalo
caminhou com alegria
As dez horas se serviram
de doce com queijo e vinho
e ao por do sol, o irmão
à Rosa disse baixinho:
Rosa, alviçaras, chegamos
na casa de teu padrinho!
Rosa bastante espantada
lhe respondeu: é mentira
meu padrinho aqui não mora
e se mora me admira
eu ter vindo a Mamanguape
e me achar em Guarabira
Mas logo no mesmo instante
ouviu a voz do padrinho
que dizia duma porta:
viva! chegou meu sobrinho
trazendo minha afilhada
pra sossego de Agostinho!
Vou deixar Rosa um instante
e dizer primeiramente
quem era o padrinho dela
e porque ficou contente
para ninguém não dizer
que não ficou bem ciente
Esse padrinho de Rosa
era irmão do pai dela
seu nome, Pedro Agostinho
sua esposa Florisbela
e foi um dos mais antigos
que Guarabira viu nela
Então Tiago Agostinho
combinou com seu irmão
botar Rosa em sua casa
por meio duma traição
e para poder fazer
mandou Armando ao sertão
Rosa que não conhecia
de Guarabira o caminho
deixou-se ir inocente
para a casa do padrinho
onde lhe veio a lembrança
dum ardil mais que mesquinho
Por isso quando ela entrou
na casa disse ao irmão
que lhe quisesse explicar
daquilo tudo a razão
pois lhe estava parecendo
um golpe de traição
Lhe disse o irmão: Rosinha
vou te dizer a verdade
é pra tu deixares aqui
de Armando aquela amizade
pois meu pai só deu-lhe o sim
temendo uma falsidade
- Para que tu não fugisse
meu pai deu a ele o sim
porque se assim não fizesse
a coisa estava ruim
pois uma amizade grande
é bem custoso ter fim
- Por isso ele ordenou-me
eu te trazer inocente
para aqui, porque aqui
jamais encontrarás gente
por quem tu possas mandar
fazer a Armando ciente
Logo Rosa respondeu-lhe:
porém meu pai bem podia
quando Armando me pediu
dizer-lhe que não queria
porque um homem de bem
odeia a hipocrisia
- Se eu soubesse que meu pai
era assim tão fementido
jamais deixaria Armando
ter minha mão lhe pedido
visto que aeu não era digna
de te-lo como marido
- Para mim comete um crime
a filha dum traiçoeiro
que quer se fazer esposa
dum honrado cavalheiro
pois a honra é luz nas trevas
a traição não tem luzeiro!
- Portanto, eu não deveria
encher de amor um senhor
filho de um pai honrado
sendo o meu um traidor
terei remorso por isto
vergonha, susto e temor
- Ma se ainda ver Armando
juro dizer-lhe a verdade
que não serei dele esposa
devido esta falsidade
mas serei dele cativa
se ele tiver-me amizade
Agora encerro este assunto
porque preciso dizer
o que foi que o pai de Rosa
procurou logo fazer
na hora que ela saiu
antes do dia romper
Assim que Rosa saiu
o pai pegou um vestido
dos que ela em casa deixou
e fê-lo em sangue embebido
dum cabrito que sangrou
lá num recanto escondido
Fazendo o vestido em tiras
desceu um despenhadeiro
até chegar num riacho
aonde havia um banheiro
então semeou as tiras
ao poente do ribeiro
E com o resto do sangue
do cabrito que sangrou
ele encostado ao banheiro
a maior porção jogou
depois perto e mais longe
outras porções derramou
As seis horas da manhã
ele muito disfarçado
fez uma grande balburdia
gritando desesperado
dizendo ao povo que Rosa
um tigre havia pegado
Logo todos os vizinhos
acudiram com presteza
seguindo em busca do tigre
com desmedida afoiteza
porque a morte de Rosa
os sinais davam certeza
Com bons cachorros de caça
os homens da vizinhança
na mata o dia passaram
com sede de uma vingança
e não encontrando indício
voltaram sem esperança
Tiago Agostinho tinha
um negro de confiança
no mesmo dia de tarde
chegou-lhe à sua lembrança
de mandar o dito negro
enganar a vizinhança
No outro dia de tarde
o negro saiu dizendo:
que tinha andado na mata
e num lugar mais tremendo
encontrou o corpo de Rosa
porém num estado horrendo
Então Tiago Agostinho
com as mãos cobrindo a face
em presença dos vizinhos
disse ao negro que voltasse
ao lugar que estava o corpo
e lá mesmo sepultasse
Uma sepultura falsa
naquela mata esquisita
e negro formou sozinho
com precaução inaudita
e no dia imediato
houve ali grande visita
Logo Tiago e a esposa
vestiram luto fechado
e se espalhou a sinistra
notícia, pra todo lado
até que Armando sabendo
voltou bastante vexado
Quando chegou foi à cova
em visita fazer
na cova deu-lhe um desmaio
que andou perto de morrer
passou depois oito dias
sem quase nada comer
Com um mês não parecia
coitado, ser ele Aramando
pois não comia e passava
noites inteiras vagando
nas estradas sem destino
tristonhamente chorando
E na pedra onde Rosa
amor lhe havia jurado
uma noite muito tarde
ele na pedra ajoelhado
derramou mais duma hora
o seu pranto amargurado
Depois de ter pranteado
tristonho balbuciou
dizendo: neste lugar
foi que Rosa a mim jurou
seu amor, uma manhã
mas coitada, se acabou!
- Portanto, o dever me ordena
ir naquela mata escura
e tirar os ossos dela
de dentro da sepultura
e em cima deles matar-me
para cumprir minha jura
Armando ai como um louco
para a mata caminhou
chegando na cova de Rosa
a terra fora jogou
e ficou mais que surpreso
já quando nada encontrou
Sem chorar refez a cova
consigo mesmo a dizer:
aqui existe um mistério
e se Deus me favorecer
haverei de desvendá-lo
pois é este o meu dever
Noutro dia disse ao pai:
meu pai me faça um pedido
de vender seu sítio agora
pois eu estou resolvido
ir morar no Piaui
visto Rosa ter morrido
Amaral foi a Tiago
vendeu o sítio e saiu
e Armando de Tiago
tristonho se despediu
figindo chorar por Rosa
Tiago oculto sorriu
Armando no Piaui
disse ao pai: meu pai, agora
vou dizer-lhe um segredo
que o senhor ignora
olhe, Rosa não morreu
o certo qu'ela está fora
- O pai em minha ausência
preparou uma cilada
pois cavei a cova dela
dentro nõ encontrei nada
Amaral sabendo disso
teve uma raiva danada
Porém Armando lhe disse:
meu pai, não tenha vexame
pois Rosa aonde estiver
talvez ainda me ame
portanto, o senhor escreva
uma carta àquele infame
- Essa carta irá tarjada
lhe dizendo que morri
com um mês e oito dias
que cheguei no Piauí
e ele acreditará
sem mandar ninguém aqui
Como de fato, Amaral
para Tiago escreveu
uma carta onde mostrava
ser sincero amigo seu
narrando a morte de Armando
como melhor entendeu
Oito meses já faziam
que Rosa tinha saido
e que Aramando se mudara
ela não tinha sabido
como também da cilada
da onça haver lhe comido
Coitada, da terra dela
ela não via um vivente
empora que seu padrinho
já estava bem ciente
de tudo que se passou
só ela estava inocente
Rosa então se comparava
a uma prisioneira
procurava ninguém vê-la
e chorava a vida inteira
numa sombra projetada
por uma guabirabeira
Chorando dizia ela:
oh! meu Deus, oh! pai clemente
trazei conforto e consolo
a uma pobre inocente
que sem fazer mal a ninguém
vive a sofrer cruelmente!
- Consenti Senhor, que 1 anjo
produza um sonho a Armando
que me veja assim tão triste
constantemente chorando
pra ele ficar sabendo
que vivo nele pensando
Tiago tendo a certeza
que Armando tinha morrido
sorrindo disse à mulher:
fui muito bem sucedido
pois ganhei numa empresa
que me julgava perdido
Foi a todos os vizinhos
lhe dizendo a falsidade
que tinha feito com Rosa
devido aquela amizade
pois sabia que Aramando
morria na flor da idade
Logo mandou buscar Rosa
que com seis dias chegou
então foi quando ela soube
de tudo que se passou
depois da morte de Armando
a carta o pai lhe entregou
Rosa quando viu a carta
pôs-se a chorar sua sorte
ela quando leu a carta
deu-lhe um desmaio tão forte
que passou quase uma hora
sob o domínio da morte
Mas depois que melhorou
disse ao pai bastante irada:
meu pai, a morte de Armando
fez-me uma desgraçada
porém juro que não tarda
eu também ser sepultada
- O Senhor foi o culpado
desta desgraça fatal
com mentiras criminosas
fez Constantino Amaral
vender seu sítio e sair
fazendo a Armando esse mal!
- Mas juro, enquanto for viva
viver coberta de luto
pois a lembrança de Armando
tem no meu peito um reduto
juro não partir com outro
meu amor absoluto!
Rosa depois desse dia
tomada pelo desgosto
uma mortal palidez
apareceu no seu rosto
e de Santa Madalena
fez-se o modelo composto
Vendo os seus pais o desgosto
começaram a ter receios
então para distraí-la
empregavam muitos meios
até mesmo ordenando
que ela fizesse passeios
Mas Rosa não pesseava
se comprazia em chorar
vivendo sempre num quarto
sem querer se alimentar
a bem da alma de Armando
levava a vida a rezar
Armando no Piauí
sonhou chegar-lhe um rapaz
que tinha a vestes douradas
cabelos louros pra traz
e para fitar-lhe o rosto
ninguém seria capaz
Armando lhe perguntava:
quem és tu? Donde vieste?
o rapaz lhe disse: eu sou
um mensageiro celeste
mas venho daquela pedra
onde uma jura fizeste
- Como eu fui testemunha
daquela grande amizade
que juraste a uma jovem
como doze anos de idade
venho então da parte dela
te dizer uma verdade
- Essa moça por ti vive
constantemente a chorar
e és tu que deverás
o pranto dela exugar
se não um dia o seu pranto
virá também te molhar
Armando nisso acordou
aflito e muito suado
parecendo ainda ouvir
uma voz dizendo ao lado
é necessário que cumpras
o que por ti foi jurado!
Armando disse chorando:
que coisa misteriosa!
pois bem, embora eu caia
numa falta criminosa
farei Tiago dizer
onde foi que botou Rosa
E sem demora embarcou
pro Rio Grande do Norte
destinado a encontrar Rosa
e toma-la por consorte
disposto a morrer lutando
a favor de sua sorte
Trouxe consigo um caboclo
homem sério e destemindo
então contou-lhe na viagem
o que tinha acontecido
e o amor dele por Rosa
de quando havia nascido
Tiago buscou fazer
na noite de S. João
um briquedo em sua casa
com grande reunião
para ver se Rosa achava
naquilo uma distração
Saltou Armando em Natal
nessa noite de S. João
e sobre a vida de Rosa
teve exata informação
então projetou fazer
a Tiago uma traição
Às onze horas da noite
quando Tiago Agostinho
servia seus convidados
algumas taças de vinho
viram dois vultos passar
ao poente do caminho
Não precisa que eu diga
que um vulto era Armando
e o outro era o caboclo
que vinha lhe acompanhando
e para se disfarçarem
caminhavam conversando
Armando logo avistou
sua amante idolatrada
muito magra e diferente
sem companheira, sentada
num banco em frente a fogueira
de luto desconsolada
Vendo Armando o seu estado
tão tristonha a meditar
sentiu tanta comoção
que começou a chorar
quis parar, mas o caboclo
mandou ele caminhar
Armando exugou os olhos
lhe veio então a lembrança
ir na pedra onde Rosa
ainda muito em criança
jurou de fugir com ele
com uma voz firme e mansa
Chegando Armando na pedra
depois de bem refletir
ensinou ao caboclo
como ele podia ir
levar um recado a Rosa
sem ninguém lá pressentir
O caboclo disse a ele:
pode ficar descansado
que eu já estudei um plano
para lhe dar o recado
e tenho toda certeza
que vai dar bom resultado
E sem demora seguiu
e logo chegou contente
no terreiro de Tiago
chamando o povo parente
se aproximou de Rosa
e lhe pediu aguardente
Quando bebeu aguardente
se aproximou da fogueira
dizendo então que cantava
cantigas de capoeira
o povo então fez com ele
animada brincadeira
Por fim o povo pediu
para o caboclo cantar
o caboclo bebeu mais
e depois de se sentar
com esta estrofe seguinte
entendeu de começar
- Eu venho de muito longe
do pé duma grande serra
acompanhado de alguém
mas não venho fazer guerra
vim dizer a Melancia
Coco-Verde está na terra
Rosa ouvindo essa conversa
teve um susto de tremer
e conheceu que o caboclo
procurava lhe dizer
um segredo que só ela
era capaz de saber
O caboclo conhecendo
que Rosa tinha ficado
como que sobre-saltada
olhando para o seu lado
resolveu a se calar
para ver o resultado
Mas logo Rosa lhe disse:
seu peito não é ruim
portanto cante de novo
faça esse pedido a mim
o caboclo fitou ela
e seguiu dizendo assim:
- Eu não tenho o que cantar
e outra que estou vexado
pois cheguei agora mesmo
inda não estou descansado
só vim dar de Coco-Verde
a Melancia um recado
- Se não fosse grande amigo
de alguém que ficou chorando
não me atrevia trazer
o recado que estou dando
Melancia, Coco-Verde
está na pedra esperando
Rosa fitando o caboclo
levantou-se sem demora
dizendo que ia dormir
o quarto fechou por fora
e para o lado da pedra
caminhou na mesma hora
Chegando perto da pedra
avistou um vulto junto
disse Rosa ao vulto:
responde o que te pergunto
se és anjo ou fantasma
se és vivo ou defunto?
O vulto lhe respondeu:
não tenha medo, querida
que sou Armando Amaral
a quem julgavas sem vida
venho plantar em teu peito
uma esperança perdida
Gritou Rosa: meu Armando
me escuta por caridade
eu te tinha como morto
meu Deus, que felicidade!
Jesus teve dó de mim
e descobriu-me a verdade
Logo Armando abraçou-a
louco de amor e chorando
Rosa sem poder falar
deu-lhe um beijo soluçando
quando viram o caboclo
vinha apressado chegando
Dando o braço Armando a Rosa
lhe disse: vamos querida
confia no meu critério
pois tu és a minha vida
Rosa só fez responder-lhe:
por Deus fui favorecida
Na mesma noite em Natal
saltaram em uma casa
sob a proteção dum vento
soprando de popa à proa
até chegarem em Macau
fizeram viagem boa
Saltando Armando em Macau
deu ligeiro andamento
a se esposar com Rosa
cumprindo seu juramento
e o padre da freguezia
celebrou o casamento
E escreveu a Tiago
uma carta que dizia:
"senhor Tiago Agostinho
me desculpe a ousadia
de eu carregar sua filha
para minha companhia"
"Eu sou Armando Amaral
a quem o senhor julgava
estar morto para sempre
como a carta lhe afirmava
aquilo foi para eu ver
se Rosa ressuscitava
Abrindo a cova da mata
descobri sua traição
porém gurdei o segredo
até nesta ocasião
porque já tenho a certeza
que não perdi a questão"
Vinte dias já faziam
que Rosa tinha saido
então ninguém não sabia
pra onde ela tinha ido
pelo qual já se julgava
que ela tinha morrido
Em busca dela Tiago
andava constantemente
mas para dar-lhe notícia
não encontrava um vivente
quando recebeu a carta
ficou de tudo ciente
Tiago muito zangado
pensando disse consigo:
é muito exato o adágio
usado no tempo antigo
"o amor quando é sincero
zomba do seu inimigo"
Então a felicidade
veio em socorro de Armando
enricou sem proteção
só com Rosa lhe ajudando
e Tiago arrependido
lhe pediu perdão chorando
Viveu Armando com Rosa
na mais perfeita harmonia
brincando Armando chamava
a ela de Melancia
e ela a ele Coco-Verde
mais a amizade crescia!
Já demonstrei nesta história
O amor o quanto é:
Só o amante sem fé
Esmorece sem vitória!
Conservem pois na memória
A opinião de Armando:
Mostrou seu amor lutando
E conseguiu triunfar
Luto só fez assombrar
O namorado nefando!
              F  I  M


Nos Caminhos da Educação
Moreira de Acopiara
Eu já escrevi cordéis
Falando de Lampião,
Frei Damião, padre Cícero
E outros mitos do sertão,
Mas agora os versos meus
Serão sobre educação.
Só que eu não vou fazer isso
Por causa de um bom palpite,
Mas porque um professor
Me fez o feliz convite.
E sabendo que na vida
Todos temos um limite.
E esse professor me disse:
Bom Moreira, não se enfeze!
Quero que escreva um cordel
Que não tenha tom de tese,
Sobre educação, pra ser
Distribuído no SESI.
Achei a iniciativa
Ser por demais pertinente,
Até porque no Nordeste,
Num passado bem recente,
Cordel alfabetizou
E informou bastante gente.
É que os cordéis sempre são
Histórias bem trabalhadas,
Possuem linguagem fácil,
Estrofes sempre rimadas,
Versos sempre bem medidos,
Palavras cadenciadas.
E eu que nasci no sertão
E no sertão fui criado,
Estou à vontade, pois
De casa para o roçado
Foi através do cordel
Que fui alfabetizado.
E quando fui para a escola
Já tinha boa noção.
Hoje, após ler muitos livros
Já cheguei à conclusão
De que é muito relativo
O assunto EDUCAÇÃO.
Pois já vi analfabetos
Excelentes lavradores,
Pedreiros e carpinteiros,
Ourives, mineradores,
Homens rudes, é verdade,
Mas que têm os seus valores.
Por outro lado, já vi
Gente que se diplomou
E não sei por quais razões
No tempo estacionou;
Não conseguiu progredir
Porque não se reciclou.
Acho também que os humanos
São, de algum modo, educados;
Para algum ofício foram
De algum modo preparados,
Mesmo aqueles que não foram
Ainda alfabetizados.
Por exemplo: um índio velho,
Que de um silvícola não passa,
Ele não foi à escola,
Mas canta, dança, faz graça,
Faz a roça, planta, limpa,
Colhe, coze, pesca e caça.
Sabe construir um arco,
Sabe limpar seu terreiro,
Sabe cuidar da família,
Ajudar um companheiro,
Construir um barco, um teto
E sabe ser um guerreiro.
Ele conhece um remédio
Que alivia a sua dor,
Conhece as plantas, os bichos,
Os ofícios do amor...
E para aprender tais coisas
Teve um orientador.
Se amanhã um acadêmico
Precisar ser deslocado
Até uma grande aldeia
Não vai ter bom resultado.
Pelos homens da floresta
Tem que ser reeducado.
Mas nós somos preparados
Desde pequenos pra ser
Eternos competidores,
E quem possui mais saber
No mundo modernizado
Tem mais chance de vencer.
E nós agora vivemos
Num mundo globalizado
Onde todo ser humano
Deve ser bem informado.
Mas antes disso é preciso
Que seja alfabetizado.
Como disse Paulo Freire,
Um homem muito sabido:
Educação e cultura
Dão à vida mais sentido!
E educar é libertar
De uma vez o oprimido.
O oprimido só sofre
Porque não tem condição
De se defender dos laços
Perversos da opressão.
E o opressor só oprime
Por não ter educação.
Um analfabeto é,
A meu ver, um sofredor
Que é facilmente oprimido.
Mas já disse o professor:
“A educação liberta
Oprimido e opressor”.
Eu estou muito à vontade
Para entoar tal refrão
Porque também já senti
Os efeitos da opressão
Num momento em que eu não tinha
Acesso à educação.
O nosso Brasil possui
Dimensões continentais;
Tudo que se planta dá,
Tem riquezas naturais...
Cidadãos analfabetos
Já não se admite mais.
E o homem que quer crescer,
Nas mais ricas fontes bebe.
E torna-se tudo ou nada
(é o que a gente percebe)
Conforme a educação
Que no caminho recebe.
Nós temos infra-estrutura
E um sistema competente,
Escolas direcionadas
À população carente...
Quem sabe ler vê o mundo
Com uma visão diferente.
O governo federal
Já está determinado:
Disponibilizou verbas
E quer como resultado
Em poucos anos o grande
Brasil alfabetizado.
Todo mundo acha bonito
Aquele que sabe ler,
Sabe interpretar um texto,
Se expressar bem e escrever.
Desse modo a vida fica
Muito melhor de viver.
Mas eu conheço também
Quem só sabe escrevinhar,
Mas um texto, mesmo simples
Não consegue interpretar.
Esses são analfabetos,
Devem se alfabetizar.
O ser humano é capaz,
Tem muita desenvoltura!
Portanto, leia, se envolva
Com boa literatura
Porque bons livros nos trazem
Educação e cultura.
Os homens de mais sucesso
Devoram a matemática,
Consultam bons dicionários,
Conhecem bem a gramática,
Sabem escutar os mestres
E têm noções de informática.
São cuidadosos e vivem
Permanentemente lendo.
As novidades que surgem
Eles já ficam sabendo
E têm mais condições de
Continuar aprendendo.
E você, se agir assim,
Na vida vai render mais;
Leia bons poemas, contos,
Boas revistas, jornais...
Os romances brasileiros
São também fundamentais.
Mas não bote na cabeça
Que você tem que ler tudo.
Não precisa! Escolha uns temas
Que sejam bom conteúdo
E sobre esses temas faça
Um minucioso estudo.
O bom leitor é aquele
Que lê um texto e entende;
Já disse Guimarães Rosa:
“Bom guerreiro não se rende.
Mestre não é quem ensina,
Mas quem de repente aprende”.
                    F  I  M





















JESUÍNO BRILHANTE. 
Braço avançado da justiça.
Gonçalo Ferreira da Silva
A vida de Jesuíno
apresenta-se humana
depois que saiu perfeita
ao cabo de uma semana
do prodigioso bico
da pena gonçaliana.
Para dar fidelidade
ao cuidadoso relato
da produção deste texto
sou imensamente grato
à Aglae, Mestre Cascudo
e a Raimundo Nonato.
Ao longo da narrativa
por natureza empolgante
em razão do nosso estilo
envolvente e fascinante
veremos parte da vida
de Jasuíno Brilhante.
De posse de dados tais
o meu nervoso sistema
repousou como tocado
por inspiração suprema
e ao cair do crepúsculo
estava pronto o poema.
Ao longo da narrativa
minha região vivia
a saudade evanescente
dos tempos idos sentia
e a sensação de nordeste
me fazia companhia.
Eu tenho quase certeza
que o próprio Jesuíno
sentia o mesmo que sinto
quando fatal desatino
mudou-lhe as regras do jogo,
modificou seu destino.
No sítio Tuiuiú
de Patu bem afastado
então Vila Potiguá
foi nascido e batizado
o menino Jesuíno
Alves de Melo Calado.
Cresceu sempre demonstrando
ter apurado juízo,
empunhando a baladeira
tinha arremesso preciso
e no rosto iluminado
um permanente sorriso.
Evidenciava forte
sentido de liderança
espírito aglutinador
talvez ancestral herança
qualidades reveladas
desde os tempos de criança.
Tornou-se assim Jesuíno
por todos muito querido
e em todo o Rio Grande
do Norte reconhecido
e nos locais que chegava
festivamente aplaudido.
Famoso por proteger
famílias abandonadas,
pobres velhos indefesos,
viúvas desamparadas,
crianças desprotegidas
e donzelas ultrajadas.
Quando na rua da amargura
um sujeitinho galante
deixava uma pobre jovem
seu pai no seguinte instante
levava ao conhecimento
de Jesuíno Brilhante.
Pelo fundilho das calças
Jesuíno prontamente
levava o engraçadinho
e dizia sorridente:
_Chamem um padre e os casem
enquanto eu estou presente.
Assim Jesuíno tinha
de todos a simpatia,
pregava a fraternidade
distribuía alegria
trocava abraços fraternos
em toda parte que ia.
Foi Jesuíno Brilhante
acolhedor e distinto
respeitador dos princípios
pela nobreza do instinto
amava os dez mandamentos
e só transgrediu o quinto.
O cangaceiro romântico
foi-lhe nome apropriado
mesmo tendo sido apenas
mais um grande predicado
dos muitos que conquistou
o nosso biografado.
Tinha aversão a ladrão
por roubar a coisa alheia
e achava a ladruagem
uma atitude tão feia
que o lugar de ladrão
para ele era a cadeia.
Vamos porém aos motivos
que fez esse brasileiro
tão solidário com o mundo
tão fraterno e tão ordeiro
abraçar a perigosa
carreira de cangaceiro.
Raimundo Nonato informa
que houve uma diferença
dos Limões com Jesuíno
com muita troca de ofensa
que acabou finalmente
numa grande desavença.
A família dos Limões
não era de tolerar
insulto de rico ou pobre
muito menos de levar
desaforo ou ódio para
o aconchego do lar.
Conhecidos como negros
por todo o grande sertão
os Limões eram tratados
com tal discriminação
é tanto que o repentista
chamavam "Preto Limão".
Já os Limões como aquele
autor de muitos martelos
subestimavam os Brilhantes
chamando-os de amarelos
desclassificação que
provocou muitos duelos.
O furto de uma cabra
que pertencia aos Brilhantes
alimentou mais o ódio
que já existia antes
e os confrontos mortais
também muito mais constantes.
Jesuíno e os irmãos
empreenderam a procura
ao caprino que sumiu
e o acharam em certa altura
na panela dos Limões
já na primeira fervura.
Depois de uma enxurrada
de palavrões nordestinos
deu Jasuíno uma surra
oportuna no meninos
e a recomendação
de não roubar seus caprinos.
Não houve perdas humanas,
não calou nenhuma voz,
nem Jesuíno Brilhante
se transformou num algoz
mas o ódio entre as famílias
ficou muito mais feroz.
E Jesuíno Brilhante
continuou seu destino
de protetor da pobreza
e em qualquer desatino
causado por valentões
davam parte a Jesuíno.
Depois que formou o grupo
por reiteradas vezes
disse para seus capangas:
_Vamos pedir aos fregueses
donos de propriedades
que nos arranjem umas reses.
Abatia um boi de corte
cuja carne dividia
com os moradores pobres
que na vizinhança havia,
o que sobrava salgava
nos matulões conduzia.
Jesuíno era de fato
um líder por excelência
e o grupo lhe rendia
a mais cega obediência
pelas provas demonstradas
de soberba competência.
Gustavo Barroso informa
em matéria colossal
ataque de Jesuíno
à cadeia de Pombal
na Paraíba causando
inquietação geral.
No ano mil oitocentos
e setenta e quatro, presos
alguns capangas ficaram
completamente indefesos
mas se evadiram dois anos
depois totalmente ilesos.
Numa operação brilhante
de Jesuíno Brilhante
libertou quem estava preso
naquela ação fulminante
que exigiu o concurso
duma cabeça pensante.
O primeiro assassinato
que praticou Jesuíno
e que mudaria o curso
natural do seu destino
foi vingando o seu irmão
não por instinto assassino.
O grupo de Jesuíno
sou muito franco em dizer
era pequeno mas certo
do que devia fazer
daqueles que matam ou morrem
pois nada tem a perder.
Eram oito os componentes
do seu primeiro escalão
Manuel Tal, o Cachimbo,
Canabrava, homem de ação
Monteiro, Manoel Lucas,
João Alves o seu irmão.
Manoel Lucas de Melo
por Pintadinho tratado,
o duro Raimundo Ângelo
por Latada apelidado
era por tais elementos
que o grupo era formado.
Este grupo impregnado
de furor descomunal,
tendo o senso de justiça
como fator principal
arrebentou as paredes
da cadeia de Pombal.
Raimundo Nonato afirma
e chega a jurar até
que Jesuíno Brilhante
nosso cangaceiro é
de mil oitocentos e
quarenta e quatro e dá fé.
Já mil oitocentos e
quarenta e três em a vida
de Jesuíno Brilhante
por Nonato é desmentida
por ser data discordante
daquela aqui referida.
Testemunhada por rica
e silenciosa estante
que nos mostrou solidária
cada conturbado instante
da vida e das aventuras
de Jesuíno Brilhante.
O pai, João Alves de Melo
estimado no local
rico latifundiário
tinha domínio total
como líder militante
do partido liberal.
A mãe Dona Alexandrina
era uma mulher prendada
às responsabilidades
da casa compenetrada
e aos cuidados dos filhos
verdadeira devotada.
Teve o casal cinco filhos
constituídos assim:
quatro homens e uma moça
e Lucas nasceu no fim
os demais, além de Lúcia
João, Jesuíno e Joaquim.
Cresceram juntos, alegres
e extremamente felizes
nas escolas patuenses
sem desvios, sem deslizes
juntos com outras centenas
de pequenos aprendizes.
Sem qualquer falso elogio
mas verdade cristalina
Jesuíno era brilhante
e ainda teve a boa sina
de, adulto, se casar
com Maria Carolina.
Até mil e oitocentos
e setenta a figura
de Jesuíno Brilhante
era de boa criatura
sem qualquer necessidade
de exibir sua bravura.
Do seu feliz casamento
com Maria Carolina
a primeira Filomena
extremamente ladina
depois Francisca, João
e porfim Alexandrina.
Era Jesuíno, o homem
de grande amabilidade
cativante e envolvente
com muita facilidade
criava em torno de si
grande círculo de amizade.
No entanto o episódio
de fato surpreendente
ocorreu quando Brilhante
foi propositadamente
soltar em Pombal um preso
que ele achava inocente.
Depois de viajar muito
em terrível lamaçal
pois o tempo era chuvoso
do sertão à capital
chegou Jesuíno à noite
à cidade de Pombal.
Num silêncio conferido
ao ardiloso felino
Brilhante entrou na cadeia
e de modo repentino
chocou-se com um sujeito
supostamente assassino.
numa luta suicida
mas sem emissão de voz
os dois homens se agarraram
numa decisão feroz
os dois sem arma nenhuma
escravizada no cós.
Brilhante em dado momento
pensou: _Decretei meu fim
este homem ao que parece
é superior a mim
nem eu que sou ambidestro
não sou tão perfeito assim.
Continuando na mesma
linha de raciocínio:
_Golpes certeiros assim
só davam finado Ermínio,
o meu querido irmão Lucas
e o falecido Virgínio.
Em plena luta ele teve
a brilhante inspiração
de gritar: _Caro irmão Lucas
e na mesma ocasião
viu que o lutador feroz
era Lucas seu irmão.
Os dois emocionados
depois de um longo abraço
Jesuíno disse a Lucas
faça do jeito que eu faço
lute da forma que eu luto
mas não entre no cangaço.
Outro episódio que ainda
nos causa admiração
ocorreu com Jesuíno
da noite na escuridão:
uma cobra cascavel
se aninhou no seu calção.
Ele ficou nove horas
sem ter como se mexer
Jesuíno dessa vez
só escapou de morrer
porque a mortal serpente
não se lembrou de morder.
Dormiu no pé da barriga
como quem está num tronco
ou como quem sente o clima
do início do outono
ao cabo de nove horas
foi que despertou do sono.
Deslizou suavemente
ganhando o mato fechado
e deixando o coração
do bandido aliviado
e o corpo entorpecido
de tanto tempo parado.
O fim da vida do grande
bandoleiro Jesuíno
o cangaceiro romântico
se deu pelo assassino
Preto Limão, um sujeito
cruel, audaz e ferino.
O ano mil setecentos
e setenta e nove ia
nos últimos dias de dezembro
e Jesuíno saía
da casa de pedra onde
por tempos permanecia.
Entre Caraúbas e
Campo Grande no lugar
chamado de Santo Antonio
foi Jesuíno enfrentar
peito a peito o inimigo
para morrer ou matar.
Encomendara uma sela
a conhecido seleiro
este no dia de entrega
fingindo-se cavalheiro
inventou um artifício
vil e muito traiçoeiro.
Numa demora estudada
pormenorizadamente
não trouxe a sela esperando
o tempo suficiente
a que os Limões chegassem
de modo surpreendente.
O ataque aconteceu
de modo tão fulminante
cem tempo que permitisse
a Jesuíno Brilhante
esboçar qualquer defesa
morrendo no mesmo instante.
Jesuíno foi cumprir
espiritual destino
porém até nossos dias
todo o sertão nordestino
tem grata recordação
do seu herói Jesuíno.
                  F  I  M


















Quilombolas. 
A Revolta dos Escravos.
Autor: J. Victtor
A Terra antigamente,
Muito antes de Pompéia,
Diferenciava muito
Da nossa atual idéia,
Em continentes colados
Denominados Pangéia.
A África e América
Do Sul, aqui no Brasil,
Distanciaram no tempo
Depois que tudo expandiu
Formando nosso planeta;
E a crosta assim dividiu.
A raça humana foi
Do continente africano
Originária primeiro,
Disso ninguém tem engano;
Seu sangue corre nas veias
De qualquer um ser humano.
O europeu na ganância,
Saiu do seu continente
Escravizando os povos,
Se achando inteligente,
Ignorando que os negros
Foram a origem da gente.
Então se estabeleceram
Para futura empreitada,
Conquistando o litoral
Com sua forte armada,
Desbravando matas virgens
Que ia sendo cortada.
Precisavam mão-de-obra,
Trazendo então prisioneiros;
Da África vieram os
Grandes navios Negreiros
E nas viagens sofridas
Poucos chegaram inteiros.
Com a grande escravatura
E o vil comércio humano,
Condições desrespeitosas
Sob um jugo tirano,
O negro zarpou pras matas
Em bandos a cada ano.
Os escravos brasileiros,
Muitos vindos de Angola,
Sofriam sérios maus-tratos,
Desconheciam escola;
Fugiram para formar
Uma nação quilombola.
Eram quarenta escravos
muito bem amotinados
Num engenho em Porto Calvo,
Onde outros confinados,
Assassinaram feitores
E correram apressados.
Escaparam para a Serra
Da Barriga e deixaram
A casa grande queimada;
Quarenta dali zarparam
Dando início aos quilombos,
Onde se multiplicaram.
Já no século XVII,
O quilombo dos Palmares
Tinha organização,
Ruas, engenhos e lares,
Fundindo religiões
Que dividiam altares.
Não tinham somente a caça
Como fonte de alimento;
Dominavam a agricultura,
Todo seu procedimento,
Milho, batata, feijão
E talvez um condimento.
Sem haver segregação,
Acolhiam os oprimidos;
Negro, mestiço ou branco
E todos os foragidos
Aumentavam os quilombos
E ficavam agradecidos.
O roubo e deserção,
Homicídio e adultério,
Eram punidos com o
Ingresso pro cemitério
Do elemento que não
Levasse isto a sério.
Sua comunicação
Fora toda misturada;
Português e Africano
O Índio também falava;
Fundindo então os três
A compreensão se dava.
O quilombo era de
Cidades constituído,
Talvez dez, vinte ou trinta,
Totalmente guarnecido,
Sendo cada cidadão
Guerreiro bem instruído.
Não demorou muito pra
Serem então perseguidos
Por grupos de portugueses,
Com índios fortalecidos;
Mas estes decepcionados,
Voltavam muito abatidos.
Quando chegou nos mocambos
Ganga Zumba unificou
A força dos povoados
E líder ele tornou,
Ganhando poder força
Que bravamente honrou.
Em 1630,
Por causa da invasão
Holandesa em Pernambuco,
Tiveram eles então
Breve alívio, estancando
Aquela perseguição.
Mas logo os holandeses
Os perseguiram nas matas,
Por entre penhascos altos,
Rios e grandes cascatas,
Colecionando insucessos
Que sucederam as bravatas.
Ganga Zumba era forte
E homem muito valente;
Queria negociar
Pois era inteligente,
Mas foi pelos portugueses
Traído covardemente.
Após a morte de Ganga,
A liderança passou
Para o sobrinho Zumbi,
Que logo se destacou
Pelos feitos corajosos
E táticas que usou.
Tinha estratégia de guerra
E grande habilidade,
Se apoderando de armas,
Mostrando agilidade;
Armando os quilombolas
Com muita propriedade.
A cidade Subupira
Era o quartel-general,
Rechaçando os ataques
De forma muito letal,
Deixando impressionada
A Corte de Portugal.
A Coroa portuguesa
Pediu séria providência
Para travar uma guerra
Contra aquela insurgência,
Mas os quilombolas tinham
De guerra muita ciência.
Para dar cabo dos negro,s
Chamaram um bandeirante
Experiente e brutal,
Guerreiro repugnante;
E Domingos Jorge Velho
Era cruel o bastante.
Aquela grande cidade
De trinta mil habitantes,
Macaco, a capital,
O centro dos retirantes,
Lutou então bravamente
Contra aqueles visitantes.
Só no fim daquele século,
Após tanta frustração,
O bandeirante selvagem,
Na sua perseguição,
Saiu-se vitorioso
Com a queda da nação.
Foi em 20 de novembro,
Datado de mil seiscentos
E noventa e cinco que
Caçado por regimentos
Zumbi teve a sua morte
Espalhada pelos ventos.
Após a morte, Zumbi
Teve a cabeça cortada,
Levada para Recife,
Sendo na praça mostrada,
Silenciosa pensando:
"Aqui ninguém vale nada".
Até o século XVIII
Podia encontrar sinal
De quilombolas no centro
Ou mesmo no litoral,
Sobrevivendo de ataques
Ao povoado local.
Os quilombolas deixaram
Para esta grande nação
Uma semente de força,
Também de elucidação,
De valentia e bravura,
Clamando libertação.
          F  I  M 


A seca do Cerá
Leandro Gomes de Barros
Seca as terras as folhas caem,
Morre o gado sai o povo,
O vento varre a campina,
Rebenta a seca de novo;
Cinco, seis mil emigrantes
Flagelados retirantes
Vagam mendigando o pão,
Acabam-se os animais
Ficando limpo os currais
Onde houve a criação.
Não se vê uma folha verde
Em todo aquele sertão
Não há um ente d'aqueles
Que mostre satisfação
Os touros que nas fazendas
Entravam em lutas tremendas,
Hoje nem vão mais o campo
É um sítio de amarguras
Nem mais nas noites escuras
Lampeja um só pirilampo.
Aqueles bandos de rolas
Que arrulavam saudosas
Gemem hoje coitadinhas
Mal satisfeitas, queixosas,
Aqueles lindos tetéus
Com penas da cor dos céus.
Onde algum hoje estiver,
Está triste mudo e sombrio
Não passeia mais no rio,
Não solta um canto sequer.
Tudo ali surdo aos gemidos
Visa o aspectro da morte
Como a nauta em mar estranho
Sem direção e sem Norte
Procura a vida e não vê,
Apenas ouve gemer
O filho ultimando a vida
Vai com seu pranto o banhar
Vendo esposa soluçar
Uma adeus por despedida.
Foi a fome negra e crua
Nódoa preta da história
Que trouxe-lhe o ultimatum
De uma vida provisória
Foi o decreto terrível
Que a grande pena invisível
Com energia e ciência
Autorizou que a fome
Mandasse riscar meu nome
Do livro da existência.
E a fome obedecendo
A sentença foi cumprida
Descarregando lhe o gládio
Tirou-lhe de um golpe a vida
Não olhou o seu estado
Deixando desemparado
Ao pé de si um filinho,
Dizendo já existisses
Porque da terra saísses
Volta ao mesmo caminho.
Vê-se uma mãe cadavérica
Que já não pode falar,
Estreitando o filho ao peito
Sem o poder consolar
Lança-lhe um olhar materno
Soluça implora ao Eterno
Invoca da Virgem o nome
Ela débil triste e louca
Apenas beija-lhe a boca
E ambos morrem de fome.
Vê-se moças elegantes
Atravessarem as ruas
Umas com roupas em tira
Outras até quase nuas,
Passam tristes, envergonhadas
Da cruel fome, obrigadas
Em procura de socorros
Nas portas dos potentados,
Pedem chorando os criados
O que sobrou dos cachorros.
Aqueles campos que eram
Por flores alcatifados,
Hoje parecem sepulcros
Pelos dias de finados,
Os vales daqueles rios
Aqueles vastos sombrios
De frondosas trepadeiras,
Conserva a recordação
Da cratera de um vulcão
Ou onde havia fogueiras.
O gado urra com fome,
Berra o bezerro enjeitado
Tomba o carneiro por terra
Pela fome fulminado,
O bode procura em vão
Só acha pedras no chão
Põe-se depois a berra,
A cabra em lástima completa
O cabrito inda penetra
Procurando o que mamar.
Grandes cavalos de selas
De muito grande valor
Quando passam na fazenda
Provocam pena ao senhor
Como é diferente agora
Aquele animal de que outr'ora
Causava admiração,
Era russo hoje está preto
Parecendo um esqueleto
Carcomido pelo chão.
Hoje nem os pássaros cantam
Nas horas do arrebol
O juriti não suspira
Depois que se põe o sol
Tudo ali hoje é tristeza
A própria cobra se pesa
De tantos que ali padecem
Os camaradas antigos
Passaem pelos seus amigos
Fingem que não os conhecem.
Santo Deus! Quantas misérias
Contaminam nossa terra!
No Brasil ataca a seca
Na Europa assola a guerra
A Europa ainda diz
O governo do país
Trabalha para o nosso bem
O nosso em vez de nos dar
Manda logo nos tomar
O pouco que ainda se tem.
Vê-se nove, dez, num grupo
Fazendo súplicas ao Eterno
Crianças pedindo a Deus
Senhor! Mandai-nos inverno,
Vem, oh! grande natureza
Examinar a fraqueza
Da frágil humanidade
A natureza a sorrir
Vê-la sem vida a cair
Responde: o tempo é debalde.
Mas tudo ali é debalde
O inverno é soberano
O tempo passa sorrindo
Por sobre o cadáver humano
Nem uma nuvem aparece
Alteia o dia o sol cresce
Deixando a terra abrasada
E tudo a fome morrendo
Amargos prantos descendo
Como uma grande enxurrada.
Os habitantes procuram
O governo federal
Implorando que os socrra
Naquele terrível mal
A criança estira a mão
Diz senhor tem compaixão
E ele nem dar-lhe ouvido
É tanto a sua fraqueza
Que morrendo de surpresa
Não pode dar um gemido.
Alguém no Rio de Janeiro
Deu dinheiro e remeteu
Porém não sei o que houve
Que cá não apareceu
O dinheiro é tão sabido
Que quis ficar escondido
Nos cofres dos potentados
Ignora-se esse meio
Eu penso que ele achou feio
Os bolsos dos flagelados.
O governo federal
Querendo remia o Norte
Porém cresceu o imposto
Foi mesmo que dar-lhe a morte
Um mete o facão e rola-o
O Estado aqui esfola-o
Vai tudo dessa maneira
O município acha os troços
Ajunta o resto dos ossos
Manda vendê-los na feira.
               F   I  M



















História de José do Egito.
João Martins de Athayde
Jacob foi um patriarca
De uma vida exemplar
Teve Raquel como esposa
Uma jovem singular
Pai de José do Egito
De quem pretendo falar.
Foram pais de onze filhos
De uma só geração
Não quero falar de todos
Pra não fazer confusão
Falo em José do Egito
Benjamim e Simião.
José era o mais moço
De Jacob era estimado
Devido essa simpatia
Pelos outros era odiado
Esse ódio aumentou tanto
Que o velho tinha cuidado.
José conhecendo isso
A todos ele temia
A intriga aumentou mais
Porque José disse um dia
Um crime que tinham feito
De cujo ninguém sabia.
Eles pensavam consigo
O que deviam fazer
Para dar fim a José
Sem o velho conhecer
Vivia o pobre menino
Sentenciado a morrer.
Disse José aos irmãos:
- Eu essa noite sonhei
Que nós andávamos juntos
E por um lugar passei
Vi onze adorando um
Quem era, também não sei.
Disse José outra vez:
- Eu tive outro sonho assim
Que me achava no deserto
Dum oceano sem fim
O sol, a lua, onze estrelas
Estavam adorando a mim.
Ficaram encolerizados
De inveja e de paixão
Vendo que aqueles sonhos
Eram a predestinação
Entre si todos juraram
De assassinar o irmão.
Eles pastoravam gado
Distante da moradia
Já o velho impaciente
Por não vê-los todo dia
Mandou José saber deles
Sem se lembrar da porfia.
Quando avistaram José
Criaram tanto rancor
Olhavam uns para os outros
Com olhos de traidor
Dizendo: - Vamos matá-lo
Porque ele é um sonhador.
Disse Rubens aos outros:
- Cá na minha opinião
Eu acho uma cousa triste
Assassinar um irmão
Botem ele na cisterna
Não lhe dê água nem pão.
Assim mesmo eles fizeram
Quando o menino chegou
Tiraram o roupa toda
Ele despido ficou
Botaram ele na cisterna
Ali mais ninguém passou.
Depois que José estava
Naquela horrenda prisão
Passaram uns israelitas
E tiveram compaixão
E chamaram os assassinos
Para comprar-lhes o irmão
Por vinte moedas em prata
Foi o menino vendido
Todos que assistiram a venda
Consideravam perdido
Numa nação estrangeira
Como escravo desvalido.
Depois pegaram a túnica
Que José tinha deixado
Quando entrou na cisterna
Que eles tinham tirado
Mandaram levar ao velho
E dar-lhe mais um recado.
Botaram sangue na túnica
E mandaram o velho ver
Dizia assim o recado:
- Meu pai, procure a saber
De quem era essa túnica
Não podemos conhecer.
Quando o velho viu a túnica
Começou logo a chorar
Oh! Meu Deus, perdi meu filho
Como é que hei de passar?!
Foram as feras do deserto
Que o quiseram matar!
Enquanto Jacob chorava
A morte do filho amado
Ele entrava no Egito
Para onde foi levado
Foi vendido a Putifar
Intendente do reinado.
José que era um moço
Dotado de consciência
Putifar encontrou nele
Força de inteligência
Confiou da sua casa
Toda superintendência.
Em poucos dias depois
A mulher de Putifar
Intentou gozar-se dele
Não pode realizar
Por meio da falsidade
Prometeu de se vingar.
Disse ela a Putifar:
- Seu empregado é ruim
Inda ontem aquele infame
Dirigiu pilhéria a mim
Sendo eu sua esposa
Não posso ficar assim.
Putifar logo afobou-se
Ficou sego de paixão
E mandou chamar José
Na mesma ocasião
Foi duas praças com ele
Pra remetê-lo à prisão.
Entrou José na prisão
Dele ninguém tinha dó
Depois ficou mais contente
Porque não estava só
Se achava mais um copeiro
Da corte de Faraó.
Depois chegou um padeiro
Que preso também ficou
Um deles teve um sonho
E outro também sonhou
Todos mistérios dos sonhos
Foi José quem decifrou.
Disse o padeiro a José
Tudo que tinha sonhado
Por ordem de Faraó
Ia ser crucificado
E pelas aves de rapina
Seu corpo era devorado.
Disse o copeiro a José
Prometendo não faltar
- Pela sua liberdade
Eu tenho de trabalhar
Só terei algum descanso
Quando você se soltar.
Apesar dessa promessa
Ser de tão boa vontade
Porém como a tal prisão
Foi feita com falsidade
José passou mais dois anos
Sem gozar da liberdade.
Faraó teve dois sonhos
Que o impressionaram
Vendo sete vacas gordas
Que dele se aproximaram
Vinham outras sete magras
Que as gordas devoraram.
Quando foi no outro dia
Faraó mandou chamar
Todos os sábios que haviam
Residentes no lugar
Cada um disse uma asneira
Não puderam decifrar.
O copeiro então lembrou-se
Do que tinha se passado
De um sonho que tinha tido
E José tinha decifrado
Mandaram soltar José
E trouxeram para o reinado.
José chegando na corte
Foi muito em recebido
Para decifrar o sonho
Que o Faraó tinha tido
José explicou tudo
Sem ter de nada sabido.
- Senhor; lhe disse José
Os sonhos são verdadeiros
Essas vacas gordas
São sete anos primeiros
Serão de tanta fartura
De abarrotar os celeiros.
- E as sete vacas magras
Por minha vez também cismo
São sete anos de seca
De miséria e cataclismo
A nação que descuidar-se
Cairá sobre o abismo.
- Eu acho conveniente
Que a vossa majestade
Procure um bom ministro
Que tenha capacidade
Para comprar todo trigo
Que aparecer na cidade.
- Se acaso rei meu senhor
Este conselho não tome
Chegando o tempo da crise
O Egito muda de nome
Se acabam os pobres na rua
Todos morrendo de fome.
Faraó vendo a conversa
Anti-tradicional
Vendo que o cataclismo
Se torna universal
Disse a José: És ministro
Pela ordem imperial.
O rei lhe dizendo isso
Entregou-lhe um anelão
Dizendo: Pega esta jóia
Que te dou por distinção
Dora em diante serás chefe
De toda esta nação.
Tinha José nesse tempo
Trinta e um anos de idade
Tomou conta da missão
Tinha plena liberdade
De fazer naquele reino
O que tivesse vontade.
Chegou o tempo abundante
José pegou a comprar
Trigo, feijão e farinha
Vindos de todo lugar
Depois dos celeiros cheios
Não teve onde botar.
Mandou fazer um depósito
De muito grande extensão
Num dos pontos da cidade
Prevendo a ocasião
Pra socorro da pobreza
Sendo da sua nação.
Um tempo assim como aquele
Nunca se viu outro igual
As nações tinham fartura
De um modo descomunal
Findou o tempo abundante
Entrou a crise fatal.
Já depois de quatro anos
Que o cataclismo assolava
O povo das caravanas
Que no Egito passava
Via que nesse lugar
Em fome nem se falava.
Vagou aquela notícia
Que no Egito inda tinha
Recurso para a pobreza
Trigo, feijão e farinha
Todo dia vinha gente
Da região mais vizinha.
A fome assolava o mundo
O grande também sofria
Substância de alimento
Em parte alguma se via
O rico morrendo à fome
E o dinheiro não vali.
Jacob, o pai de José
Vendo o tempo muito ruim
Mandou os filhos ao Egito
Naquelas estradas sem fim
Mandou os outros mais velhos
E ficou com Benjamim
Chegando eles no Egito
Depressa foram levados
À presença de José
Para serem interrogados
José conheceu bem eles
Logo que foram chegados
José fingiu-se inimigos
Vendo aqueles condições
Que os irmãos se achavam
Sabendo que eram bons
Lhes disse: de onde vêm
Que me parecem uns ladrões?
Responderam com espanto:
É horrível a nossa sina
Somos filhos de Jacob
Natural da Palestina
Viemos comprar legumes
Que a fome lá é canina.
José ficou comovido
Porque tinha compaixão
Apesar de ter sofrido
Deles aquela traição
Então perguntou a eles:
Sua irmandade quais são?
- Nós éramos 12 irmãos
O caçula não quis vir
Porque meu pai já é velho
Só ele o pode servir
Quanto ao nosso irmão José
Esse deixou de existir.
Disse José para eles:
Eu só posso acreditar
Desse seu irmão mais novo
Se vocês forem buscar
Ficando um de vós preso
Até o outro chegar.
Disseram: rei meu senhor
Nós não fazemos questão
Nos venda um pouco de trigo
Temos muita precisão
Quanto ao que fica preso
Deixo ficar Simião
José mostrou-se contente
Deu a resposta que sim
Mas disse a eles depois:
O tempo inda está ruim
Quando vier comprar trigo
Me traga o tal Benjamim
Aí voltaram os outros
Porém sem consolação
Chegaram na Palestina
O patriarca ancião
Foi perguntando aos filhos:
Onde ficou Simião?
- Simião ficou lá preso
Agora é que está ruim
Porque quando nós saímos
O rei nos disse assim:
Quando vier comprar trigo
Me traga o tal Benjamim
Dizia o velho chorando:
Chegou o meu triste fim
Porque é esse um dos filhos
Que não se aparta de mim
Como viverei no mundo
Ficando sem Benjamim?!
Judá insistiu com ele
Contando o que foi passado
- Eu tomo conta de tudo
Meu pai, não tenha cuidado;
Dizia o velho: ele indo
Para mim foi sepultado!
- Se eu digo estas palavras
É porque tenho razão
José os bichos comeram
Nas brenhas da solidão
Agora sem haver crime
Ficou preso Simião!
Judá pelejou com ele
Até o velho aceitar
Se Benjamim lá não fosse
Nada podia arranjar
Só no Egito é que tinha
O que eles iam comprar.
Eles seguiram viagem
O velho ficou sentido
Judá chegou no Egito
Foi muito em recebido
Porque levou Benjamim
Que José tinha pedido.
José vendo Benjamim
Conheceu logo também
Perguntou com cara feia
(porém os tratando bem):
É este o irmão mais novo
Que vocês dizem que têm?
Judá lhe disse que sim
Partido de comoção
Dizendo: - Rei, meu senhor
Nos conceda a permissão
Para que possamos ir
Aonde está Simião?
Disse José: podem ir
Visitar o seu irmão
Ele até aqui não teve
Nenhuma perturbação;
José só tinha ele preso
Fazendo a comparação.
José diante essas coisas
Não podia se conter
Chorava em seu aposento
Que só faltava morrer
Pois inda não era tempo
De se dar a conhecer.
Todos irmãos de José
De nada tinha sabido
Vendo José como rei
Dum país desconhecido
Sendo ele o tal irmão
Que eles tinham vendido
Depois José chamou eles
Dando plena liberdade
Dizendo: vão passear
Pelas ruas da cidade;
Só assim José podia
Fazer a sua vontade.
Eles com essas palavras
Ficaram muito contentes
Aí José mandou logo
Chamar o seu intendente
Dizendo: encha bem cheio
O saco daquela gente
- Depois dos sacos bem cheios
Faça jeito de botar
A minha taça de prata
Sem ninguém desconfiar
No saco de Benjamim
Pra quando ele for, levar
O intendente fez tudo
Como José lhe mandou
No saco de Benjamim
Ele a taça colocou
Benjamim que não sabia
No outro dia levou
Assim que eles saíram
José mandou uns soldados
Dizendo: peguem uns rapazes
Que vão ali carregados
E tragam a minha presença
Para serem interrogados
Eles iam muito alegres
Só por levar Simião
Dizia Judá: fizemos
Muito boa arrumação;
Nisto gritaram pra eles
Lhes dando voz de prisão
Logo aí foram levados
À presença de José;
- Quem roubou a minha taça
Terá prisão de galé
Faz vergonha nos senhores
Não ter um homem de fé
Disseram: rei, meu senhor
Nós nunca roubamos nada
Essa taça de que falam
Nunca pode ser achada
Mande correr nossos sacos
Só ela sendo encantada.
- Não pensei que em Palestina
Tivesse gente ruim
Passem u'a corra nos sacos;
José então disse assim
A taça foi encontrada
No saco de Benjamim
Aí caíram por terra
Botando os joelhos no chão
Dizendo: rei, meu senhor
De nós nenhum é ladrão
Porém seremos levados
À morte na prisão.
José partido de pena
Não podendo resistir
Disse ao seu intendente:
Mande este povo sair
Basta ficar estes homens
A quem preciso eu ouvir
Quando saiu todo povo
Inda mais se comoveram
José lhes disse chorando:
- Inda nao me conheceram?
Eu sou vosso irmão José
O tal que vocês venderam
Que hora amarga e feliz
Para quem compreender!
Toda tristeza que havia
Foi transformar-se em prazer
Ficaram todos felizes
Dessa data até morrer
José mandou vir também
O seu pai idolatrado
Quem trouxe foi seu irmão
Com muito zelo e cuidado
Jacob findou os seus dias
Vivendo sempre ao seu lado.
             F   I   M

Encontro com a consciência.
       Arievaldo Viana
Bons leitores vou narrar
Um caso que foi passado
Num livro muito decente
Foi o fato relatado
Minhas são somente as rimas
Nada aqui é inventado.
O senhor Ramiro Chaves
Um grande caminhoneiro
Que nasceu e se criou
Nos vales de Tabuleiro
Em seu livro de memórias
Diz que o caso é verdadeiro.
Pois bem, vamos a história.
Do jeito que foi narrada
Dizem que um fazendeiro
De vida boa e honrada
Nas estradas do destino
Caiu em grande cilada
Leonel dos Santos era
Este dito fazendeiro
Morava nos Inhamuns
Era pacato e ordeiro
Por ser muito inteligente
Sabia ganhar dinheiro
Em novecentos e seis
Do outro século passado
Veio ele à Fortaleza
Pedir dinheiro emprestado
Pra comprar gado de corte
Com um lucro avantajado.
Cinqüenta contos de réis
Pretendia o fazendeiro
Foi ao Banco do Brasil
Lá conseguiu o dinheiro
Passou ele a comprar gado
Contente e bem prazenteiro
Entregou sua fazenda
A um parente e amigo
Tocando sua boiada
Jamais pensou em perigo
Mas a sorte e o azar
São como o joio e o trigo.
Aconteceu uma tragédia
Quando o negócio já ia
Crescendo de vento em popa
Melhorando a cada dia
Por uma fatalidade
Perdeu vultosa quantia.
Tinha ele por costume
Toda vida descansar
Na sombra de uma oiticica
Depois do burro amarrar
Preparava qualquer coisa
Para ali mesmo almoçar.
Nesse tempo se vivia
Com certa tranqüilidade
O povo de antigamente
Prezava a honestidade
Seu Leonel era um desses
Que não pensava em maldade
Mas foi a fatalidade
Que este dano originou
Chegando na oiticica
Os seus alforjes tirou
Num galho da dita árvore
Com cuidado pendurou.
Dentro de um dos alforjes
A sua fortuna estava
Mais de cem contos de réis
O fazendeiro levava
Com um lapso de memória
Este pobre não contava.
Depois que almoçou bem
Armou a rede e dormiu
Quando bateu duas horas
Selou o burro e saiu
Lá os alforjes ficaram
E seu Leonel não viu.
Esqueceu sua fortuna
Talvez devido a soneira
No seu burro de valor
Galopou a tarde inteira
Coitado, sem se dar conta.
Da sua grande leseira.
Na casa de um compadre
Dormir ele pretendia
Como de fato chegou
Ao toque da Ave-Maria
Cumprimentou o compadre
Com afeto e alegria.
Mas veio o golpe fatal
Quando tirou a bagagem
Que não viu os seus alforjes
Pensou que fosse visagem
Junto com o seu compadre
Ganhou de novo a rodagem.
Porque a dita oiticica
Dali era bem distante
Coisa de umas sete léguas
E o fazendeiro errante
Seguia a todo galope
Nessa hora angustiante.

Chegando na oiticica
Nem sinal ele encontrou
Alforje, dinheiro e tudo.
Passou alguém e levou
Agora o leitor calcule
De que forma ele ficou!
No gancho da oiticica
Só restava a ingratidão
De saber que nunca mais
Veria nenhum tostão
Saiu dali como um louco
Entregue a tentação.
O seu compadre notou
Que ele estava transtornado
Então dali por diante
O tratou com mais cuidado
Se não fosse assim, talvez
Tivesse se suicidado.
Durante a noite velou
Ao lado de sua rede
Escondeu cordas e foices
Lá no canto da parede
Foi com ele até o pote
Quando estava com sede.
Assim procede o amigo
Quando é bom e verdadeiro
Também sente a mesma dor
E protege o companheiro
Sendo ele milionário
Ou sem possuir dinheiro...
E assim, depois de três dias
Julgando-o mais conformado
Liberou o seu amigo
Com um abraço apertado
Leonel partiu levando
Só a tristeza ao seu lado.
Chegando em sua fazenda
Único bem que lhe restou
Ao seu parente e amigo
Todo drama relatou
Para o Banco do Brasil
Urgente telegrafou.
Com quatro dias, um fiscal
Chegou na propriedade
Ainda deu noventa dias
De prazo, mas na verdade
Já sabia que o caso
Era uma fatalidade.
Depois do prazo vencido
A fazenda foi tomada
O Banco ficou com tudo
Ele voltou pra estrada
Desta vez como mendigo
Já não possuía nada...
Somente o burro de sela
De consolo lhe restou
Ao deixar sua fazenda
De tristeza ele chorou
E um aboio saudoso
Na porteira ele soltou.
Seguiu a sua jornada
Pesaroso, sem roteiro
Lá na Serra das Pipocas
Encontrou um fazendeiro
Que ofereceu-lhe um emprego
Como simples cambiteiro.
Por lá passou cinco anos
Nunca contou seu passado
Foi fazendo economia
E teve um bom resultado
Juntou duzentos mil réis
Já pensava em comprar gado.
Negociar com boiada
Isto fica pra quem pode
Pois seu dinheiro só dava
Pra comprar ovelha e bode
Mesmo assim ele enfrentou
Pois honrava seu bigode.
E assim foi tocando a vida
Seu capital aumentou
20 cabeças de bode
De uma feita ele comprou
Vende-las em Fortaleza
Leonel imaginou.
Com o seu plano formado
Pela estrada seguia
Conduzindo as criações
Lembrando o maldito dia
Que aquela velha oiticica
Roubara a sua alegria.
A estrada era a mesma
Ele havia de passar
Na sombra da oiticica
A causa do seu penar
Nem a poeira do tempo
Pudera a dor apagar.
Os bodes seguiam lentos
Alheios a sua aflição
O burro apressava o passo
Lágrimas caíam no chão
Nisto a casa do compadre
Encheu a sua visão.
Demorou alguns minutos
Para ele reconhecer
Aquele amigo que outrora
Chegava ao anoitecer
Com o bolso cheio de notas
Ansioso por lhe ver.
Estava magro e barbado
Roupa velha e remendada
Currulepes muito gastos
De tanto andar na estrada
E um lote de 20 bodes
Ao invés da grande boiada.
Sua barba muito grande
Era a cópia do desprezo,
O compadre, como dantes.
Manteve o afeto aceso
E não falou no passado
Para não causar mais peso.
Leonel guardou os bodes
E depois adormeceu
Porém seguiu a viagem
Quando o dia amanheceu
O rebanho obediente
Ouvia o comando seu.
Ao pino do meio dia
Quando o sol mais quente fica
E a luz esfuziante
Nos escalda e purifica
A comitiva chegou
Na sombra da oiticica.
Entretanto, a árvore ingrata
Já se achava ocupada
Nos galhos de sua copa
Havia uma rede armada
E pastando ali se via
Uma vastíssima boiada.
Leonel e seus bodinhos
Chegam na copa ramada
O fogo já estava aceso
Diz ele: - Meu camarada
Me permita descansar
Pois também sou da estrada.
Ao dizer estas palavras
Ele viu o boiadeiro
Erguer a vista e dizer
Se aproxime companheiro
Leonel sentiu um choque
Vendo o galho do dinheiro.
Mas sentindo a acolhida
Pura, simples, verdadeira
Cumprimentou o rapaz
E falou desta maneira:
- Me deixe assar umas tripas
Nas brasas desta fogueira?!
- Não senhor! Disse o rapaz
Deixe isso pra depois,
Ainda tem carne assada
Feijão de corda e arroz
A comida é bastante
Para alimentar nós dois!
Leonel agradeceu
Porém parecia aflito
De vez em quando um gemido
A fim de conter um grito
Sempre que ele fitava
Aquele galho maldito.
O tempo corria lento
Cada minuto arrastado
Os bodes pastavam perto
Junto ao rebanho de gado
No seu íntimo o tangedor
Recordava seu passado.
Um tormento igual a este
É medonho, ele é infindo
Esmaece a luz do dia
Ofusca o ambiente lindo,
Nisto diz o boiadeiro:
- Amigo, o que estás sentindo?
- Nada, nada, meu amigo!
respondia Leonel
Acabrunhado num canto
Bebendo a taça de fel
De vez em quando fitava
Aquele galho cruel.
De vez em quando uma lágrima
Rolava de sua face
Lhe garanto, meu leitor
Se alguém ali passasse
Vendo aquela triste cena
Não duvido que chorasse...
O boiadeiro deitado
Prestava bem atenção
Sem entender o motivo
Daquela grande aflição
Fez novamente a pergunta
Esperando explicação...
- Meu amigo, me responda
Não se faça de rogado,
Me responda por que é
Que estás tão magoado?
Me diga qual é a dor
Que lhe deixa transtornado?
Leonel abria a boca
Mas não podia falar
A lembrança do passado
Fez sua voz se turvar
Até que criou coragem
E assim se pôs a falar:
- Meu amigo, no meu peito
hoje existe uma lacuna,
e a dor desta lembrança
fere mais do que borduna
nos galhos desta oiticica
já perdi grande fortuna...
- Passei aqui certa vez
Como um rico fazendeiro
Aqui armei minha rede
E guardei o meu dinheiro
Sem pensar que o destino
Fosse vil e traiçoeiro.
- Há quanto tempo, me diga
Este fato aconteceu?
- Faz 10 anos, meu amigo
O pobre assim respondeu,
- Pois meu amigo, sossegue
porque quem achou fui eu!
Dizendo isto o rapaz
Apertou a sua mão
Fitou bem o seu semblante
E disse com emoção:
- Há muito tempo eu espero
esta grande ocasião!
Leonel atarantado
Não queria acreditar
Aquela felicidade
Jamais ousou desejar
A emoção era tanta
Que ele ia desmaiar.
Vendo então o seu estado
O rapaz lhe ofereceu
A rede para deitar
Ele com gosto aquiesceu
Ao acordar perguntava:
- O que foi que aconteceu?
Leitor, se tu és honesto
Mostra agora que tu sois...
O boiadeiro lhe disse
Sem deixar para depois,
- Tudo o que eu tenho na vida
meu amigo, é de nós dois.
- Está vendo essa boiada
Que eu tanjo prazenteiro?
Eu ganhei nesta oiticica,
Multipliquei seu dinheiro,
Lhe considero meu sócio
Pois não sou interesseiro.
Chamava-se Zé Messias
O honrado boiadeiro
Sua esposa Dona Amélia
Passando por Tabuleiro
Contou tudo a seu Ramiro
Eis um caso verdadeiro.
Dona Amélia garantiu
Que quando o marido achou
Aquela grande quantia
Por mais de um ano guardou
Não aparecendo o dono
Com cuidado ele aplicou.
O certo é que eles dois
Viveram em sociedade
Gozando desta fortuna
Com justiça e lealdade
Tudo ali era dos dois
Não se falava em metade.
Arievaldo é poeta
Escolhe o tema certeiro
Valoriza essa cultura
Agradece ao Tabuleiro
Longínquo, que lhe estima
Deste ARIEVALDO LIMA
O abraço é verdadeiro.
             F   I   M




















História das Sete Cidades
 da Serra da Ibiapaba-Ce
Apolônio Alves dos Santos
A poesia adverte
Ao meio estudantil
Falando sobre um Estado
Que há em nosso Brasil
A terra de Iracema
Belo torrão varonil.
É sobre o Ceará
Que dou esta explanação
Suas terras, seus encantos
E sua vegetação
Seus pontos mais pitorescos
De grande admiração.
Eu já tenho escrito várias
Histórias interessantes
Com esta quero atingir
Os pontos mais importantes
O que outros escritores
Nunca escreveram antes.
Porém esta trajetória
Um instante eu vou mudar
Seguindo em outro roteiro
Quem vai mais interessar
À muitos estudiosos
Que gostam de pesquisar.
Na história brasileira
Minha idéia penetrou
Portanto quero versar
O que outro não versou
Uma história que a história
Do Brasil pouco contou.
Antes da vinda de Cristo
Há mil cento e tantos anos
A Tróia fora invadida
Pelos gregos desumanos
Deixando subjugado
Todos os poderes troianos.
E depois disso dez anos
Começou a emigração
Em todas terras de Tróia
Gente de outra nação
Foram os cários comandados
Por outra rebelião.
E em todo território
Pelos gregos comandados
Serviu para os povos cários
Que vinham desnorteados
Com todos seus descendentes
Ficaram ai situados.
Então os filhos de Tróia
Que se acharam vencidos
Em combates com os gregos
Ficaram então destruídos
Sem terra despatriados
Da sorte desprotegidos.
Logo o chefe dos fenícios
Tomou uma decisão
Reuniu todo seu povo
Formando grande esquadrão
E seguiu de mar a dentro
N’uma grande expedição.
Há mil cem anos então
Antes de Cristo, cehgou
Aquela frota fenícia
Em uma costa ancorou
No nordeste do Brasil
Um porto ali e fundou.
Ali entre dois Estados
Ceará e Maranhão
Os fenícios que vieram
Na citada expedição
Fizeram ali de Tutóia
Sua grande fundação
É o porto de Tutóia
Na Capital São Luiz
Estado do Maranhão
Que aquele povo quis
Lembrando Tróia a cidade
E seu passado infeliz.
Antes da vinda de Cristo
A mil e cinqüenta anos
Nas margens do Parnaíba
Houve ali muitos planos
Dos bons colonizadores
Com seus ideais humanos.
E naquela mesma época
Os colonos ancestrais
Nas margens do Parnaíba
Plantavam seus cereais
Aproveitando os baixios
Até chegar em Goiás.
De toda Ibiapaba
Foram cultivando a serra
Pela subida do rio
Parnaíba, que encerra
As tribos dos Tabajaras
Se apossaram da terra
Fundou-se ali uma sede
Pelo comando geral
Da tribo dos tabajaras
E a província atual
Chama-se Sete Cidades
Ou parque Nacional.
Também tem sete cidades
No vale do grande rio
Chamado de Acaraú
O qual no tempo de estio
A sua margem oferece
Um majestoso plantio
As suas belas cidades
São: Massapé e Sobral
Santana do Acaraú
Morrinhos que é legal
Marcos e a Bela Cruz
E Acaraú afinal.
Os chefes das grandes tribos
Fizeram muito gentis
Dali das Sete Cidades
Com seus terrenos fertis
Uma sede sobre ordem
Do congresso dos Tupis.
Tupi era o nome dado
Por todos com grande afã
Que veneravam o poder
Do supremo Deus Tupã
A religião pregada
Por aquele fé cristã.
-Pelos Sacerdotes Cários
que vieram ao Brasil
juntamente aos Fenícios
na mesma época de mil
antes da vinda de Cristo
pela base estudantil.
Foram catequizadores
Com ordem benevolente
Da mesma ordem dos três
Reis Magos do Oriente
Que adoraram em Belém
A Jesus Onipotente.
Nesse tempo o rei Hirã
De Tiro, fez aliança
Com rei Davi da Judéia
Visando uma esperança
De explorar a Amazônia
Brasileira, com pujança.
Isto há mil e oito anos
Antes de Cristo chegar
O rei Davi da Judéia
Concordou se aliar
Com o rei Irã de Tiro
Afim de compartilhar.
Com pouco tempo depois
Daquela combinação
Faleceu o rei Davi
Mas deixando a sucessão
A seu filho ainda jovem
Chamado Salomão.
Então o rei Salomão
Depois que foi proclamado
Com o rei Hirã de Tiro
Continuou aliado
Para explorarem a Amazônia
Conforme foi combinado.
A um grande rio deram
O nome de Solimões
Em homenagem ao vulto
Querido das mulheres
Salomão o grande rei
Que ditou boas ações.
E a cidade de Tiro
Foi destruída depois
Há anos antes de Cristo
Trezentos e trinta e dois
Por rei Alexandre Magno
Com outra ordem se opôs.
E durante setecentos
E sessenta e nove anos
Continuou relações
Marítimas, com vários planos
E tranzas comerciais
Com ideais soberanos.
A Fenícia atual Síria
Com bases fundamentais
Tratava com o Brasil
Contatos comerciais
E descobrindo das terras
As riquezas colossais.
Com quatro anos após
Foi a grande expedição
Do rei Alexandre Magno
Na sua peregrinação
Para a América do Sul
Com heroísmo e brazão.
Depois da era de Cristo
Chegou uma grande frota
Trazendo Fernando Telles
Esse nobre patriota
Onde os fenícios e Cabral
Usaram a mesma rota.
Então o Fernando Telles
Veio a serviço real
Usando as calmarias
Pois o rei de Portugal
Pesquisou todo roteiro
Antes de enviar Cabral.
Foi em mil e quatrocentos
E setenta e três, realmente
Que chegaram a terra excelente
E a sede do comando
Instalaram certamente.
Fundou-se as 7 cidades
Da serra de Ibiapaba
Viçosa e depois Tinguá
Que se eleva até a aba
Pois as suas tradições
Nem seu progresso se acaba.
É a terceira cidade
Chamada de Ubajara
Na serra do mesmo nome
Tem sua beleza rara
A quarta é São Benedito
Cidade formosa e cara.
A quinta é Ibiapina
A sexta é Guaraciaba
A sétima é Flexeirinha
Onde dar muita mangaba
São estas 7 cidades
Da serra de Ibiapaba.
A Gruta do Ubajara
E o Parque Nacional
É uma lembrança eterna
Um símbolo memorial
Quando os fenícios e os cários
Chegaram aqui afinal.
E Pedro Álvares Cabral
Segundo os ensinamentos
Chegou em Porto Seguro
No ano de 1500
O Brasil inda não tinha
Progresso, nem andamentos.
-Só índios bravos selvagens
comandavam as regiões
as qualidades dos mesmos
eram de cinco milhões
divididos em várias tribos
quase trezentas nações.
As principais tribos eram
Tabajaras, Potiguares
Onde as terras inda não eram
Divididas em hequitares
Eram todas devolutas
Sem terem donos nem lares.
A terceira raça era
A tribo dos Cariris
Os descendentes dos Cários
E a tribo dos Tupis
Que chamavam a Deus Tupã
Igualmente os Guaranis.
No sudeste do país
Ocupavam as grandes serras
Longe da orla marítima
Viviam naquelas terras
E contra a civilidade
Sempre promoviam guerras.
A região dos Tupis
No sul de Itaparica
No delta do Parnaíba
Terra fértil e muito rica
Abundante em cajueiros
Carnaúba e oiticica.
O grande Fernando Telles
Era um governador
Possuía grande frota
Ao seu inteiro dispor
Eram oito caravelas
Cada qual de mais valor.
-Então o Fernando Telles
Com sua intuição
Requereu de El-Rei
Uma certa doação
Pra d’uma ilha distante
Fazer sua exploração.
-Instruiu a petição
com minucioso mapa
daquelas sete cidades
que naquela mesma etapa
visitou pessoalmente
conforme ver-se na capa.
Entrou também na história
O Joaquim Coriolano
Junto a José Luiz Alves
Sem empenharam sem engano
E Bruno Alvas da Costa
Todos pensavam um só plano.
Estes se encarregaram
Em fazer demarcações
Das partes mais importantes
Que faziam ligações
E o rio Acaraú
Ficou sendo as divisões.
Entre os grandes Estados
Ceará e Maranhão
No vale do Parnaíba
Aonde viviam então
Os tupis e potiguares
Ocupando a região.
-Grande várzea em extensão
até o rio Acaraú
ao leste do Estado
lá viviam o índio nu
colhendo frutas indígenas
pequi, mangaba e umbu.
Então quando viajou
Pedro Alvarares Cabral
Já vinha orientado
Pelo rei de Portugal
Para usar as calmarias
Pela costa ocidental.
-assim em duas etapas
foi descoberto o Brasil
primeiro Fernando Telles
navegador varonil
segundo Pedro Cabral
nos trouxe prazeres mil.
Primeiro Fernando Telles
Afirmamos com certeza
Achou as 7 cidades
N’uma terra de grandeza
Que foi mantido em segredo
Pela corte portuguesa.
O grande rio Parnaíba
Nascia duma lagoa
Chamada Upá-Açu
Duma água fina e boa
Aonde o povo habitante
Navegava de canoa.
Hoje é o grande açude
Por nome de Sobradinho
Cujo açude é uma fonte
Para o povo visinho
Abundante e favorável
Para quem mora pertinho.
...O Jaguaribe e Piranha
da mesma também nasciam
e na mesma vice-versa
diversos rios caíam
formando uma delta gigante
rios entravam e saiam.
O rio Acaraú
Nasce de uma catarata
Numa grandiosa serra
Sua água é cor de prata
Dum lago subterrâneo
No centro da grande mata.
Assim ficou na história
Como marco oficial
Nosso Brasil descoberto
Por Pedro Álvares Cabral
Em abril de 1500
Data histórica universal.
...Mas afirma Schwennhagen
que a história real
vem do arquivo exclusivo
do Tombo de Portugal
na repartição das ilhas
é esta a prova legal.
E em mil e novecentos
E vinte dois com razão
No dia do centenário
Houve a comemoração
Do Brasil independente
Ficando livre a nação.
Na Serra Ibiapaba
No nordeste do Estado
Junto a cidade Morrinhos
Um estrangeiro chamado
Afonso Estreito, ficou
Ali naturalizado.
Devemos grande homenagem
A esse nobre senhor
Que foi oficialmente
O primeiro agricultor
Da nossa terra Brasil
Como colonizador.
Pois foi ali no estreito
Sobre as encostas do rio
Chamado de Mucuripe
Onde seu clima é sadio
Que se fundou a província
Terra do índio bravio.
Na serra de Ibiapaba
Houve como integração
Apoio daquele chefes
Donos dessa região
Igual Jerônimo Albuquerque
Governo do Maranhão.
E em mil setecentos
E dezoito, Ibiapaba
Conhece oficialmente
O chefe daquela taba
O governador dos índios
O grande Morubixaba.
Nessa época os Potiguares
Com objetivo pleno
Em nome do povoado
Que fundaram em seu terreno
Prestaram ajuda ao guerreiro
Martim Soares Moreno.
Para evitar desembarque
Dos inimigos Franceses
Nosso nobre Afonso Estreito
Instrutor dos camponeses
Em vigilância aguardava
Invasão dos holandeses.
-Ao mesmo tempo esperava
Sem temer nenhum perigo
O grande Fernando Ulmo
Seu velho sócio e amigo
Genro de Fernando Telles
E seu sucessor antigo.
Entre as afirmações
Deste trabalho tão fino
Dolorido assinado
Pelo herói nordestino
Francisco Onofre da Ponte
Que compõe seu belo hino.
...E Maestro arranjador
compositor e artista
internacionalmente
conhecido folclorista
professor da nossa música
popular, nacionalista.
...Este é filho natural
da cidade de Morrinhos
Estado do Ceará
Onde seus pais com carinhos
O ensinaram a trilhar
Os mais brilhantes caminhos.
Belas terras cearenses
Que ilustra o meu poema
Onde só se conhecia
O amargo da jurema
E as florestas selvagens
Do índio e da tangapema.
Pois em mil e novecentos
E cinqüenta e oito nasceu
A cidade de Morrinhos
Com todo prestígio seu
Depois que o desbravador
Daquela prole morreu.
-Por isso pode chamar-se
uma cidade Menina
com as glórias primitivas
que a tradição determina
permitindo a sua planta
na região nordestina.
...Antigamente era um sítio
abrigo dos camponeses
para colonizadores
fenícios e portugueses
onde hoje é terra culta
para criação de rezes.
Mostramos também o hino
Com letra e música gran-fina
Do maestro filho nato
Da região nordestina
Onofre homenageado
Sua cidade Menina.
Aqui prezados leitores
Acabo de descrever
Levando este romance
Verá que tem mais prazer
Estes que moram em Morrinhos
Sabendo bem se haver.
            F  I  M


















As Palhaçadas de Biu
Manoel Camilo dos Santos
No sertão Pernambucano
no interior do estado
distante d´uma cidade
um velho remediado
tinha uma fazendola
vivia ali descansado.
Chamava-se Zé Gibão
esse velho fazendeiro
tinha um filho somente
e esse ainda solteiro
foi o maior caipora
que houve no mundo inteiro.
Biu enquanto foi menino
numa escola aprendia
era muito inteligente
mas sempre sempre sofria
devido o seu caiporismo
apanhava todo dia.
Sempre lhe acontecia
na escola uma moleza
virava ali um tinteiro
borrava os livros da mesa
era uma surra de "bolo"
que levava com certeza.
Quando nada acontecia
devido a moleza dele
era um se levantar
e o banco cair com ele
além da queda a vaia
só botavam a culpa nele.
Antes mesmo ele aprendeu,
ler, escrever e contar
depois deixou a escola
pra não morrer de apanhar
já estava rapaz feito
só pensava em se casar.
Biu sabia muito ler
mas era muito acanhado
se via moça de perto
ficava encabulado
baixava a vista e ficava
muito tempo ali calado.
Por tanto o saber de Biu
de quase nada servia
não queria trabalhar
não comprava nem vendia
como era filho único
o pai não o aborrecia.
Um dia Biu disse ao pai:
"Eu... sô um menino sortêro
mai minha vida é iguá
a de um prisionêro
vô inventá um negoço
pra tomém ganha dinhêro.
O velho disse: "É verdade
eu sempre tenho dizido
qui você mô fio é
um tanto esmurecido
num sôi fio de pai pobe
tem idade e soi sabido."
Biu disse: "Eu tenho vontade
de cortá carne na fêra"
disse o velho: "pôi então
mate a vaca lavandêra
leve pra cidade e venda
é negoço de premêra".
Na quinta-feira seguinte
logo cedo combinaram
pegaram a dita vaca
no mesmo instante mataram
fizeram a carne em mantas
depois de seca emalaram.
Biu junto com um portador
saíram de madrugada
uma égua com a carga
e Biu em outra selada
quando chegaram na rua
a feira estava trancada.
Quando chegaram na feira
embora com pouco jeito
arranjaram uma torda
Biu ficou bem satisfeito
ficando mesmo de frente
ao sobrado do Prefeito.
Depois Biu casualmente
olhando para as janelas
do sobrado do Prefeito
viu três moças muito belas
passou o dia entretido
somente a olhar pra elas.
As moças passaram o dia
na varanda do sobrado
destraindo com a feira
Biu de lá admirado
passou o dia e à tarde
vendeu a carne fiado.
As três moças na varanda
passaram o dia brincando
nem viram aquele "besta"
que lhes estava espreitando
era Biu, o qual voltou
pra casa se pabulando.
Quando Biu chegou em casa
o velho lhe perguntou:
"Cuma te fosse de fêra
vendeu tudo que levô?"
Biu disse: "A fêra foi rim
e a carne toda sobrô.
"Cuma a fêra foi rim
vendí a carne fiado
arrumei um casamento
cum a moça do sobrado
e quero qui mô pai vá
acertá o meu noivado."
O velho disse: "Mô fio
casamento assim num vai
logo da premeira vei
qui você na rua sai?"
Biu sorrindo disse ao velho:
"Eu sou jeitoso mô pai."
O rapaz dizendo isto
no mesmo instante saiu
o velho olhando a velha
lhe perguntou: "Você viu?
Mim diga se acha jeito
naquela históra de Biu."
A velha disse: "Eu sei de lá
tudo pode acontecê
gente moça é o fute
se lembra o qui fei você
do mermo jeito é seu fio."
Disse o velho: "Pode sê."
A velha disse: "Essas coisa
é mermo da mocidade
e eu sendo você ia
logo amanhã na cidade
justá este casamento."
O velho disse: "É verdade."
O velho disse: "É mermo
apoi amenhã eu vô
Qui tudo só presta im quente
Você agora acertô
e Biu você vai tomém."
Biu respondeu: "Sim senhô."
No outro dia cedinho
se prepararam direito
vestiram roupa de mescla
e botaram para-peito
selaram as bestas e sairam
cada qual mais satisfeito.
Quando chegaram na rua
bem de frente ao sobrado
amarraram os animais
num pé de figo copado
bateram palmas na porta
nisto saiu um criado.
O criado perguntou-lhes:
- Tem negócio com o patrão?
"Tenho e num tenho seu moço
tá im casa o capitão?
Quiria falá cum ele",
disse o criado: - Pois não.
O Prefeito se achava
na sala superior
o criado foi entrando
e dizendo: - Senhor doutor
lá fora tem dois vaqueiros
querem falar com o senhor.
O Prefeito que estava
bastante preocupado
disse: - Ora inda mais esta
não negocio com gado
mas diga a eles que entrem
- disse o Prefeito zangado.
O criado disse: - Entrem
o velho disse: "Por não"
entrou um atrás do outro
tudo de chapéu na mão
com as esporas arranhando
o mosaico do salão.
Quando chegaram na sala
o velho disse: "Bom dia
seu majó, eu sô o dono
da Fazenda da Cutia
e vim justá o casamento
do mô fio cum sua fia."
- E que casamento é este?
- o Prefeito perguntou,
o velho disse: "Num seio
taí ele qui contô."
Biu disse: "Tô pá casá
cum a fia do sinhô."
O doutor disse: - Ou Lindalva,
nisso a mais velha chegou:
- Será esta a sua noiva?
o Prefeito perguntou:
Biu levantou a cabeça
e respondeu: "Nom sinhô."
- Volte minha filha e mande
a sua irmã Conceição
e esta quando chegou
o pai perguntou: - Então
será esta sau rapaz?
Biu olhou e disse: - Não.
Volte minha filha e mande
a sua irmã Nazaré
esta chegando na sala
disse: - Pronto pra que é
disse o doutor: - Será esta?
Biu olhou e disse: - É.
- És noiva deste rapaz?
perguntou o doutor ligeiro
a moça lhe respondeu:
- Nunca vi este vaqueiro
Biu disse: "Mai eu já vi
a sinhora um dia intêro."
Biu disse: "Eu sô aquele
Qui onte passei o dia
cortano carne na fêra
e mencê cum alegria
lá de riba do sobrado
uiava eu e sirria."
"Apoi bem eu sô aquele
qui quando mencê sirriu
eu balancei pá seu lado
o lenço qui inté caiu
eu lhe perguntei baixinho
mencê qué casá cum Biu"?
"E de tarde fui pra casa
cum todo contentamento
passei a noite agarrado
cum mencê no pensamento
e agora vim pra gente
acertá o casamento."
O doutor fez ar de riso
pro rapaz e pro velhote
a moça se retirou
dizendo: - Que parparote
em dias de minha vida
nunca vi este timote.
Disse o Prefeito: - Pois vamos
cuidar dessa arrumação
e disse ao criado: - Vá
diga ao tenente João
que me mande as ordenanças
porque tenho precisão.
Nisto o doutor retirou-se
Biu perguntou sem consolo:
"Ordenança será sordado?"
disse o velho: "Ou rapai tolo
qui danado de sordado
ordenança num é bolo."
Disse o velho: "Ele mandou
foi fazê café pra gente
e mandou buscá os bolo
na casa de seu tenente."
Nisso a polícia chegou
o velho disse: "Oxente!"
Disse o Prefeito aos soldados:
- Os senhores sem demora
agarrem estes vaqueiros
e os arrastem para fora
dêem cada um, um molho
depois mandem irem embora.
Um soldado foi ao velho
tomou-lhe logo o quicé
e o outro agarrou Biu
e danou-lhe um pontapé
Biu disse: "Taí mô pai
café com bolo o que é."
Nada valeu peditório
foi couro não houve jeito
o facão falou francês
foi a torto e a direito:
- Casamento bom é este
dizia em grito o Prefeito.
Quando a polícia soltou-os
eles fizeram carreira
nas bestas e onde passavam
era grande a tinideira
com tanta velocidade
que só se via a poeira.
A velha estava na porta
cheia de contentamento
foi dizendo: "Viva os norvo"
o velho neste momento
pulou e disse: "Égua véia
fala aí im casamento."
"Pro caso desse poiquêra
apanhei qui quage morro
tô cum a guela rouca
de tanto pidir socorro
eu num seio aonde é qui tô
qui num mato esse cachorro."
"Levei tanta facãozada
qui ví a hora morrê
pro caso desse safado
mai agora eu vô dizê
se falare nisso ainda
eu mato ele e você."
No outro sábado seguinte
Biu disse: "Hoje eu resôvo
aquela carne fiada
qui vindi aquele povo"
o velho disse: "O que
tú vai apanhá de novo."
Biu disse: "Mô pai aquela
mim butô sá na mulêra
aquela mim ficará
pro premêra e derradêra"
disse o velho: "Já seu corno
namore moça na fêra."
Biu disse isso e montou-se
e saiu muito vexado
entrou na rua com medo
de encontrar com soldado
procurou seu devedor
o qual não foi encontrado.
Ficou muito desgostoso
no meio do pessoal
então para distrair-se
comprou ali um jornal
lendo encontrou um anúncio
que vinha da capital.
Dizia assim o anúncio:
Precisamos de um rapaz
o que tiver competência
em casas comerciais
se apresente em Recife
na rua Largo da Paz
Na casa número cinquenta
com loja e mercearia
a firma é a seguinte:
J. M. & Cia.
o emprego é guarda livro
assim o jornal dizia.
Biu quando leu o jornal
fez logo um plano certeiro
disse: "Vô comprá uma roupa
e mandá cusê ligêro
e digo a mô pai qui vô
pro Recife sê caxêro."
Biu chegou em casa e disse
o plano que já trazia
o velho disse: "Mô fio
eu seno você num ia."
Biu disse: "Eu vô mô pai
caxêro tem garantia."
Biu mandou fazer a roupa
vestiu-se e fez partida
pra rua e pegou o trem
bem satisfeito da vida
no mesmo dia chegou
na capital referida.
Quando chegou na Central
no meio da multidão
quase que fica assombrado
vendo gente em borbutão
perguntou a um chapiado:
"Hoje aqui tem prucissão?"
Disse o chapiado: - Não
isso aqui é todo dia:
"E esse povo qui qué
qui buzina qui arrilia
um passa e ôto passa
chega mim fai agunia."
Perguntou-lhe o chapiado:
- Aonde és morador?
"Na Fazenda da Cutia
onde mô pai me criô":
- Já tinha vindo em Recife?
Biu respondeu: "Nom sinhô."
"Foi essa a premêra vei
qui eu vim me impregá
cunhece seu J. M. ?
é pá onde eu vô e pá lá
é lá no Laigo da Pai
vamo mai eu mim insiná."
O rapaz lhe disse: - Vamos
mas você me paga bem
eu levo sua maleta
Biu lhe disse: "Num convém
aqui tem muito gatume
eu num cunfio im ninguém."
Disse o rapaz: - Está certo,
seguiram nesse momento
Biu que nunca tinha visto
semelhante movimento
ia de cara pra cima
que parecia um jumento.
No Mercado São José
Biu fez uma palhaçada
ia olhando pra cima
e tropeçou na calçada
caiu com maleta e tudo
foi uma queda danada.
Quando Biu se levantou
o povo todo sorria
disse o chapiado: - Vamos
não posso perder um dia
seguiram e logo chegaram
na dita mercearia.
O rapaz disse: - É aqui
me pague, eu quero voltar
Biu botou a mala abaixo
disse: "Votê é pá pagá?
você nem trove a maleta
num vei só me insiná."
O rapaz disse: - A maleta
eu lhe pedi pra trazer
você não quis me entregar
a razão não sei por quê
a viagem é dois mil réis
Biu respondeu: "Pago o que."
- Não paga? Ora não paga
você paga é até mais
nisto foi chegando um guarda
e disse: - Pague ao rapaz,
Biu aí pagou e disse:
"Dêxa tistá satanai."
Ele pagou e entrou
na casa comercial
disse: "Bom dia patrão
eu só vim na capitá
foi pro caso dum anunço
qui incontrei num jorná."
O comerciante disse:
- E o senhor tem competência?
Biu respondeu: "Eu num seio
dizê a sua incelença",
o patrão disse: - Queremos
um rapaz de consciência.
- Você é do interior?
lhe perguntou o patrão:
Biu lhe disse: "Nom sinhô
eu moro lá no sertão
mô pai é um fazendêro
qui se chama Zé Gibão."
O patrão disse: - Está certo
tome conta do escritório
vá enchendo essas faturas
é serviço provisório
quero ver se você faz
serviço satisfatório.
Nessa dita casa tinha
seis ceixeiros no balcão
Biu começou nas faturas
a ensino do patrão
até que chegou a hora
de fazerem refeição.
As onze horas do dia
chegou na porta a criada
e disse: - Pronto, patrão
está pronta a feijoada.
Nisso o patrão disse: - Vamos
almoçar, rapazeada.
Os caixeros foram entrando
Biu também se levantou
bateu a mão no tinteiro
e a tinta derramou
em cima do escritório
tudo que tinha borrou.
O patrão disse: - Oh! Rapaz
botasse tudo a perder.
Biu tirou um lenço branco
começou a embeber
a tinta que nos papéis
era tanta a correr.
Disse o patrão: - Deixe isso
e vá embora almoçar
os caixeiros já estão
na mesa a lhe esperar.
Biu entrou muito vexado
quase sem poder falar.
Quando ele entrou na sala
tropeçou em um batente
foi de arrojo e peitou
em um espelho na frente
o qual devido a pancada
ficaram os cacos somente.
Quando Biu chegou na mesa
quase assombrado sentou-se
nem disse ali aos caixeiros
o que lá fora passou-se
começou logo a comer
no mesmo instante instalou-se.
Botou café em um pires
deu um chupo e engoliu
formou um nó na goela
fechou os olhos e tossiu
esticou-se na cadeira
todo mundo ali sorriu.
Debaixo da dita mesa
tinha um cachorro deitado
quando Biu esticou a perna
foi logo abucanhado
ele ai pulou de costas
e foi feio o resultado.
Um botão do palitó
quem tinha se colocado
no crochê da dita mesa
estava bem engatado
quando Biu pululou de costas
arrastou o toalhado.
Pulou com o toalhado
por cima duma cadeira
os pratos cairam todos
e ficou a bagaceira
o cachorro vendo aquilo
endoideceu na carreira.
Os caixeiros ali ficaram
tudo de talher na mão
Biu assombrado correu
nessa mesma ocasião
com a toalha entre as pernas
foi esbarrar no balcão:
O patrão quase se assombra
quando Biu chegou lá fora
entrou e viu o prejuízo
disse: - Ou tipo caipora
voltou e disse: - Rapaz
pegue a reta e vá embora.
Dali Biu voltou pra casa
dizendo muito zangado:
"Quage mim acunticia
cuma da vei do sobrado
demo leve certo emprego,
patrão caxêro e sordado."
E segiu pra casa a pés
um tanto mal satisfeito
quase liso resolveu
a ir trabalhar no eito
no "Engenho Chega e Fica"
ai sim, sofreu direito.
Quando chegou no engenho
foi logo ao barracão
comprou 100 gramas de carne
e tomou um bom pifão
começou a conversar
dizendo ser valentão.
O senhor do engenho disse:
- Vá botar lá no banheiro
umas quatro latas d'água
e seja muito ligeiro
Biu lhe disse: "Vâ você
eu num sô seu paricêro."
O homem partiu em cima
pegou-o pelo gogó
Biu disse: "Mô patrãozinho
num me mate tenha dó."
Nisto o mijo já estava
correndo no mocotó.
Tremendo e todo mijado
aí o homem o soltou
e Biu chorando correu
a meia-noite chegou
numa grande casa velha
para dormir embocou.
Então no quarto da casa
tinha um defunto enforcado
ele quando entrou, bateu
com a cara no finado
e assombrado agarrou-se
com o defuntão inchado.
E deu um grito tão grande
quando o caso aconteceu
deu um empurrão no defunto
que a casa estremeceu
e assombrado gritando
de estrada afora correu.
No outro dia cedinho
numa pequena cidade
arranjou logo um serviço
com muita facilidade
entendeu de se casar
foi nova infelicidade.
Quando ali ganhou dinheiro
comprou roupa se ajeitou
com u'a moça doidada
logo um namoro arranjou
e a pedi-la em casamento
um dia se destinou.
Na casa do pai da moça
falou na porta e bateu:
"Ou de casa": - Ou de fora
o velho lhe respondeu.
- Quem é? perguntou o velho:
"Num é ninguém não sô eu.
Quando o velho abriu a porta
o besta só fez dizer:
"Eu vim pidí sua fia
dê se quisé ou num dê."
O velho disse: - Primeiro
me diga quem é você.
Ele disse: "Eu sô Biu
e mô pai é Zé Gibão."
O velho disse: - Está certo
entre aqui para o salão
vamos acertar direito
e tratar da arrumação.
Biu entrou e se sentou
num recanto do salão
com o chapéu entre as pernas
e a bengala na mão
e com a cabeça baixa
a ninguém dava atenção.
E batendo com os pés
o chapéu escapoliu
ele apanhou o chapéu
nisso a bengala caiu
com todo o peso que tinha
que o salão todo "zuniu".
Todo mundo ali sorriu
com a queda da bengala
e Biu de encabulado
já tinha perdido a fala
nisso trouxeram o café
para tomarem na sala.
Porém Biu que não sabia
se o café estava quente
encheu a boce e gritou:
no meio de toda gente
espanou café na cara
de quem estava na frente.
Caíram os pires das mãos
o café se derramou
por cima das pernas dele
queimando tudo, gritou
"Ô café quente danado",
ai de costas pulou.
Pulou de costas e bateu
com a cabeça na janela
que estava aberta atrás dele
Biu agarrou-se com ela
mordeu-a e ficou chorando
com a dor da pancada dela.
Biu chorando com a dor
disse: "Qui casa danada
mim queimei com o café
Eeessa amardiçuada
quage me quebra a cabeça
isso é uma iscumungada.
Abriu a porta e saiu
vermelho como uma brassa
dizendo: "Cum essa é dua
danado é quem mai se casa
pode havê o qui hové
morro e num sai mai de casa."
Daí foi chegar em casa
com três semanas e meia
contou tudo o que sofreu
ao pai com cara feia
disse o velho: "Tú soi mole
qui só rabo de uveia."
Malimpregado mô fio
As letra qui tu aprendesse
Nem valeu a pena o meno
Os leite qui tu bebesse
E os fogo que sortei
Logo assim qui tu nacesse.
Cum nada mai mim importa
Assim Biu respondeu
Mai nunca eu sai de casa
Inda que diga um judeu
Longe de casa tu inrica
O cão qui vá mai não eu.
                F  I  M