A
FORÇA DO AMOR
ALONSO
E MARINA
Leandro Gomes de Barros
Nestes
versos eu descrevo
A
força que o amor tem,
Que
ninguém pode dizer
Que
não há de querer bem,
E
amor é como a morte
Que
não separa ninguém.
Marina
era uma moça
Muita
rica e educada,
O
pai dela era um barão
Duma
família ilustrada,
Mas
ela amou Alonso
Que
não possuía nada.
Ambos
nasceram num sitio
Num
dia na mesma tarde,
Pegaram
logo a se amar
Com
nove anos de idade,
Se
todos os dois fossem ricos
Era
um casal de igualdade.
Alonso
era enjeitado
Sem
ter de família o nome,
Criado
por um ferreiro
Trapilho
passando fome,
Pois
quem é criado assim
Todos
os dias não come.
01
Pelas
mercês de Marina
Alonso
pode estudar,
Marina
não tinha mãe
Se
sujeitava a tirar,
Do
dinheiro do barão
Para
Alonso sustentar.
Estava
com vinte anos
Dispôs-se
um dia Marina,
Disse
a Alonso: -- Me peça
Veja
o que a sorte destina,
É
bom que se saiba logo
O
que a sorte determina.
--
Amanhã pelas dez horas
Você
vá ver o barão,
Chegue
lá declare a ele
Que
pretende a minha mão,
Conforme
o que ele disser
Eu
tomo resolução.
Se
não lhe faltar coragem
Havemos
de conseguir,
Meu
pai não é raio elétrico
Que
nos possa consumir,
Ou
faz o que nós queremos
Ou
então ver eu sair.
Alonso
lhe respondeu:
--
Não basta ser um barão,
Titulo
comprado não pode
Comprar
a um coração,
Ele
é mortal como eu
Um
de nós perde a ação.
02
Ele
pode deserda-la
Tomar
tudo que for seu,
Casar-me
com moça rica
Não
é interesse meu,
Amo-a
mais que minha vida
Escravo
do amor sou eu.
No
outro dia às dez horas
Alonso
foi ao barão,
Chegou
com toda coragem
Fez-lhe
a declaração,
Que
amava a filha dele
Pretendia
dela a mão.
Exclamou
logo o barão:
--
És assim tão atrevido,
Não
respeita mais a mim
Por
onde estás tu metido?
Então
eu tenho uma filha
Para
dar a um bandido?
Disse
Alonso: -- Senhor barão
Não
importa eu ser um pobre,
Sua
filha é potentada
Me
ama sem eu ser nobre,
Amor
não olha riqueza
Inda
que a pobreza dobre.
O
barão chamou três praças
Deram-lhe
voz de prisão,
Arrastaram
o pobre Alonso
Como
se ele fosse um cão,
Ou
fosse algum insolente
Um
criminoso ou ladrão.
03
O
barão chamou a filha
Perguntou
se tinha dado,
Consentimento
a um bandido
Que
tinha o injuriado,
Pedindo-lhe
a mão da filha
Sendo
ele um desgraçado.
Fui
eu: -- Respondeu Marina
Que
mandei ele pedir,
E
amo-o desde pequena
Se o
amor não conseguir,
No
solo do cemitério
Irei
com ele me unir.
O
barão corou e disse:
--
Descanse seu coração,
Se
você casar com ele
Eu
deixo de ser barão,
Pois
eu morto a minha cinza
Reconhece
o meu brasão.
Eu
já mandei o prender
E
fiz recomendação,
E
não consentisse alguém
Levar-lhe
água nem pão,
Creio
que mais de dez dias
Não
terá de duração.
Disse
Marina: -- Meu Pai
Pode
se desenganar,
Ainda
Alonso morrendo
Ou se
atirarem no mar,
Me
lançarei no abismo
E
vou com ele parar.
04
--
Porque ele é pobre assim
Não
tem pai foi enjeitado,
É
pobre mais tem orgulho
De
dizer: sou homem honrado,
Pode
a sorte o proteger
E
ele ser um potentado.
--
Cale – se maldita infeliz!
Gritou
irado o barão,
Se
articular comigo
Eu
boto-a na prisão,
Mato-a
debaixo dos ferros
Lhe
acabo a opinião.
--
Pode matar disse ela
Satisfaça
a sua paixão,
Pode
aniquilar meus dias
Não
a minha opinião,
Só
Deus sabe e mais ninguém
O
que tenho no coração.
Se
recolheu ao seu quarto
Deixou
o pai no salão,
Estudando
qual o meio
Dela enganar o barão,
E
como podia tirar
O
amante da prisão.
Depois
de pensar um pouco
Chamou
a criada dela,
Disse
que fosse a cadeia
E
falasse ao sentinela,
Que
ela mandava dizer
Que fosse
falar com ela.
05
Recebe
o guarda o recado
E
prontamente chegou,
Ela
estava no jardim
E
logo ao guarda falou,
Não
houve aí quem soubesse
A
cilada que ela armou.
Disse
Marina ao guarda:
--
Você é um desgraçado,
Mil
anos que viva aqui
Não
passará de soldado,
Solte
Alonso que está preso
Que
farei um felizardo.
--
Senhora disse o guarda
Isto
faz minha desgraça,
Se
eu fizer isto seu pai
Acaba
até minha raça,
Disse
Marina: -- Deserte
Praquê
você quer mais praça?
--
Dou-lhe dez contos de réis
Para
você o soltar,
Ele
vai para o Japão
Onde
há de negociar,
Você
deserte com ele
Lá
pode bem se arrumar.
Ali
o guarda saiu
Com
sentido no dinheiro,
E
pode se aproveitar
Do
sono do carcereiro,
Tirou
as chaves do bolso
Soltou
o prisioneiro.
06
Chegaram
ambos no jardim
Alonso
com o soldado,
Ela
foi ver o dinheiro
Que
há anos tinha guardado,
Achou
cem contos de réis
Dinheiro
forte acunhado.
Aí
disse ela a Alonso
--
Vamos lutar com a sorte,
Fugindo
para o Japão
Dou-lhe
um falso passaporte,
Com
as paixões de meu pai
Você
vá não se importe.
--
Quando escrever para mim
Para
não ser descoberto,
Bote
Januário Mendes
Filho
de Herculano Alberto,
As
que eu escrever daqui
Vão
Inácio Felisberto.
--
Você enricando lá
Depois
quando aparecer,
Meu
pai estará mais brando
Não
odeia mais você,
Se
ilude com o dinheiro
Tudo
se pode fazer.
Quando
foi no outro dia
O
barão pode saber,
Que
Alonso tinha saído
Deu-lhe
febre e quis morrer,
Não
assassinou Marina
Por
um padre interceder.
07
Com
quatro dias depois
Veio
um moço passear,
Foi
a casa do barão
E
esse deu-lhe um jantar,
O
tal moço viu Marina
Pediu-a
para casar.
O
barão disse que dava
Porém
Marina não quis,
Disse-lhe
pessoalmente;
--
Comigo não é feliz,
Fora
Alonso para mim
Não
tem outro no país.
Lhe
replicou o barão
-- A
força hei de casar,
Este
homem é muito rico
Tem
bem com que lhe tratar,
Se
não me fizeres os gostos
A
vida há de te custar.
--
Meu pai respondeu Marina
A
morte a mim me faz bem,
O
homem que casa a força
Que
sentimento bom tem,
Eu
sou mulher, mas a força
Não
me caso com ninguém.
-- E
o senhor cavalheiro
Saiba
que está enganado,
Esposa
sua eu não sou
Pois
assim tenho jurado,
Pode
ficar na certeza
Que
não logra este bocado.
08
Disse
o barão: -- Se apronte
Que
ela não se governa,
Inda
que nisso intervenha
A
autoridade eterna,
Casa-se
ainda que vá
Ao
fundo duma cisterna.
Faltava
apenas dois meses
Para
a realização,
Quando
chegou a precatória
Foi
logo as mãos do barão,
Denunciando
o tal moço
De
assassino e ladrão.
Deste
ficou ela livre
Pois
a justiça o prendeu,
Porém
por caipora dela
Um
primo lhe apareceu,
Pedindo-a
a casamento
O
pai prontamente deu.
Então
Marina lhe disse:
--
Meu pai faça o que quiser,
Só
me caso com Alonso
Dê o
caso no que der,
Homem
nenhum neste mundo
Terá
a mim por mulher.
O
pai já tinha comprado
Um
riquíssimo enxoval,
Disse
a ela: -- Você casa
Casa
por bem ou por mal,
Respondeu
ela: -- Meu pai
Prepararei
um punhal.
09
Então
escreveu ao primo
Que
não viesse casar.
Sob
pena de morrer
Era
cálculo sem errar,
Pois
mesmo nos pés do padre
Ela
havia de o matar.
Ele
mandou lhe dizer
Que
abrandasse o coração,
Se
esquecesse do bandido
Que
envergonhava o barão,
Que
dali a dois dias mais
Ele
lhe daria a mão.
Afinal
chegou o dia
Que
haviam de casar,
Disse
Marina consigo:
--
Por certo hei de me acabar,
Que
romance interessante
Alguém
de mim vai formar.
Estava
o altar preparado
Um
bispo e um capelão,
O
presidente da província
Que
era amigo do barão,
A
sala estava repleta
De
gente de posição.
As
criadas de Marina
Vestiram
um rico enxoval,
Ela
disse a uma delas:
--
Mande dobrar um sinal,
E
por baixo da sua roupa
Colocou
logo um punhal.
10
Chegou
ao pé do altar
Mesmo
na ocasião,
Que
o bispo preparou tudo
O noivo
estendeu a mão,
Ela
cravou-lhe o punhal
Em
cima do coração.
O
punhal entrou um palmo
Ele
caiu sobre o chão,
Ela
perguntou ao pai
--
Está satisfeito barão?
Viu
como uma mulher faz
Cumpri
minha jura ou não?
O
barão ficou possesso
Quis
na mesma ocasião,
Vibrar-lhe
uma punhalada
Deixa-la
morta no chão,
Soluçava
em desespero
Em
pensar naquela ação.
Foi
um irmão do tal primo
Vingar
nela o seu irmão,
Ela
disse este punhal
É
tudo na minha mão,
Abaixo
de Deus é ele
Quem
me dar a proteção.
Aí
cravou-lhe o punhal
Ele
caiu sem alento,
Ela
enxugando gritou:
--
Tudo aqui eu arrebento,
Até
meu pai se opuser
Morre
ou sofre ferimento.
11
Aí o
bispo pegou-a
E
deu-lhe voz de prisão,
--
Estou presa disse ela
Mas
não me entrego ao barão,
Meu
pai me fez assassina
Fez
a minha perdição.
Apontou
para o cadáver
E
lhe disse: -- Desgraçado,
Morreste
por ser covarde
Sendo
por mim avisado,
Teu
irmão também morreu
E tu
foste o culpado.
O
bispo disse a Marina:
--
Eu garanto a sua vida,
Então
respondeu Maria:
-- Ao
senhor estou rendida,
A
morte não faz terror
Quando
a alma está ferida.
--
Jurei perante o meu pai
Que
com outro não casava,
Porque
o amor de Alonso
Fielmente
eu conservava,
E
disse que este punhal
Era
quem me advogava.
--
Avisei a este covarde
Já
no último momento,
Preveni
que o matava
No
ato do casamento,
Aquilo
que digo faço
Já
cumpri meu juramento.
12
Meu
pai fez minha desgraça
Devido
sua ambição,
Prefiro
morrer de fome
Encerrada
na prisão,
Porém
o amor de Alonso
Não
sai do meu coração.
Se
na prisão me acabar
For
presente ao criador,
Se
lá eu puder falar
Direi
a Ele: -- Senhor,
Toda
culpa que eu tive
Foi
entregue ao meu amor.
Disse
o barão que a levasse
Para
a prisão amarrada,
Porque
era assassina
Sanguinária
desgraçada,
Duas
vidas inocentes
Deu
fim agora a malvada.
As
criadas acompanharam
Até
entrar na prisão,
Ela
primeiro que tudo
Escreveu
para o Japão,
Contando
tudo a Alonso
O
que fez na aflição.
Alonso
já tinha ganho
Dois
mil contos no Japão,
Quando
recebeu a carta
Quase
morre de paixão,
Disse
consigo: -- é agora
Que
me vingo do barão.
13
Na
carta ia o seguinte:
--
Alonso me desgracei,
Meu
pai quis casar-me a força
Que
eu não casava jurei,
Me
levaram aos pés do padre
Lá
mesmo o noivo matei.
Matei
mais um irmão dele
Que
se interveu na questão,
Porque
também reclamava
Que
podia ainda o barão,
Visto
ter morto o meu noivo
Querer
dar-me ao seu irmão.
Tomou
Alonso um vapor
E
seguiu no mesmo dia,
Com
nove dias de viagem
Chegou
aonde queria,
Mudou
de traje e de nome
Que
ninguém o conhecia.
Encontrou
na rua um homem
Que
lhe pedia dinheiro,
Porque
estava achando
Ser
Alonso um estrangeiro,
Alonso
viu com umas chaves
Conheceu
ser carcereiro.
Alonso
lhe perguntou:
-- O
amigo é carcereiro,
-- Sou
seu moço disse o velho
Um
mendigo aventureiro,
A
seis meses que trabalho
E
não recebo dinheiro.
14
Alonso
com muito jeito
Fez-lhe
uma indagação,
Perguntou:
-- O senhor tem
As
chaves duma prisão,
Nesta
prisão onde está
A
menina do barão?
-- É
esta mostrou a chave
Com
que abro - lhe a porta,
Há
seis dias coitada está
Com
1 ferro pesados as costas,
Tanto
creio que amanhã
Ela
amanheça morta.
--
Quer vinte contos de réis
Pra
tirá-lo da prisão,
Disse
Alonso mostrando
O
cheque que tinha na mão,
Disse
o velho: -- Deus me livre?
O
que me fará o barão!
--
Amigo eu sou o Alonso
Por
quem Marina está presa,
Moro
no Japão sou banqueiro
Tenho
dinheiro e grandeza,
Venho
de lá ocultamente
Só
tratar desta defesa.
--
Dou-lhe o dinheiro logo
E
fuja para o Japão,
Chegue
lá pode contar
Com
a minha proteção,
Pois
eu para os japoneses
Tenho
mais força que o barão.
15
O
velho coça a cabeça
Diz
ali eu vou pensar,
Olhava
para o dinheiro
Não
podia dispensar,
--
Pois vinte contos de réis
Eu
não deixo de ganhar.
Há seis
dias que Marina
Não
via agua nem pão,
Nem
luz se quer lhe traziam
Que
horrível situação,
Com
doze quilos de ferros
Quase
morta sobre o chão.
Quando
chegavam lhe as dores
Ela
assim mesmo gemia,
Interrogava
a si própria
Será
noite ou será dia?
Nem
se quer entra uma réstia
Nessa
maldita enxovia.
Meu
Deus que cova escura
Oh!
tormento sem modelo,
Oh
luz do sol cintilante
Eu
nunca mais hei de vê-lo,
Sou
companheira das trevas
Nesta
habitação do gelo.
Porém
pouco custará
A
por termo em minha vida,
Que
tem, que sofá estas dores
Morrer
aqui oprimida,
Nesse
terror assim mesmo
Não
me faz arrependida.
16
Veio
o velho com Alonso
E
entraram na prisão,
Alonso
quase desmaia
Vendo
Marina no chão,
Pôs-lhe
a mão achou fria
Que
fazia compaixão.
Alonso
levava leite
Rapidamente
aquentou,
Pondo
Marina no colo
Ela
com pouco acordou,
Tomou
um pouco de leite
Com
pouco mais melhorou.
Quando
Marina acordou
Que
viu Alonso ao seu lado,
Exclamou:
-- Meu Deus é sonho
Ou
eu terei me enganado,
Fitou-o
e chamou por ele
Disse:
-- Oh! anjo abençoado!
Logo
que Alonso se viu
Com
Marina em seu poder,
Disse
consigo: -- Eu agora
Pouco
me importa morrer,
Fiz
o que ela me fez
Pode
o barão se morder.
Depois
que eles estavam fora
Um oficial
os viu,
E
para Alonso e Marina
Como
uma fera partiu,
Alonso
com um punhal
Cravou-lhe
ele caiu.
17
Chegaram
mais cinco praça
A
Alonso acometeram,
Alonso
atirou em dois
Ali
mesmo eles morreram,
Marina
ainda matou
Ficaram
dois e correram.
Correu
ao porto e disse
Ao
capitão do navio,
Que
queria partir logo
Que
o tempo estava de estio,
Ele
disse: -- Agora não
O
barco estava vazio.
No
outro dia às dez horas
Estava
o barco preparado,
O
barão desconfiou
Que
o barco estava fretado,
Pôs
em estado de sítio
O
navio foi embargado.
Correu-se
canto por canto
A
fim de ver se achava,
Um
velho amigo de Alonso
Numa
cova os conservava,
Então
o velho escondido
Todo
negócio espreitava.
Alonso
mandou pelo velho
Uma
carta ao capitão,
Que
fosse falar com ele
Pois
havia precisão,
Dizendo:
-- Eu tenho dinheiro
Que
compre a navegação.
18
Pronto
a capitão chegou
Então
Alonso lhe disse,
Que
queria retirar-se
Oculto
que ninguém visse,
E a
quantia de dinheiro
A
que o capitão pedisse.
Com
pouco chegou um soldado
Procurando
o capitão,
Chegando
a ele entregou-lhe
Uma
carta do barão,
Dizendo:
-- Custa-lhe a vida
Se
partir para o Japão.
O
capitão que era forte
Disse:
-- Alonso se apronte,
Embarque
e conduza a moça
Pro
Japão comigo conte
Você
só sai do meu barco
Se
fizerem de mim ponte.
A uma
da madrugada
O
navio abriu uma vela,
Seguiu
de bandeira içada
Então
a noite era bela,
Pois
no mar isto é vantagem
Numa
noite como aquela.
Assim
que o vigia viu
Que
Alonso tinha fugido,
Correu
deu parte ao barão
Que
o barco tinha saído,
O
barão deu um ataque
Ficou
sobre o chão caído.
19
Mandou
chamar uma esquadra
E
mandou que o perseguisse,
Onde
encontrasse o navio
Prendesse
se resistisse,
Matasse
Alonso lá mesmo
Queimasse
a filha se visse.
Já
tinha andado dois dias
Era
uma manhã bem cedo,
Deu
fé de um tripulante
Que
perseguia um torpedo,
O
capitão preparou-se
E
disse: -- Aqui não há medo.
Com
poucas horas depois
O
navio o alcançou,
Deram-lhe
voz de prisão
O
capitão se alterou,
Alonso
saia pra fora
A
batalha se travou.
Cento
e quarenta soldados
Contra
o barco se botaram,
O
capitão morreu logo
Com
os tiros que trocaram,
O
navio que Alonso ia
As
balas o estragaram.
Marina
disse a Alonso:
Se
perdermos essa vitória,
Tocamos
fogo na pólvora
Que
isso pra nós é glória,
De
nós não há um que fique
Para
contar a história.
20
O
chefe da expedição
Disse
a Alonso: -- Se renda,
Marina
com ânimo disse:
-- A
nós não vejo quem prenda
Estamos
sós vamos ver
Quem
é que ganha a contenda.
Disse
Alonso: -- É a peleja
E
desceu logo ao porão,
Trouxe
um caixote já pronto,
E
com toda disposição,
Deitando
fogo na pólvora
Foi
medonha a explosão.
Porém
Marina e Alonso
Da
explosão escaparam,
Foi
uma felicidade
Uma tábua encontraram,
Passando
por perto deles
Ambos
nela se pegaram.
Dos
inimigos de Alonso
Apenas
um se salvou,
Por
uma felicidade
Um
salva vida inda achou,
Foi
esse que ao barão
Todo
ocorrido narrou.
O
barão como uma fera
Depois
de estar informado,
Aí
foi ver o punhal
Que
ainda estava guardado,
Remeteu
ao pai dos mortos
Que
era o conde seu cunhado.
21
E
mandou pedir ao conde
Que
guardasse por lembrança,
O
punhal com todo sangue
Como
papel de herança,
Dizendo:
-- Eu só apareço
Depois
da minha vingança.
Mandava
dizer na carta
Para
o conde Montalvão,
Vou
perseguir o bandido
E
mato no caldeirão,
Marina
abro-a pelas costas
E
arranco o coração.
O
conde e a condessa
Quando
a carta receberam,
Com
esta triste notícia
Que
seus dois filhos morreram,
Passaram
oito ou dez dias
Que
apenas água beberam.
O
conde e sua mulher
Todo
dia consultavam,
Que
de todos os seus filhos
Apenas
um lhe restava,
E
esse para o futuro
Era
quem tudo vingança.
Que
deixemos aqui os planos
Que
os condes adotaram,
Veja
Marina e Alonso,
Como
foi que se salvaram,
Quase
nas ânsias da morte
Como
um protetor acharam.
22
O
navio afundou logo
Devidos
grandes estragos,
Marina
ali disse: -- Alonso
Morremos
estamos pagos,
Nossas
almas vão unidas
Deus
verá nossos afagos.
Disse
Alonso: -- Eu contigo
Da
morte não tenho lembrança,
Faço
de contas que vou
Para
o céu numa mudança,
Teu
peito serve de sombra
Onde
minha alma descansa.
Disse
Marina sorrindo:
--
Isso aqui é um altar,
Os
peixes são sacerdotes
Um
há de vir nos casar,
Eu
fui pedida na terra
O
casamento é no mar.
Ambos
ficaram vagando
Esperando
pela morte,
Alonso
disse: -- Marina
Vamos
ver que dar a sorte,
Haja
o que Deus for servido
Ainda
que a vida nos corte.
Disse
Marina a Alonso:
--
Eu não tenho a esperança,
O
mundo, o outro e a família
Risquei
tudo da lembrança,
Tudo
com a morte se acaba
Tudo
com a vida se alcança.
23
Olhou
para Alonso e disse:
--
Vamos fazer oração,
Nos
confessado a Deus
E
lhe pedindo perdão,
Por
tumba temos o mar
Por
coveiro o tubarão.
Olhou
para o céu e disse:
--
Jesus Cristo Redentor,
Deus
home verdadeiro
De
todo mundo senhor,
Olhai
para estes infelizes
Pobres
escravos do amor.
Para
o alto do Calvário
Onde
a grande cruz se ergueu,
Por
Vosso sangue inocente
Que
em gotas na cruz desceu,
Pelas
chagas pelos cravos
Perdão
para o crime meu.
Pelo
cálice de amargura
Vos
peço meu Deus me acudas,
Eu
só mereço que faças
Para
mim as ouças mudas,
Vos
peço por vossas dores
Pela
a traição de Judas.
Meu
Deus vós bem conheceis
Meu
coração traidor,
Não
fiz traição ao meu pai
Nem
a ele tenho rancor,
Só
vós poderá saber
A
ciência do amor.
24
--
Vos peço oh Deus se quiser
Com
pena me castigar,
Mandai
que as águas se abram
Pra
nelas me afogar,
Salvando
Alonso é bastante
Sou
satisfeita em pagar.
Aí
Marina ouviu
Uma
voz desconhecida,
Dizer-lhe:
-- Tua oração
Por
Deus do céu foi ouvida,
Com
pouco virá uma onda
Que
salvará tua vida.
Então
perguntou Marina:
--
Quem és tu que estás falando?
-- É
tua mãe respondeu-lhe
Sempre
estou por ti velando,
Morri
fazem quinze anos
Mas
vivo te acompanhando.
Aí
chegou uma onda
Com
toda força arrojou-os,
No
espaço de três horas
Sobre
uma praia botou-os,
Alonso
pegou Marina
Aí a
onda deixou-os.
Já o
sol ia se pondo
Seus
raios de ouro morrendo,
O
manto negro da noite
Sobre
o mundo se estendendo,
E
eles esmorecidos
Gelados
no chão tremendo.
25
Marina
exclamou: -- Que frio!
Que
fome me devorando!
Que
ilusões sinto nervosa!
Que
dores me ameaçando!
Será
o anjo da morte
Que
está nos visitando?
Nisto
ouviram umas risadas
Era
um homem pescador,
Viu
os dois caídos ali
Gritou
com todo terror:
-- É
Alma do outro mundo
Ou
algum salteador?
--
Não sou alma nem ladrão
Nós
somos dois naufragados,
Escapamos
de morrer
Estamos
aqui derrotados,
Lutamos
o dia todo
Saímos
estamos gelados.
--
Estão nus? Pergunta o homem
--
Nós estamos sim senhor,
--
Coitados que lástima é essa
Exclamou
o pescador,
Náufragos
em terra alheia
Meu
Deus do céu que horror!
--
Meu amigo eu sou um homem
Pobre
e desprevenido,
Sinto
nada possuir
Disse-lhe
o desconhecido,
Porém
vou em minha casa
Ver
se arrumo um vestido.
26
O
homem e sua mulher
Conseguiram
um vestido,
Alonso
vestiu Marina
Que
já tinha esmorecido,
E se
embrulhou numa capa
Que
o homem tinha trazido.
Disse
o pescador pra eles:
--
Eu não tenho o que lhes faça,
Minha
casa é a mais pobre
Que
tem aqui nessa praça,
Vamos
pra lá assim mesmo
Que
a noite depressa passa.
Alonso
pôs se indagando
Depois
duma refeição,
Se
ali morava um homem
Que
tivesse transação,
Ou
tomasse algum dinheiro
Aos
banqueiros do Japão.
---
Tem o senhor Manassés
-- E
Manassés mora aqui?
--
Mora e é comerciante
A
casa dele é ali,
-- É
meu freguês disse Alonso
Só
tem é que nunca vi.
Então
Alonso escreveu
Contando
todo ocorrido,
Contando
do seu embarque
Como
tinha se perdido,
E de
que forma se achava
E
como tinha saído.
27
Manassés
na mesma hora
Veio
onde Alonso estava,
Perguntou-lhe
quanto queria
E de
quanto precisava,
Disse
quanto possuía
Ao
dispor dele se achava.
--
Queria uma embarcação
Para
dar ao pescador,
Ele
foi bom para mim
E
foi o meu salvador,
É
necessário eu lhe dar
Seja
que quantia for.
O
navio que Alonso vinha
O
mar tinha arrojado,
Estava
perto da praia
Que
o mar tinha botado,
Foram
acharam o dinheiro
Que
Alonso tinha guardado.
Alonso
comprou um barco
Que
estava no estaleiro,
Procurou
um capitão
Um
homem forte e guerreiro,
Que
fosse conhecedor
De
qualquer mar estrangeiro.
Depois
de cinco ou seis dias
Tomaram
o barco e seguiram,
Levando
quatro criados
Que
para o Japão partiram,
Mas
logo ao sair do porto
Em
grande luta se viram.
28
Um
grande peixe feroz
Contra
o barco se botou,
Quase
que vira o navio
Ainda
o arruinou,
Porém
vinha um calafate
Ali
mesmo consertou.
Ia
tudo tão tranquilo
Nada
havia de embaraço,
Alonso
e Marina andavam
Sempre
na proa de braços,
O
barco era como uma ave
Que
ia cortando espaço.
Mostra
Alonso a Marina
--
Vês este sol que brilha!
Naqueles
flocos de neve
Fingindo
uma maravilha,
Como
é bela uma hora desta
Juntar
se as nuvens em pilha.
Neste
momento Marina
Olhando
pra amplidão,
Observou
que atrás deles
Vinha
uma embarcação,
Com
uma bandeira encarnada
Conheceu
ser o barão.
--
Alonso! Exclamou ela
Nossa
desgraça chegou,
Olha
aquela embarcação,
Foi
Deus que nos castigou,
Meu
Deus oh! que tormento
Mas
Alonso a acalmou.
29
Disse
o capitão do barco:
--
Somos de novo perseguido.
Se o
barco nos alcançar
Um
de nós fica perdido,
Ele
hoje ou mata ou morre
Um
de nós fica perdido.
Marina
disse: -- Alonso
Eu
sou filha ele é meu pai,
Com
tudo ainda o amo
Sinto
um amor que me trai,
Hoje
somos inimigos
Um
de encontro o outro vai.
Não
passaram duas horas
Se encontraram os guerreiros,
Os
navios eram bons
Ambos
fortes e ligeiros,
O
barão se preparou
E
preveniu os artilheiros.
Então
gritou para Alonso:
--
Pare esse barco bandido,
Tu
hoje te arrependerás
De
seres tão atrevido,
Alonso
disse ao barão
Haja
o que Deus for servido.
Aí
gritou ao barão:
-- Atire
nesse navio,
Pois
a um bandido deste
Não
se fala em desafio,
Se
ele escapar vou dentro
Mato
tudo a ferro frio.
30
Dispararam
duas peças
Que
o navio estremeceu,
Alonso
também de cá
Um
tiro enorme lhe deu,
O
navio que Alonso ia
Uma
bala inda rompeu.
Alonso
disse ao barão
-- É
melhor se acomodar,
Volte
daqui vá viver
Não
queira me desgraçar,
Eu
pago suas despesas
Pra
o senhor se aquietar.
--
Miserável aventureiro
Não
quero te dar ouvido,
Tu
hoje hás de pagar
Tudo
que tenho sofrido,
Num
caldeirão deste barco
Tu
hás de seres cozido.
E
repetiu com um tiro
Mas
Alonso se livrou,
Atingiu
ao capitão
Um
balaço aterrador,
Este
morreu ali mesmo
Que
nem gemeu com a dor.
Um
tenente coronel
Que
acompanhava o barão,
Saltou
no navio de Alonso
Com
uma espada na mão,
Marina
deitou-lhe um tiro
Morreu
e nem fez ação.
31
Investiu
mais um major
Um
sargento e um soldado,
Marina
emparelhou os três
Com
um tiro tão acertado,
Que
matou dois no momento
Outro
ficou aleijado.
O
barão e o alferes
Contra
Alonso e dois criados,
Ambos
varou com um tiro
Estavam
muito estragados,
Pareciam
seis leões
Lutando
desesperados.
Marina
disse meu pai:
--
Deixe de ser orgulhoso,
Atenda
o poder de Deus
Que
é o único poderoso,
Lhe
peço em nome de Deus
Não
seja tão rigoroso.
--
Suma-se infeliz maldita!
Não
quero olhar-te um instante,
Se
eu aqui não me afogar
A mato a ti e teu amante,
Eu
mato ainda que Deus
Contra
mim se meta adiante.
Todos
já tinham morrido
Restava
ele somente,
Alonso
viu que morria
E o
barão muito imprudente,
Soltou
uma dinamite
Foi-se
o barco de repente.
32
Porém
por felicidade
Sempre
escapou o barão,
Agarrou-se
num escaler
Que
escapou da explosão,
Escapou
quase sem roupa
Porém
o punhal na mão.
O
navio que Alonso ia
Da
explosão escapou,
Na
explosão se estragou
De
gente escapou ele
O mais
tudo se acabou.
Submergiu-se
o navio
Eles
salvaram-se em um bote,
Marina
exclamou e disse:
--
Meu Deus naufrágio é meu dote,
Pedimos
agora a Deus
Que
numa praia nos bote.
O
barão desesperado
Por
não poder se encontrar,
Com
Alonso e com Marina
Com
intenção de lutar,
Levava
o punhal nos dentes
Que
chegava a se cortar.
Conseguiu
a se encontrar
Com
o bote que Alonso ia,
Falava
mais com a cólera
Quase
que ninguém ouvia,
Quando
olhava para ele
Todo
corpo lhe tremia.
33
--
Eis aí disse o barão
Vamos
ver o que dar a sorte,
Bandido
hoje um de nós
Será
herdeiro da morte,
As
facas são testemunhas
Ganhará
quem for mais forte.
E se
travaram na luta
Ainda
Alonso se feriu,
Alonso
virou-lhe o bote
Ele
na água se sumiu,
Estava
morrendo afogado
Mas
Marina o acudiu.
Ele
salvando-se disse:
--
Ainda fizeste essa ação?
Não
julgava ainda achar isto
Em
teu cruel coração,
Alonso
ainda falou
Ela
não deu atenção.
Ele
em soluço exclamava:
--
Oh! que coração cruel,
Boca
que tanto beijei
Que
parecia ter mel,
Não
sabia que no futuro
Fosse
uma taça de fel.
Em
noites ela pequena
Só
se acalmava comigo,
Se
ela dormindo chorava
Eu
estava sempre consigo,
Como
se cria nos braços
O
mais tirano inimigo.
34
Saiu
pelo mar vagando
Uma
embarcação achou,
Vendo
que era um naufrago
Parou
o barco e salvou,
Ele
contando quem era
A
embarcação o levou.
E
Alonso com Marina
Saíram
também vagando,
Viram
um barco japonês
Adiante
deles passando
Alonso
pediu socorro
Foi
logo o barco parando.
Num
dia e meio de viagem
Chegaram
eles ao Japão,
Levaram
os papéis já prontos
E
casaram sem benção,
Descansou
também Alonso
Das
intrigas do barão.
O
barão chegou em casa
Encontrou
tudo estragado,
O
palácio onde morava
Já
se tinha incendiado,
Algum
prédio que ainda tinha
Estava
hipotecado.
Dizia
ele assim mesmo:
--
Vou morrer no estrangeiro,
Onde
ninguém me conheça
Que
já fui eu verdadeiro,
Ninguém
zombará de mim
Quando
eu não tiver dinheiro.
35
Ele
não sabia pra onde
Alonso
tinha seguido,
Embarcou para o Japão
Onde
era desconhecido,
Um
cheque que ele levava
Chegou
estava perdido.
Carregou
lixo na rua
A
fim de se alimentar,
Caiu
seis meses doente,
Depois
de se levantar,
Para
não morrer de fome
Foi
preciso mendigar.
Foi
procurar um emprego
De
forma alguma encontrou,
Apenas
numa cocheira
Alguns meses se empregou,
O trabalho
era pesado
Ele
não aguentou.
O
leitor calcula agora
Que
horrível situação,
Hoje
ser um jornaleiro
Quem
ontem foi um barão,
Ontem
com tanta fortuna
Hoje
mendigando o pão.
Mas
tudo isso é verdade
Dizia
ele consigo:
--
Morrerei entre estranhos
Sem se
quer ver um amigo,
Ninguém
me perguntará:
Cadê
teu orgulho antigo?
36
--
Aqui ninguém me conhece
Não
saberão quem fui eu,
Em
minha terra dirão
Que
o barão já morreu,
Não
há quem tenha o prazer
De
ver sofrimento meu.
Alguém
que passar por mim
Dirá:
-- É um desgraçado,
Não
sabe quem fui outrora
Desconhece
meu passado,
Também
pela sepultura
Muito
breve sou chamado.
Muitas
vezes o barão
Recordando
seu passado,
Dizia
consigo mesmo:
--
Eu sou muito desgraçado,
Eis
aí o meu orgulho
Em
que é que foi tornado.
--
Aquele pobre rapaz
Que
anda no fim do mundo,
Feito
um pobre foragido
Talvez
até um vagabundo,
Eu
merecia por isto
Um
sofrimento profundo.
--
Minha filha sendo única
Que
minha mulher deixou,
A
quem sua mãe morrendo
Tanto
me recomendou,
Eu obriga-la
a chegar
No
extremo que chegou.
37
Um
dia ele não ganhou
Com
que comprar o alimento,
E na
noite não achou
Quem
lhe desse um aposento,
Essa
noite para ele
Foi
um cárcere de tormento.
Oprimido
pela fome
Pois
nada comeu no dia,
A
roupa toda rompida
Que
o corpo aparecia,
Deitado
numa calçada
Molhada,
imunda e fria.
Um
dia disse Marina:
--
Meu pai há de ter morrido,
Aquele
seu grande egoísmo
Há
de tê-lo consumido,
Pois
o comum do orgulho
É
sempre ser abatido.
Disse
Alonso: -- Tenho pena
Da
loucura do barão,
Mas
ele é muito orgulhoso
E
ninguém presta atenção,
Com
tudo isso, assim mesmo
Não
lhe negava o perdão.
Disse
Marina: -- Assim mesmo
Com
toda essa crueldade,
Não
posso deixar de ter-lhe
Uma
forçosa amizade,
Ele tem
ódio de mim
Por ele
sinto saudade.
38
-- Se
ainda chegar o dia
De
vê-lo hei de curvar-me,
Embora
o orgulho dele
Prive
a ele de abraçar-me,
Porém
se ver-me aos seus pés
Muito
humilde, há de tomar-me.
Bem
na calçada de Alonso
Foi
um dia ele cair,
Alonso
conheceu ele
E
para não o afligir,
Sem
dizer nada mandou- o
Um
criado o conduzir.
Deu-lhe
um quarto e uma cama
Um
médico veio o visitar,
Ele
fazia seu juízo
Mas
não podia acertar,
Porque
meio aquele homem
Assim
queria o tratar.
Marina
ele e Alonso
Uma
noite conversando,
Disse
ele: -- Eu sou um monstro
É
justo eu estar penando,
Assassinei
minha filha
Deus
está me castigando.
-- Fui
malvado como Herodes
Soberbo
como Lusbel,
Tinha
uma única filha
Uma
alma nobre e fiel,
Contra
a razão obriguei-a
A
beber taça de fel.
-- Se
ainda visse o meu genro
Para
lhe pedir perdão,
E
pedir que me matasse
Eu
lhe perdoava então,
Minha
vida hoje é um fardo
Dela
não tenho precisão.
39
-- Eu
sou um ente incapaz
De
um cristão me socorrer,
Uma
lágrima em Marina
Ela
não pode conter,
Alonso
ouviu-a chorar
Foi
obrigado a romper.
-- Seu
genro barão sou eu
Por
mim está perdoado,
Já
me esqueci disso tudo
Pode
ficar descansado,
Não
é mais que isso o mundo
O
barão estava enganado.
-- Bote
a bênção em sua filha
Fiquemos
em união,
Deus
destina a sorte ao homem
Para
ver seu coração,
Faz
o grande se humilhar
Ergue
o morto e dar-lhe ação.
O
barão ficou com ele
Sendo
de Alonso estimado,
Porém
um sobrinho dele
Que
ainda tinha ficado,
Por quem
a cabo de anos
Foi
Alonso assassinado.
Levamos
isto a uma análise
Então
ver-se aonde vai,
A
soberba é abatida
No
abismo tudo cai,
Deus
é grande e tem poder
Reduz
ao pó qualquer ser
O
poder dele é de pai. – FIM
40
Grinaura e Sebastião
JOSÉ
PACHECO
VIRTUDE,
honra e critério
Coragem,
luta e horror,
Romance
que nos dedica
Um
gigantesco valor,
Vingança
dum braço forte
No
triunfo do amor.
Já
ouvi alguém dizer
Morrer
honrado é loucura,
Mas
também a covardia
Leva
o homem à desventura,
Enquanto
a disposição
Tira-o
de grande amargura.
O
homem deve mostrar
Heroísmo
e energia,
Porque
dos entes da terra
É o
de maior valia,
Semelhança
de Jesus
Filho
da Virgem Maria.
Descrevo
um sinistro drama
O
leitor lendo conhece,
Onde
a falsidade morre
A
inocência floresce,
E
onde cai a desonra
É
que a castidade cresce.
01
Em
São Paulo residia
Um
distinto cidadão,
Com
o seu filho solteiro
Por
nome Sebastião,
Os
quais gozavam na praça
Muita
consideração.
Sebastião
era um jovem
De
forte musculatura,
Contemplado
por diversas
Moças
de nobre candura,
Vivendo
em tranquilidade
Pensando
só na ventura.
Mas
a sorte é abstrata
Qual
uma roda, figura,
Rodando
às direitas traz
Bonança,
paz e doçura,
Ao
contrário só nos deixa
Tormento,
aflição tortura.
Numa
vila de São Paulo
O
dito rapaz morava,
Com
negócios ambulantes
De
contínuo viajava,
Mas
de correr terra estranha
Era
o que mais desejava.
02
Um
dia Sebastião
Disse:
-- Meus bondosos pais,
Peçam
a Deus que me cubram
Com
as bênção divinais,
Porque
pretendo correr
Muitas
partes terreais.
Então
disseram seus pais
Com
maneira de atenção:
--
Sim meu filho, é de teu gosto
Terás
toda permissão;
Numa
manhã de setembro
Viajou
Sebastião.
Os
raios do sol douravam
Os
planaltos campinais,
Com
uma cor purpurina
Revestiam
os vegetais,
Trinava
o galo na serra
Nos
leques dos palmeirais.
A
neve pelos outeiros
Desmanchava-se
em pedaços,
Passava
uma nuvem branca
Pelo
além do espaço,
Deixando
o azul celeste
Sem
um sinal de retraço.
03
Então
na sua viagem
Numa
tarde um certo dia,
Aproximava-se
a noite
O
manto negro descia,
Ele
perdeu-se e entrou
Numa
grande travessia.
Zunia
um vento suave
Trazendo
aromas campais,
A
lua deitava raios
Por
cima dos matagais,
As
estrelas reluziam
Seus
focos celestiais.
Sebastião
destemido
Alta
noite caminhava,
O
pirilampo na frente
De
quando em quando brilhava,
Também
o tigre nas brenhas
Horrivelmente
esturrava.
Mais
ou menos já no meio
Dessa
travessa ditada,
Ao
lado esquerdo ali tinha
Uma
cabana isolada,
Que
há dez anos já era
Pelo
dono abandonada.
04
Abrigou-se
no casebre
Enquanto
a noite passava,
Agora
vamos tratar
Dum
engenheiro que amava,
A
filha dum fazendeiro
Que
com seis léguas morava.
Dezesseis
anos contava
Aquela
gentil donzela,
Grinaura
o seu lindo nome
Seu
pai o doutor Portela,
Habitantes
da fazenda
Denominada
Marcela.
O
engenheiro a Grinaura
Um
grande amor consagrava,
Mas
ela pelo o contrário
Sempre,
sempre detestava,
Ele
foi procurar meio
Para
ver se dominava.
Com
ele morava um negro
De
muita disposição,
Um
desses que nas astúcias
Passava
a perna em Cancão,
Disse:
-- Eu vou roubar Grinaura
Pode
descansar patrão.
05
Chegou
disfarçadamente
Na
casa do fazendeiro,
Pediu
emprego dizendo
Que
era bom cozinheiro,
Mas
como não tinha vaga
Foi
trabalhar de copeiro.
Com
planos falsificados
Comprou
certa intimidade,
Acariciando
a todos
Com
respeitabilidade,
Tanto
que pode arranjar
De
todos muita amizade.
Trabalhador
e ativo
Mostrando
perseverança,
Dando
a conhecer que era
Tão
simples quanto criança,
Até
que colheu bastante
Do
patrão a confiança.
E
assim trinta e dois dias
No
trabalho completou,
Vamos
saber da cilada
Que
o tal negro inventou,
Para
carregar Grinaura
Como
de fato roubou.
06
Chegou
ao patrão e disse:
--
Meu fazendeiro estimado,
Há
quatro noites que vivo
Bastantemente
assombrado,
Com
uma alma que vem
Dar-me
um dinheiro enterrado.
Perguntou-lhe
o senhor sabe
Aonde
tem um mourão,
No
meio da travessia?
--
Conheço disse, o patrão
O
negro disse: -- Pois é lá
Que
tem um grande caixão.
--
Eu não posso arrancar
Não
é falta de vontade,
Tenho
coragem mais vejo
Grande
contrariedade,
--
Qual é, disse o fazendeiro
A
impossibilidade?
--
Lhe digo senhor patrão
A
visão diz claramente,
Que
o caixão tem mil contos
De
ouro, prata e corrente,
Pra
mim e dona Grinaura
A
vossa filha inocente.
07
--
Então diz que é preciso
Eu
ir somente com ela,
Levando
um rosário bento
Uma
cruz e uma vela,
A
dúvida está no senhor
Me
confiar a donzela.
Respondeu
o fazendeiro
Sem
apresentar desvio:
--
Até hoje tens provado
Que
tens honradez e brio,
Pode
ir com ela à noite
Não
tenho cisma e confio.
Assim
que distanciaram-se
Da
casa do fazendeiro,
O
negro disse a Grinaura:
--
Sabe qual é o dinheiro?
É
você hoje que vai
Pra
casa do engenheiro.
Disse
ela: -- Deus me livre
Então
traíste meu pai,
Disse
ele: -- Eu que me importa
Eu
sei é que você vai,
Eu
prometi de a levar
Minha
promessa não cai.
08
E
obrigou a seguir
O
tal negro traidor,
Ela chorando
dizia:
--
Meu Jesus meu salvador,
Mandai-me
qualquer socorro
Patrocinai-me,
Senhor.
Mais
ou menos meia-noite
Grande
silencio fazia,
A
não ser Deus, outro ali
A
ela não protegia,
Mas
a inocência sempre
Triunfa
com alegria.
Agora
o leitor se lembra
Da
quadra que referia,
Ao
moço Sebastião
Que
pediu aos pais um dia,
Licença
pra viajar
E
dormiu na travessia.
Pois
foi nessa mesma noite
Que
os dois iam passando,
O
negro atrás de Grinaura
Ela
na frente chorando,
Sebastião
enfrentou
Foi
assim perguntando:
09
--
Porque choras senhorita?
Diz
ela: -- Meu bom senhor,
Queira
por Deus defender-me
Das
mãos deste traidor,
O
negro lhe disse: -- Siga
Aqui
não há protetor!
Disse-lhe
o rapaz:-- Tem eu
Posso
ser protetor dela,
Pede-me
que a defenda
Porque
não protejo ela?
Quem
é seu pai senhorita?
Respondeu:
-- Doutor Portela.
O
negro disse: -- Senhor
De
tomar ela não pense,
Eu
esquentando as orelhas
Nem
o diabo aqui me vence,
E em
vez da moça hoje
É
bala quem lhe pertence.
Sebastião
disse: -- Negro
Não
venha me soltar graça,
Eu
faço carniça em trinta
Negro
assim da tua raça,
E
fique ciente que
A
moça daqui não passa.
10
Porque
no tiro sou destro
E
quando meu dedo rapa,
Quem
estiver pela frente
Desaparece
do mapa,
Onde
a bala bate faz
Rombo
que chapéu não tapa.
O
negro disse: -- Uma vez
Disparei
o meu comblé,
Num
branco desaforado
Assim
como você é,
A
bala entrou na cabeça
Saiu
na ponta do pé.
Disse
o rapaz vamos ver
Pra
quem é que a sorte dá,
Houve
um enxame de balas
Igualmente
a mangangá
Grinaura
se resguardou
Num
tronco dum jatobá.
E
depois no ferro branco
Qual
dois galos no terreiro,
Brigava
o moço dizendo:
--
Moleque eu sou verdadeiro,
O
negro também gritava
--
Dar certo no meu tempero!
11
Corriam
o ferro um no outro
Mas
não encontravam nada,
Porque
se um tinha bom
No
tirar da punhalada,
O
outro tinha melhor
No
rebater da topada.
Grinaura
disse consigo
Vendo
a luta desmedida:
--
Aquele rapaz morrendo
Eu
fico sempre perdida,
Eu
vou ver se Deus me ajuda
Que
possa salvar-lhe a vida.
Por
milagre ali achou
Um
cacete de cocão,
Na
biqueira do casebre
Bateu
com disposição,
No
negro e ele estendeu-se
Nos
pés de Sebastião.
Dez
minutos mais ou menos
Ali o
negro ficou,
Enquanto
estava arreado
O
rapaz o amarrou,
Pra
fazenda do Portela
No
mesmo instante o levou.
12
Doutor
Portela ficou
Bastante
sobressaltado,
Vendo
aquele moço estranho
Com
o tal negro amarrado,
O
rapaz disse quem era
E
contou todo passado.
Respondeu
doutor Portela:
--
Sou franco e mal pensador,
Em
confiar minha filha
A
este negro traidor,
Um
ladrão da boa fé
Infame
profanador.
Na
porteira do curral
O
fazendeiro e o moço,
Ali
amarraram o negro
No
ronco dum mourão grosso,
Com
cadeados e correntes
Laçado
pelo pescoço.
Deixemos
por um instante
O
negro aprisionado,
Tratemos
do engenheiro
Quando
soube do passado,
Quem
lhe contou ninguém sabe
Do
negro o mal resultado.
13
Mas
como a história ruim
Difere
muito da boa,
A
que presta não se espalha
Anda
pouco e nada zoa,
A
ruim se dana logo
Em
vez de caminhar, voa.
Disse
o engenheiro assim
No
momento de partir:
--
Mato tudo e trago a moça
Solto
o negro e tem que vir,
Partiu
com quarenta cabras
Desses
duros de tinir.
Um
compadre de Portela
E
fazendeiro também,
Escreveu
dizendo assim:
--
Meu bom compadre aí vem,
Quarenta
cabras no rifle
Prepare
os homens que tem.
Portela
leu o aviso
Então
ficou preparado,
Mandou
botar um piquete
Na
entrada do cercado,
Escolheu
cinquenta cabras
Desses
de doido a danado.
14
Às
nove horas do dia
Bateu
a tal cabroeira,
Portela
com o seu povo
Fez
a descarga certeira,
Derrubou
vinte e seis cabras
Resguardado
na trincheira.
Alguns
ainda atiraram
Porém
nenhum acertou,
O
engenheiro correu
Doutor
Portela o pegou,
E
com a raiva que vinha
Meteu-lhe
o ferro e sangrou.
O
resto da cabroeira
Conhecendo
a perdição,
Disseram:
-- Benditas pernas
Tirai-nos
dessa aflição,
Minha
santa capoeira
Dai-nos
vossa proteção!
No
pessoal de Portela
Não
se deu um ferimento,
Enquanto
a tropa contrária
Ao
depois do balamento,
Os
que não morreram foram
Tratar
de medicamento.
15
Ficou
o negro amarrado
Exposto
a chuva e o sol,
Sem
pão, sem água e sem cama
E
muito menos o lençol,
Morreu
ali envergado
Que
parecia um anzol.
Doutor
Portela escreveu
Ao
Governo do Estado,
Provando
sua razão
Com
quem viu todo passado,
Como
tinha seus direitos
De
tudo foi perdoado.
Grinaura
e Sebastião
Depois
de toda contenda,
Casaram
na santa paz
E
ficaram na fazenda,
Se
ainda forem vivos
De
outra Deus os defenda.
Para mim este romance
Agrada com seu mister,
Contemplo o homem que luta
Honrando qualquer mulher,
Eu sou dessa opinião
Como o fez Sebastião,
O faço se a quadra der. – FIM
16
História
do Boi Mandingueiro
E o
Cavalo Misterioso
Luiz
da Costa Pinheiro
No
Rio Grande do Norte
Havia
um fazendeiro,
Era
muito respeitado
Pela
a fama do dinheiro,
Criava
numa fazenda
Para
qualquer encomenda,
Um
grande Boi Mandingueiro.
Esse
boi quando corria
Segundo
diz o boato,
Tinha
equilíbrio no corpo
Com
ligeireza de gato,
Por
meio de forte mandinga
Corria
mais na caatinga,
Do
que veado no mato.
Na
carreira ele arrancava
Jucá
velho de miolo,
Sabiá
e mororó
Levava
tudo no rolo,
Quebrava
paus com as pontas
Espedaçando
as vergônteas,
Caindo
longe o rebolo.
02
Pulava
montes de pedras
Com
dez palmos de altura,
Saltava
riachos fundos
Com
trinta ou mais de fundura,
Com
asas de bacurau
Passava
em galhos de pau,
Com
a carreira segura.
Porém
preciso dizer
Como
foi seu nascimento,
Para
o leitor amigo
Ter
melhor conhecimento,
Sem
afastar-me da verdade
Descrevo
a fatalidade
Sem
fantasia ou aumento.
Era
o Capitão Monteiro
O
dono do boi falado,
No
Rio Grande do Norte
Era
o mais respeitado,
Tinha
cinco mil cabeças
Além
de outras remessas,
Entre
animais e gado.
Esse
tinha uma vaca
Chamada
Endiabrada,
A
qual fez muitos vaqueiros
Voltar
de mala arrastada,
Seu
nome imortalizou
Morreu
e nunca encontrou
Quem
pegasse na rabada.
03
Estava
quase caduca
E
nunca tinha parido,
Tanto
que o fazendeiro
Vivia
dela esquecido,
Não
fazendo conta dela
Talvez
pensando que ela
Até
tivesse morrido.
Um
dia o fazendeiro
A
dita vaca encontrou,
Com
o bucho muito grande
Admirado
ficou,
Vendo
a vaca amojada
Com
a pança tão inchada
Dela
muito caçoou.
Aí
mandou um vaqueiro
Pegar
a Endiabrada,
Então
mandou botar ela
No
cercado da Rajada,
E
não se descuidasse dela:
--
Tenha cuidado com ela,
Daqui
para a madrugada.
Disse
então o seu vaqueiro:
--
Pegarei aquele cão,
Que
vaqueiro nunca teve
O
gosto de por-lhe a mão,
Mas
como esta danada
Está
de pança inchada
Talvez
não faça ação.
04
Adiante
ele encontrou ela
Numa
sombra descansando,
Então
botou-a na frente
E
ela saiu andando,
Fingindo
fazer afrontas
Cavando
o chão com as pontas
Como
novilho marrando.
Meditava
o vaqueiro
Levando
a Endiabrada,
Dizendo
no pensamento:
-- O
filho desta danada,
Se
ela não abortar
Se
acaso se criar,
É
pra fazer palhaçada.
No
outro dia seguinte
A
vaca tinha parido,
Um
bezerro muito gordo
Preto
retinto e nutrido,
Porém
a Endiabrada
No
chão estava estirada
No
parto tinha morrido.
Quando
o vaqueiro chegou
Encontrou
ele mamando,
E
ela morta já dura
Ele
ainda puxando,
Voltou
então o vaqueiro
Como
uma flecha ligeiro
A
história foi contando.
05
O
fazendeiro lhe disse:
--
Leve a vaca Lubisome,
Amamente
o bezerrinho
Não
deixe morrer de fome,
Não
vá descuidar-se dele
Tome
cuidado com ele
Enquanto
o bichinho come.
Afinal
levou a vaca
O
bezerrinho aceitou,
Mamava
nela porém
Nunca
a ela acompanhou,
Com
um mês de amamentado
Por
ele ser o culpado
A
Lubisome enjeitou.
Ele
berrava com fome
Sem
ela deixar mamar,
Revoltou-se
contra ela
Fez
ela a força deixar,
Depois
que ele mamou
Os
peitos dela arrancou,
Para
melhor se vingar.
A
vaca ficou doente
Ali
de úbere inchado,
O
bezerro foi embora
Daquele
mesmo cercado,
O
vaqueiro foi na batida
Achou
o lugar da saída
Por
onde tinha passado.
06
O
vaqueiro então contou
A
mesma verdade pura,
Que
ele pulou a cerca
Que
era alta e segura,
Somente
pra botar bicho,
Feita
mesmo a capricho
Com
doze palmos de altura.
O
vaqueiro foi atrás
Mas
nem o rastro encontrou,
Parece
que criou asas
E
neste dia voou,
Disse
o vaqueiro zangado:
--
Parece que o danado
O
demônio carregou.
Um certo dia o vaqueiro
Andando
a se distrair,
Ouviu
em uma floresta
Um
grande touro a mugir,
No
meio do esquisito
E
ele achou tão bonito
Que
foi de perto ouvir.
Adiante
ele encontrou
Um
touro preto e pontudo,
Com
as pontas amarela
Pretinho
como veludo,
De corpo
agigantado
Nos
quatro pés perfilados,
Olhando
bem carrancudo.
07
--
Credo! Disse o vaqueiro
Sentindo
uma comoção,
Um
touro desta espécie
Eu
nunca vi no sertão,
Com
chifres descomunais
Conheceu
pelos sinais
Ser
o mesmo barbatão.
Assombrou-se
quando viu
Aquele
touro pontudo,
Em
cerca de vinte léguas
Ele
conhecia tudo,
Era
impossível que houvesse
Fazendeiro
que tivesse
Um
só garrote orelhudo.
Botou
o cavalo nele
Para
ver se o pegava,
Desembestou
a correr
Parecendo
que voava,
Porém
o boi mandingueiro
Tinha
o corpo tão ligeiro
Que
só o chôto ocupava.
Pisava
em cima de tudo
Nada
lhe embaraçava,
Moitas
grandes de mofumbos
No
peito ele levava,
Pau
darco e juazeiro
Jurema
preta e pereiro
Com
as pontas arrancava.
08
Dando
cem, duzentas braças
De
distância ao vaqueiro,
Revirando
paus e pedras
Com
o corpo tão ligeiro,
Parecendo
Ferrabraz
Em
vez dele satanás
Correndo
no tabuleiro.
Volta
o vaqueiro doente
E o
cavalo cansado,
Foi
dizer logo ao patrão
O
que tinha se passado,
Disse
o amo assim pra ele
Puxa
pra vaca mãe dele
Que
soube dar o recado.
--
Vá a Fazenda Angico
Chamar
Francisco Feitosa,
Chame
também Catarino
E José
Torres da Rosa,
Diga
a ele que me traga
Amanhã
em hora vaga
A
besta velha gulosa.
Prontos
chegaram eles três
Cada
qual mais afamado,
Para
derrubarem o boi
Vinham
de plano formado,
Disse
ali o capitão:
--
Ainda o boi sendo o cão
Eu
quero vê-lo pegado.
09
Quando
chegaram no mato
Encontraram
o Mandingueiro,
Naquele
mesmo lugar
Que encontrou
o vaqueiro,
Com
a frente para o norte
Deu
um mugido tão forte
Que
zoou no tabuleiro.
Correndo
no mesmo chôto
Dos
vaqueiros caçoando,
Duzentas,
trezentas braças
Ia
na frente deitando,
Rompendo
forte madeira
Depois
só viram a poeira,
Ele
no meio pulando.
Disse
Francisco Feitosa:
--É
asneira pelejar,
Este
boi é o demônio
Que
consegue nos tentar,
Nada
se pode fazer,
Voltemos
vamos dizer
Que
não podemos pegar.
Voltaram
então os vaqueiros
E
disseram ao patrão:
-- O
boi não há quem o pegue
Parece
uma maldição,
Não
corre sai choteando
Dos
vaqueiros caçoando
Faz
a pintura do cão.
10
Disse
o vaqueiro Zé Torres:
--
Furei a besta Gulosa,
Esta
saiu como um raio
Em
noite tempestuosa,
Porém
o boi velho é osso
Correndo
no mato grosso,
Não
é de graça e nem prosa.
--
Aquele nasceu dotado
Para
no mato correr,
Com
tanta velocidade
Que
nem a sombra se ver,
Vaqueiro
vai comer ruim
Cavalos
bons terão fim,
Se
forem com ele mexer.
Disse
ali o fazendeiro:
--
Vá a Fazenda Ingá,
Chamar
Chico Vitorino
Pedro
José Carcará,
Não
é coisa de segredo
Diga
que amanhã bem cedo
Com
urgência venham cá.
No
outro dia chegaram
Na
fazenda do patrão,
--
Prontos estamos, coronel
À
sua disposição,
Mandou-os
logo o fazendeiro
Pegar
o Boi Mandingueiro,
Eles
disseram: -- Pois não.
11
Enfim
dos outros vaqueiros
Eles
fizeram caçoada,
Então
murmuraram os outros:
--
Vão também na enxurrada,
O
boi é onça no pasto
Vocês
só pegam o rasto
Voltam
de mala arrastada.
Profere
Chico Feitosa:
--
Há muito que sou vaqueiro,
Tenho
derrubado boi
Que
dizem ser feiticeiro,
Como
aquele maioral
Eu
nunca vi animal,
Do
mocotó tão ligeiro.
Disse
Pedro Carcará:
--
Vocês não campeiam bem,
Eu
agora vou mostrar
Se o
danado não vem,
Pra
isso não peço arrogo
Meu
cavalo Ferro-e-Fogo
Nunca
respeitou ninguém.
--
Meu cavalo Ferro-e-Fogo
Uma
vez no tabuleiro,
Eu
vinha até descuidado
Encontrou
um capoeiro,
Naquele
mesmo flagrante
Dei
um grito de alevante
Já
vi cavalo ligeiro.
12
Com
cem metros de carreira
Eu
arrastei o veado,
Matei
o bicho de queda
E
fui comê-lo guisado,
Para
casa morto foi
Garanto
que esse boi,
Hoje
mesmo vai pegado.
Quando
chegaram no mato
O
boi estava malhando,
Debaixo
duma jurema
Foi
logo se levantando,
Botaram
o cavalo nele
Só
viram o vulto dele
Quinhentos
metros distando.
Carcará
velho atrás dele
Desembestou
a correr,
No
cavalo Ferro-e-Fogo
Já
vendo a hora morrer,
Sem
receio da desgraça
Escureceu
de fumaça
Mas
sem o fogo acender.
De
carreira enfiada
Horrivelmente
corria,
No
cavalo Ferro-e-Fogo
Que
a terra estremecia,
Naquela
bruta carreira
Do
boi só viam a poeira,
Subindo
na ventania.
13
Correu
mais de duas léguas
Rompendo
forte madeira,
Vendo
só na frente dele
Um
redemoinho de poeira,
O
boi danado correndo
Então
ficou conhecendo,
Que não
era brincadeira.
--
Oh que boi endiabrado
Sai
apenas choteando,
Porém
numa ligeireza
Que
parece ir voando,
É o
diabo que o segue
Este
não há quem o pegue!
Volta
Carcará chorando.
Volta
Pedro Carcará
O
boi no mato ficou,
Aí
dos outros vaqueiros
Grande
vaia ele levou,
Porque
era farofeiro
Até
mesmo o fazendeiro
Dele
muito caçoou.
Disse
Pedro Carcará
A
coisa assim não vai boa,
Os
senhores bem que sabem
Que
não sou vaqueiro atoa,
Quem
me conhece assegura
Que
ele é boi em figura
Mas
é o diabo em pessoa.
14
Correu
a fama no mundo
Desse
boi endiabrado,
E
veio então da Bahia
Um
vaqueiro afamado,
Pegar
o Boi Mandingueiro
Que
era forte e ligeiro
Para
ser patenteado.
O
vaqueiro era mulato
Moço
e bem carrancudo,
De
cabelos cacheados
Bigode
grande e felpudo,
Tendo
na fala um defeito
Zarolho
do olho direito
Era
quase tartamudo.
Quando
o fazendeiro viu
A
figura do mulato,
Disse:
-- O boi agora vem
Este
cabra não é pato,
Este
é cabra danado
E
está acostumado
Derrubar
gado no mato.
Outros
diziam: -- Este cabra
Parece
ser feiticeiro,
Pode
ficar na certeza
Que
este é verdadeiro,
Nos
mostra a experiência
É só
quem tem competência
De
pegar o Mandingueiro.
15
Outros
diziam ao contrário:
-- O
boi não é brincadeira,
Ele
vem somar vergonha
Correndo
na capoeira,
Depois
de correr no campo
Tem
que voltar com sarampo,
E a
sarna comedeira.
Outro
dizia sorrindo:
--
Ele é pobre até de fala,
Fala
tartamudeando
Parece
que se entala,
Pois
este ainda não foi
Pensará
que pega o boi
Em
vez dele, pega a mala.
O
cavalo era cardão
Tamanho
demasiado,
Grande
de corpo franzino
Forte
bem encascado,
Denominado
“Relampo”
Era
uma águia no campo
Na
arte de pegar gado.
Perguntaram:
-- De onde vens?
Disse
ele: -- Da Bahia,
Eu
vim aqui porque soube
Que
a vossa senhoria,
Tem
um boi agigantado,
Que
dizem ser endiabrado
Que
corre em demasia.
16
Diz
o capitão: -- Sim senhor
É um
boi estuporado,
Não
corre, sai choteando
Em
um chôto tão danado,
Que
o vaqueiro não pega
Quem
corre atrás arrenega
Traz
tudo atormentado.
--
Amanhã muito cedinho
O
senhor pode mandar,
Uma
pessoa comigo
Pra
esse boi me mostrar?
Nesta
vida não sou cego
Só
creio que não o pego,
Quando
me desenganar.
No
outro dia cedinho
Saíram
com o vaqueiro,
Adiante
eles encontraram
O
dito Boi Mandingueiro,
Disse
o mulato em cochicho:
--
Parece que esse bicho,
Tem
o mocotó ligeiro!
O
referido vaqueiro
Chamava-se
Zé Tomás,
Infeliz
do barbatão
Que
ele corresse atrás,
Porque
o cavalo dele
Correndo
montado nele,
Pegava
até satanás.
17
No
boi estava escrito
--
Eu sou o boi Urutuba,
Para
correr na floresta
Na
caatinga eu sou cotuba,
Todos
conhecem este fato
O
seu cavalo é um pato
E
você não me derruba.
Aí
numa desfilada
Desembestou
a correr,
Dentro
da caatinga bruta
Fazendo
a terra tremer,
Em
cima da pedra dura
Com
a carreira segura
Se
ouvia o casco bater.
Pulando
monte de pedra
Com
descomunal altura,
Passava
em ganchos de pau
Sem
reparar a grossura,
Grande
fumaça soltando
Quinhentos
metros distando,
Dando
ao vaqueiro ventura.
Correu
mais de duas léguas
O
cavalo enfraqueceu,
Ficou
todo afrontado
Dessa
carreira que deu,
Quando
apeou-se da sela
Estourou
dentro a moela,
Caiu
no chão e morreu.
18
Zé
Tomás deixou-o morto
Não
quis trazer nem a sela,
Quase
morto de cansado
Batendo
muito a titela,
Para
um vaqueiro afamado
Muito
pegador de gado,
Cair
em tal esparrela.
Na
casa do fazendeiro
Ele
a história contou,
Dormiu
porém não comeu
No
outro dia arribou,
Ficou
com tanta vergonha
E
esta foi tão medonha,
Que nunca
mais campeou.
Disse
então o fazendeiro:
-- O
vaqueiro que pegar,
Ganha
dez contos de réis
Na
espécie que desejar,
Terá
mais a maravilha
Pois
darei a minha filha,
Para
com ele casar.
Corre
a notícia no mundo
E
toca a chegar vaqueiro,
Com
o intuito de casar
Com
a filha do fazendeiro,
Naquela
vida risonha
Só
iam sofrer vergonha,
Correndo
no tabuleiro.
19
Gato,
cachorro, urubu
Chegavam
todos encourados,
Para
pegar esse boi
Chegavam
todos animados,
Viúvos
velhos dementes
Que
não tinham mais os dentes
Pela
moça apaixonados.
Tinha
um tal Vitoriano
Num
cavalo alazão,
Vaqueiro
velho de fama
Em
todo aquele sertão,
Pegou
contar pabulagem
Mostrando
grande vantagem
Ali
presente ao patrão:
--
Meu cavalo Pensamento
Nunca
botou boi no mato,
E
nem precisou de esporas
E é
veloz como o gato,
Todos
são conhecedores
Que
bois velhos corredores
Nas
unhas dele, são patos.
Disse
Antônio Benvenuto:
-- O
meu cavalo Rucinho,
Para
correr na caatinga
Nunca
temeu a espinho,
Pra
correr não dá cavaco
Corre
dentro de buraco
Como
em meio de caminho.
20
Respondeu
José Brejeiro:
--
Meu cavalo Bolandeira,
Nunca
encontrou correndo
Boi
de canela ligeira,
Nada
posso duvidar
Ainda
posso encontrar,
Uma
vez sendo a primeira.
Diz
Pedro Sebastião:
-- O
meu cavalo Suvela,
Corre
dentro da caatinga
Sem
arranhar a canela,
Muitas
vezes tem deixado
Boi
velho estuporado,
No
chão fazendo barrela.
Disse
o Neco Bacurau:
-- O
meu cavalo Visão,
Corre
dentro do buraco
Sem
dar um só tropicão,
Boi
bravo, vaca maninha
Tudo
tem sorte mesquinha,
Derrubo
e boto no chão.
Horácio
Raposa disse:
--
Meu cavalo Capivara,
Tem
o fiel da balança
Que
nunca roubou a tara,
Para
correr está só
Correndo
nunca um cipó,
Pôde
arranhar minha cara.
21
Clemente
Juriti disse:
-- O
meu cavalo Veado,
Nunca
foi comigo ao campo
Para
não dar o recado,
Barbatão
de pé de serra
Na
frente dele só berra,
Depois
de estar amarrado.
Benvindo
de Souza disse:
-- O
meu cavalo Traíra,
Nunca
correu na caatinga
Para
me deixar na tira,
Se
agacha como peba
Corre
dentro da cambeba,
Xique-xique
e macambira.
Respondeu
Martim Piaba:
--
Meu cavalo Sarapó,
Desgraçado
é o boi
Que
ganhar-lhe o mocotó,
Quando
dou–lhe um arrastão
Cai
mais ligeiro no chão,
Do
que preá em quichó.
Anselmo
Trajano disse:
-- O
meu cavalo Floresta,
Quando
corre atrás de gado
Parece
que desembesta,
Ainda
o boi sendo brabo
Se
eu pegar-lhe no rabo,
Está
comigo na testa.
22
Diz
Galdino Saranhão:
-- O
meu cavalo Corisco,
Se
não fizer o que eu digo
A
própria vida eu arrisco,
Pegou
o boi Furacão
Mesmo
no pé do mourão,
Que
morreu lá no aprisco.
Murmurou
Félix Pacheco:
-- O
meu cavalo Urano,
Para
pegar boi no mato
Criou
nos ossos tutano,
Se
houver bicho que aguente
Desembaraçadamente,
Na
caatinga corre um ano.
Disse
o Aleixo Pintado:
--
Meu cavalo Pirilampo,
É
uma cobra bravia
Quando
se estira no campo,
Tem
mais força que um mouro
É um
trovão dando estouro
É
faísca de relâmpago.
Todos
contavam vantagens
Ninguém
por baixo ficava,
Cada
qual o mais esperto
Tudo
ali se pabulava,
Na
filha do fazendeiro
No
grande Boi Mandingueiro
Só
era em que se falava.
23
Tudo
chegava arrufando
Com
um gracejo risonho,
Querendo
pegar o boi
Naquela
ilusão ou sonho,
Sempre
chegavam sorrindo
E
quando iam saindo,
Era
um momento tristonho.
A
filha do fazendeiro
A
formosa Leonor,
Era
uma moça bem alva
Mais
linda que uma flor,
Tinha
um primor profundo
Abismava
a todo mundo,
A
filha desse senhor.
Com
quinze anos de idade
Tendo
formosa grossura,
Tranças
louras olhos azuis
De
cor celeste bem pura,
Lábios
finos bem corados
Pequeninos
nacarados,
Com
sublime formosura.
Agora,
ilustres amigos
Deixemos
o anjo formoso,
Vamos
falar em Genésio
E no
Cavalo Misterioso,
Mais
veloz do que um gato
Porque
pra correr no mato,
Era
também perigoso.
24
Havia
no Piauí
Um
velho também vaqueiro,
A
quem o povo chamava:
--
“O Velho Catimbozeiro”,
Diziam
que no sertão
Pegava
até barbatão,
Correndo
no tabuleiro.
Tinha
uma besta velha
Chamada
Misteriosa,
Era
em quem ele pegava
Boi
de fama espantosa,
O
cavalo de fiança
Que
correndo nunca cansa,
Em
quem sustentava a prosa.
Estava
quase caduca
E
nunca tinha parido,
O
velho aposentou ela
Vivia
dela esquecido,
Cheia
de mofo e gafeira
E da
sarna roedeira,
Pensava
já ter morrido.
Um
dia casualmente
Encontrou
a Misteriosa,
Com
o bucho muito grande
Gorda
e muito famosa,
Ele
achou muito engraçado
E
ficando admirado,
Disse
com ela uma prosa:
25
--
No tempo da mocidade
Nunca
me deste um poldrinho,
Agora
depois de velha
Queres
me dar um bichinho?
Só
quero que seja esperto
E
corra mais do deserto
Do
que voa um passarinho.
Pegou
a besta e levou
E
botou-a no cercado,
À
meia-noite pariu
Um
poldro bem encascado,
Preto
da cor de carvão
Tendo
um sino Salomão,
No
peito, bem encarnado.
Com
a crina amarela
A
cauda da mesma cor,
Disse
o vaqueiro sorrindo:
--
Que animal de valor!
Não
se vê uma costela
Dá
um cavalo de sela,
Que
não há superior.
O
velho com muito gosto
Ensinou-o
a campear,
Touro
velho orelhudo
Que
não podiam pegar,
Davam
pra ele de meia
No
barro duro ou na areia,
Não
podiam escapar.
26
O
velho dava de graça
A
pessoa que montasse,
No
Cavalo Misterioso
E
com esporas furasse,
E o
bicho que correndo
No
mato bruto tremendo,
Que
com ele não pegasse.
Por
desventura o velho
Adoeceu
de sezão,
Conhecendo
que morria
Chamou
o filho atenção,
Ali
soltando um gemido
Disse:
-- Faço-te um pedido,
Filho
do meu coração;
--
Você se acaso ficar
Pobre
e necessitado,
Venda
a casa, venda a terra
Se
arremedie com o gado,
Mas
o cavalo não venda
Pois
ele é uma prenda,
De
valor mais sublimado.
--
Não empreste pra ninguém
O
cavalo nem a sela,
Faça
todo o impossível
Para
não se dispor dela,
Ela
em cima do cavalo
Satanás
se provoca-lo
Você
derruba com ela.
27
--
Esta sela eu herdei
Do
finado meu avô,
Que
ele tinha herdado
Do
velho seu trisavô,
Junto
da Boa Esperança
Que
recebeu como herança,
Dum
tio do bisavô.
-- O
velho meu trisavô
Chamava-se
Zé Tiúca,
No
dia que se danava
Que
bulia na cumbuca,
Ali
quase ao por do sol
Pegava
alma de anzol,
Lubisomem
de arapuca.
-- O
pai do meu trisavô
Chamava-se
Afonso Bojo,
Quando
estava danado
Levava
tudo de arrojo,
Na
terra e no espaço
Pegava
Caipora de laço
Mula
de padre no fojo.
--
Foi feita mesmo a capricho
De
couro de lubisomem,
Fantasma,
mula de padre
Bichos
que vivem e não comem,
É
rainha da floresta
Outra
da espécie desta,
Não
fará mais, outro homem.
28
--
Com esta sela o cavalo
Corre
mais do que o vento,
Se
por acaso açoitá-lo
Passa
do regulamento,
Digo
com sinceridade
Tem
tanta velocidade
Que
passa do pensamento.
--
Quando você montar nele
Precisa
sempre ter medo,
Cuidado
quando montar-se
Pois
não gosta de brinquedo,
Pois
ele é misterioso
Além disso é perigoso,
Carrega
oculto o segredo.
--
Além dessas consequências
Ele
é cheio de mania,
Fica
magro na espinha
Da
meia-noite pro dia,
Tanto
que quem não conhece
Vendo
isto esmorece
E
muito até desconfia.
Morreu
o velho vaqueiro
Então
Genésio ficou,
Com
o cavalo de campo
A
ninguém nunca emprestou,
Boi
velho no Piauí
Virou
cágado jaboti,
Nunca
mais se pabulou.
29
Na
capa daquela sela
Ele
achou um Santo Antônio,
Uma
oração muito forte
Que
espantava o demônio,
Um
postal com dois amantes
Ambos
formosos e constantes
Em
ato de matrimônio.
Achou
também uma cruz
Ainda
de Frei Serafim,
A
qual tinha um letreiro
Que
se via escrito assim:
--
Nesta foi onde morreu
E
por nós muito sofreu
Nosso
Senhor do Bom Fim.
Um
cordão de São Francisco
Em
um pano embrulhado,
E
mais um rosário bento
Tendo
um crucificado,
Genésio
examinando
Disse
depois suspirando:
-- O
velho era preparado.
Na
casa do tal Genésio
Arranchou-se
um boiadeiro,
Do
Rio Grande do Norte
Homem
sério e verdadeiro,
Tendo
o fato na memória
Lhe
contou toda a história,
Do
dito boi Mandingueiro.
30
Quando
o boiadeiro viu
O
Cavalo Misterioso,
Então
disse assustado:
--
Que animal valoroso!
Além
da sua bondade
Demonstra
a qualidade,
De
ser muito perigoso.
--
Não senhor, é muito manso
Porém
aqui no sertão,
Boi
que não foi ao curral
Derrubo
e boto no chão,
Se
criar asas e voar
Eu
também subo no ar,
E
vou com ele ao mourão.
-- E
porque você não foi
Ao
Rio Grande do Norte,
Pegar
um boi que tem lá
Bicho
da canela forte!
Não
há vaqueiro no mundo
Por
mais que seja profundo,
Para
muda-lo de sorte.
--
Vaqueiro velho de fama
Que
é veloz como bala,
Vai
pegar o Mandingueiro
Fica
surdo e sai sem fala,
Dar
uma carreira medonha
Sofre
sempre a vergonha.
Arrasta
por fim a mala.
31
Disse
Genésio de fato:
--
Se esse boi é assim,
Porém
ele nunca viu
Um cabra de volta ruim,
No
mato sou revoltoso
Meu
cavalo é perigoso
Não
há mandinga pra mim.
Por
hora caros leitores
Vou
fazer um paradeiro,
Vou
descansar um pouquinho
Pra
prosseguir no roteiro,
De
Genésio o perigoso
O
Cavalo Misterioso,
E o
grande Boi Mandingueiro.
Depois,
no outro volume
Haveremos
de conhecer,
Na
pega do Mandingueiro
O
que vai acontecer,
Tristeza,
angústia, maçada
Prazer,
amor e risada,
Para
a barriga doer. FIM
32
O
HOMEM DA VACA
E O
PODER DA FORTUNA
Francisco
de Sales Arêda
Tem
pessoa nesse mundo
Que
já nasce afortunada,
Embora
que passe o tempo
Sem
poder arranjar nada,
Mas
depois vem a fortuna
Lhe
pegar de emboscada.
Por
isto conto uma história
Que
ouvi contá-la em Trancoso,
De
um homem pobre demais
Além
disso preguiçoso,
Casado
com uma mulher
Do
coração generoso.
Há
muitos anos atraz
Em
uma velha cidade,
Esse
pobre residia
Lá
no fim do arrabalde,
Tão
cheio de precisão
Que
causava piedade.
Com
a mulher e 10 filhos
O
velho Joaquim Simão,
Sofria
fome e nudez
Dormindo
tudo no chão,
Muitas
vezes pra comer
Pedia
a população.
01
Além
de grande pobreza
A
preguiça devorava,
E
quando a mulher as vezes
Em
trabalho lhe falava,
Ele
todo aborrecido
Dentro
de casa exclamava:
--
Trabalhar pra que mulher
Pois
trabalho não convém,
Se
trabalho fosse futuro
Jumento
vivia bem,
O
que tiver de ser meu
As
minhas mãos inda vem.
--
Vejo tantos que trabalham
Ajuntando
o que é seu,
Quando
morrem deixam tudo
O
trabalho não valeu,
E outros
pelo o que vejo
Estão
pior do que eu.
-- É
mesmo dizia ela:
--
Meu velho é quem tem razão,
Porém
vamos se mudar
Para
outra região,
Que
pode até a fortuna
Nos
dar sua proteção.
Joaquim
Simão respondeu
-- O
meu juízo está todo,
Eu
não me mudo daqui
Nem
arrastado de rôdo,
Que
pedra que muito muda-se
Nunca
pode criar lôdo.
02
--
Se eu tiver que possuir
Qualquer
coisa com fartura,
Não
vou sair pelo mundo
Procurando
aventura,
Se a
fortuna me quiser
Ela
mesma me procura:
-- É
mesmo, Quinca está certo
Dizia
assim a mulher:
--
Aqui nós vamos vivendo
Da
forma que Deus quiser,
Vamos
esperar pra ver
Se a
sorte um dia nos quer.
--
Porém meu velho se anime
Vamos
botar um roçado,
Se
planta milho e feijão
E
depois dele tratado,
Será
o lucro na certa
Pra
se viver descansado.
--
Mulher deixe de loucura
Que
eu já sei como é,
A
gente limpando o mato
Vem
a cobra e morde o pé,
O
sol acaba a lavoura
Nem
preá e nem mondé.
-- E
mesmo quem trabalhar
Sem
dinheiro e sem patrão,
É
cavar lageiro duro
Com
cavador de pinhão,
Fazer
chocalho de cêra
Com
badalo de algodão.
03
-- É
verdade maridinho
Você
tem razão sobrada,
Porém
vejo que nós temos
10
filhos numa ninhada,
E
para ceiar-se hoje
Em
casa não temos nada.
--
Meu velho pegue a espingarda
E vá
na mata caçar,
Nambu,
rolinha asa branca
Que
é na certa matar,
De
noite se faz pirão
Para
a negrada ceiar:
-- O
seu plano minha velha
Está
muito direitinho,
Mas
eu pego essa espingarda
Vou
matar um passarinho,
Sai
o tiro na culatra
E
acaba com seu negrinho.
--
Temos batatas de imbu
Se
passa elas no ralo,
Com
água quente e pimenta
Se
faz cabeça de galo,
Todo
mundo enche a pança
Que
pobre não tem regalo:
-- É
mesmo homem está certo
Eu
vou cuidar nisto já,
Porém
amanhã nós vamos
Tirar
um arapuá,
Que o
mel daquilo é bom
E
melhor o samburá.
04
--
Tá minha velha, eu não vou
Nem
que você faça rôgo,
Que
arapuá é fuxico
E
ninguém aguenta o jogo,
Da
abelha nos mordendo
E a
quentura do fogo:
-- É
marido, tu não vais
Eu
muito acertado macho,
Porém
eu tirando lenha
Lá
do serrote pra baixo,
Achei
onde um peba mora
Bem
na beira dum riacho.
-- É
bom a gente cavar
Que
um peba gordo é presunto,
Simão
disse: -- Mulherzinha
Melhor
mudar esse assunto,
Porque
buraco de peba
É
morada de defunto.
--
Nós vamos atrás do peba
Se
perde nossa dormida,
Ele
engana a gente e foge
Fica
a viagem perdida,
Vem
um cascavel e morde
Lá a
gente perde a vida:
--
Tem toda razão negrinho
Bem
calma a mulher dizia:
--
Porém naquela lagoa
Tem
peixe em grande quantia,
E eu
acho bom a gente
Fazer
uma pescaria.
05
--
Está muito bem negrinha
Mas
não se tem, gereré,
E
mesmo a lagoa é funda
Que
não há quem tome pé,
E
danado é se passar
No
papo do jacaré.
-- É
melhor forrar a esteira
Vamos
deitar e dormir,
Amanhã
cedo você
Vai
pelas casas pedir,
Quando
voltar traz comer
Que
dá pra tudo remir.
A
mulher se conformava
Dizendo:
-- Está tudo bem,
E
Joaquim Simão dizia:
--
Esforçar-se não convém,
Que
quando a fortuna quer
De
qualquer forma ela vem.
Assim
o velho Simão
Vivia
sem dar um prego,
As
vezes a mulher dizia:
--
Esta pobreza arrenego,
Em
só viver pelas portas
Pedindo
mais do que cego.
Então
sucedeu um dia
Que
um boiadeiro passando,
Com
uma grande boiada
Pela
estrada aboiando,
Viu
na porta de Simão
A
pobre mulher chorando.
06
Perguntou
o que ela tinha
Ela
mostrou com franqueza,
10
filhos em volta dela
Mortos
de fome e nueza,
O
homem ficou pasmado
Em
ver a grande pobreza.
Pegou
uma vaca de leite
Das
melhores que havia,
E
disse: -- Trate bem dela
Que
é de grande serventia,
Para
a senhora dar leite
A seus
filhos todo dia.
Foi
embora o boiadeiro
E a
mulher ficou contente,
Mas
Simão disse: -- Mulher
Foi
muito bom o presente,
Porém
esta vaca velha
Só
vem dar trabalho a gente.
-- É
melhor eu pegar ela
E
pra cidade levar,
Que
aparece negócio
Para
vender ou trocar,
Eu
sendo negociante
A
gente vai melhorar.
-- É
mesmo meu maridinho
O
seu plano está certeiro,
Graças
a Deus o meu velho
Vai
também ser boiadeiro,
E
ele pegou a vaca
Saiu
tangendo ligeiro.
07
Quando
chegou adiante
Encontrou
um camarada,
Tangendo
um burro velho
De
uma perna desconchavada,
O
Simão disse pra ele:
--
Vamos dar uma trocada.
-- E
como é o negócio?
Perguntou-lhe
o cidadão:
--
Dou um no outro se quer
Respondeu
Joaquim Simão:
--
Leve a vaca e dê-me o burro
Está
feita a transação:
--
Está trocado disse o homem
E o
burro a ele entregou,
Simão
seguiu com o burro
E
mais adiante ele encontrou,
Um
velho com uma cabra
Aí
Simão perguntou:
--
Amigo vamos trocar
Esta
cabra em meu burrinho?
--
Troca-se agora mesmo
Lhe
respondeu o velhinho:
Pode
dizer o negócio
Para
eu ouvir direitinho.
--
Eu dou o burro na cabra
Se
quiser: -- Está feito,
O
velho trocou e ele
Seguiu
muito satisfeito,
Puxando
a cabra e dizendo
--
Fiz um negócio direito.
08
Já
entrando na cidade
Simão
tornou encontrar,
Um
sujeito com um galo
Aí
só fez perguntar:
--
Este galo é pra negócio
Se
quiser vamos trocar.
--
Eu dou esta cabra nele
Se
queres pode dizer,
--
Está trocado disse o homem:
Sem
nada mais promover,
Simão
seguiu com o galo
Todo
cheio de prazer.
Quando
entrou pela cidade
Encontrou
um cidadão,
Que
vinha pela calçada
Com
um pacote na mão,
Simão
disse: -- Este pacote
Se
troca num galo ou não?
O
homem lhe disse: -- Amigo
Isto
é um pão francês,
Que
comprei agora mesmo
Na
venda do português,
Porém
se quiser trocar
A
gente troca desta vez.
Pode
dizer o negócio
Pra
gente ver como é,
--
Eu dou o galo no pão,
Simão
respondeu com fé,
Que
um pão é muito bom
Pra
se tomar um café.
O
homem olhou pra ele
E
disse: -- Meu camarada,
Um
pão é pouco pra dar
Num
galo sem voltar nada,
Pegue
e pão e dez mil réis
Pra
tomar uma bicada.
E ali mesmo o homem
Pegou
o galo e seguiu,
Simão
voltou para casa
Chegando
adiante viu,
Dois
homens falando em troca
A
eles se dirigiu,
E
perguntou os senhores:
--
Gostam de trocar também?
Eu
também sou trocador
Disse
um homem: -- Muito bem
O
que tem para trocar?
Simão
disse: -- Nada tem.
Eu
trouxe hoje uma vaca
Que
minha mulher ganhou,
Mas
já dei quatro trocadas
E tudo
já se acabou,
Tenho
um pão e dez mil réis
Que
foi só o que sobrou.
Um
dos homens perguntou-lhe:
-- E
como foi que trocou,
Pra
só ganhar dez mil réis?
Então
você se enganou,
Joaquim
Simão aí disse:
Todas
trocas que traçou.
10
Disse
ele: -- Eu troquei a vaca
Num
burro mais um freguês,
Dei
o burro numa cabra
Depois
no galo pedrês,
Peguei
a cabra e o galo
Troquei
pelo um pão francês.
Os
homens sorriram muito
Com
as trocas de Joaquim,
E um
disse: - Sua esposa
É
quem vai achar ruim,
Porque
você pegou hoje
A
vaca dela e deu fim.
Joaquim
Simão disse:- - Qual
Na
minha velha confio,
Pois
tudo que eu fizer
Ela
aceita sem desvio,
Disse
o homem: -- Mas agora
Vai
se dar um desafio.
Pois
a mulher pode ter
O
mais leal coração,
Ser
mansa como a ovelha
E
boa como a razão,
Mas
dando fim no que é dela
Tem
que ouvir reclamação.
Pra
isto vamos fazer
Uma
aposta sem demora,
Dez
contos em seus dez mil réis
Nós
casa o dinheiro agora,
Se
ela não reclamar
Você
vai ganhar na hora.
11
--
Aceito disse Joaquim
E o
dinheiro casaram,
Nas
mãos de três testemunhas
O
valor depositaram,
E
pra resolver o caso
Na
mesma hora marcharam.
No
casebre de Joaquim
Estava
a mulher sentada,
Com
os 10 filhos ao redor
Bem
na porta de entrada,
Quando
Joaquim foi chegando
Perguntou
ela animada.
--
Meu velho cadê a vaca
Trocou
por lá ou vendeu,
Fez
bom negócio negrinho?
Teve
bom lucro ou perdeu?
Joaquim
disse: -- Minha velha
Vou
contar o que se deu.
Saí
daqui com a vaca
Já
bem perto da cidade,
Encontrei
um cidadão
Com
um burro de qualidade,
Troquei
a vaca no burro
Com
a maior facilidade.
--
Muito bem meu maridinho
Um
burro serve demais,
Carrega
carga e também
Toda
viagem se faz,
Onde
você deixou ele?
Quando
é que você traz?
12
--
Não minha velha o burrinho
Eu
fui com ele pra feira,
Adiante
encontrei um homem
Com
uma cabra de primeira,
Troquei
a cabra no burro
Nova
bonita e leiteira.
--
Ah! Meu velho você fez
Um
negócio que convém,
Quando
você trouxer ela
Não
vai chorar mais ninguém,
Porque
com o leite dela
Os
meninos passam bem.
-- É
mulher, porém a cabra
Agora
está sem cabrito,
E
mesmo encontrei um homem
Com
um galo muito bonito,
Troquei
a cabra no galo
Por
ser raça do Egito:
--
Está muito bem meu velho
Você
acertou agora,
Que
um galo bom no terreiro
Só
vem nos trazer melhora,
Quando
se for madrugar
O
galo acorda na hora.
-- E
porque não trouxe o galo
O
bichinho pra eu ver?
Joaquim
Simão disse: -- Nada
Espere
que eu vou dizer
O
resultado do galo
Pra
minha velha saber.
13
Segui
com ele no braço
Cheguei
na rua dei fé,
De
um homem com um pão
Do
tamanho dum jacaré,
Troquei
o galo no pão
Pra
nós tomar um café.
--
Sim meu velho este negócio
Foi
o melhor que já fez,
Que
estão todos com fome
E
sendo assim, desta vez,
Vai
já tudo encher o bucho
De
café com pão francês.
--
Se trouxe o pão me dê logo
Que
vou já fazer o café,
Joaquim
lhe deu o pacote
E o
povo ficou de pé,
Dizendo
ao homem da aposta
--
Já viu mulher o que é?
Um
companheiro lhe disse:
--
Tá vendo meu camarada,
Perdeu
seus dez contos agora
Oh
aposta dura danada,
Pra
você ver o que é.
Uma
mulher conformada.
-- É
verdade disse o homem,
Oh
mulher besta danada,
Perdi
dez contos por causa
Desta
velha abilolada,
Joaquim
bem que me disse
Que
a velha é conformada.
14
Ali
passou o dinheiro
Quinca
disse: -- Muito bem,
Minha
velha nós agora
Vamos
ser ricos também,
Bem
que eu disse que a fortuna
Quando
quer proteger vem.
Saiu
o homem da aposta
Blasfemando
e dando figa,
Dizendo:
-- Ah mulher danada
O
satanás te persiga,
E
Joaquim gritou da porta
Se
quer mais aposta diga!
Desse
dia por diante
Joaquim
Simão controlou-se,
Comprou
terra e fez morada
E a
trabalhar destinou-se
Com
uma grande fazenda
Em
pouco anos achou-se.
A
pobreza desertou
E a fortuna
fez barraca,
Bem
na porta da fazenda
Joaquim
botou uma placa,
O
povo passando lia:
--
Fazenda “Homem da Vaca”.
E o
boiadeiro que deu
A
vaquinha de presente,
Com
muito tempo depois
Passou
por lá novamente,
E
sabendo da história
Quase
morre de contente.
15
Portanto
caros leitores
Eis
a prova com certeza,
Mostrando
que a fortuna
É
brinde da natureza,
Mas
sendo pra morrer pobre
Tem
que findar na pobreza.
Mas
o pobre nunca deve
Blasfemar
porque não tem,
Se
conforme e peça sempre
A
Jesus o Sumo Bem,
Que
pode um dia a fortuna
Vir
lhe abraçar também.
Pois
assim como Joaquim
Foi
um pobre sem valor,
E um
dia veio a fortuna
Acalmar
a sua dor,
Qualquer
um pode também
Ser
disto merecedor.
Fazendo
fé na fortuna
Sem
nunca desanimar,
Aonde
encontrá-la dia
Lhe
abrace para não soltar,
Estando
com ela ao lado
Segure
até se acabar. FIM
16