sábado, 8 de dezembro de 2018

CORDEL DIGITADO





A MORTE DE ALONSO
E A VINGANÇA DE MARINA
Leandro Gomes de Barros

ALONSO e Marina são
Conhecidos do leitor,
Aquela que tinha o gênio
De um leão devorador,
O titulo do livro dela
É a FORÇA DO AMOR.

O leitor deve ter lido
Ou ter ouvido contar,
O que Marina sofreu
Para poder se casar,
De duas mortes que fez
Mesmo no pé do altar.

Essas mortes foram feitas
Com grande publicidade,
Perante os maiores homens
Ali naquela cidade,
Onde estava o presidente
 A maior autoridade.

O pai quis casá-la a força
Com quem ela não queria,
Ela esclareceu ao pai
Tudo quanto pretendia,
Dizendo fora de Alonso
Com outro não casaria.
              01
O barão já tina dado
A um sobrinho a mão dela,
O moço veio com o irmão
Para casar-se com ela,
Ela matou todos os dois
Encheu de sangue a capela.

Então eram quatro irmãos
Os dois que ela matou,
A baronesa de Agil
Que um peixe a devorou,
Braulino que era pequeno
Dos quatro foi quem ficou.

O conde de Montalvão
Sabendo do ocorrido,
Adoeceu de repente
Quase que perde o sentido,
A mulher quase que morre
Pelo que tinha sofrido.

O barão tinha lhe escrito
Contando todos passados,
Mandou o punhal com que
Foram os filhos assassinados,
Dizendo o barão: -- Fui eu
Quem fez eles desgraçados.

-- Porém aquela assassina
Um dia há de me pagar,
Essa afronta que sofri
Um dia hei de me vingar,
Embora saia depois
Pelo o mundo a mendigar.
                 02
O conde disse a mulher:
-- Condessa a nossa esperança,
Firma-se toda em Braulino
Embora seja criança,
Mas ele ainda será homem
Nós teremos a vingança.

-- Ele não há de saber
De nada desse ocorrido,
Ninguém há de lhe tratar
O que foi acontecido,
Quando ele tiver idade
Eu lhe farei o pedido.

-- Este punhal eu o guardo
Onde ele não possa ver,
Daqui só posso tirar
Se eu estiver pra morrer,
Só o tiro da bainha
Quando ele me prometer.

Depois disso doze anos
A condessa adoeceu,
Atacada de uma febre,
Não teve cura morreu,
Pediu que o conde vingasse
E o conde prometeu.

Uns oito anos depois
O conde Montalvão,
Caindo muito doente
Viu que era a ocasião,
De chamar o filho a si
E fazer declaração.
             03
Chamou Braulino e lhe disse:
-- Filho do meu coração,
Quero fazer-te um pedido
Promete fazer então?
O pedido provará
Que és um distinto irmão.

-- Prometo e assim juro
Pois são direitos sagrados,
O conde assim mesmo riu-se
Com os olhos muito fitados,
Perguntou: -- Vinga meu filhos
Que foram assassinados?

-- Meu pai e eu tive irmãos?
Braulino lhe perguntou,
-- Tivestes lhe disse o conde
E uma fera os matou,
E por isso tua mãe
Bem depressa se acabou.

-- Pois como tu me prometes
Escuta-me atentamente,
Um irmão de tua mãe
O barão de São Vicente,
Que a mais de dezoito anos
Desta terra está ausente.

-- Tinha uma única filha
Que se chamava Marina,
De uma figura elegante
Porém de uma alma ferina,
Morreram teus dois irmãos
Pelas mãos desta assassina.
                  04
-- Enamorou-se de um bandido
Sujeito até enjeitado,
O pai dela prendeu  ele
Ele peitou um soldado,
Tirou ele ocultamente
E botou noutro reinado.

-- Então o barão teu tio
Chamou teu irmão Renou,
E deu-a em casamento
Ela  porém rejeitou,
No dia do matrimonio
No altar ela o matou.

-- Florismundo outro irmão teu
Com que ele tinha ido,
Viu quando ela o cravou
Investiu enfurecido,
Ela cravou-lhe o punhal
Ele caiu sem sentido.

-- Teu tio barão pai dela
Ali a encarcerou,
O noivo esse tal Alonso
Sabendo disso voltou,
Mato o guarda do cárcere
Tirou-a e carregou.

Braulino escutava tudo
Quanto seu pai lhe dizia,
Pois da morte dos irmãos
Ele ainda não sabia,
Jurou ao pai que Alonso
Com juros lhe pagaria.
            05
É necessário contar
Tudo quanto aconteceu,
Tudo que o conde pediu
E Braulino prometeu,
Para poder se entender
Toda questão em que deu.

O conde de Montalvão
Vendo que não escapava,
Conhecendo que o filho
Muita coisa ignorava,
Pois ele era o instrumento
Que o conde tudo vingava.

A condessa morreu logo
E o conde ainda ficou,
Ao cabo de quatro anos
A moléstia o atacou,
Ele conhecendo a morte
O filho junto chamou.

Porque ele conhecia
Que dessa não escapava,
Sabia que era seu fim
Dali não se levantava,
Outras recomendações
A seu filho inda faltava.

Há mais de dezoito anos
A dezenove ou a vinte,
Que o conde Montalvão
Tinha guardado esse acinte,
Chamando-o para junto
Disse a história seguinte:
                 06
-- Meu filho eu já te contei
Meus sentimentos passados,
Tu já sabes, teus irmãos
Por quem foram assassinados,
Quero entregar-te o punhal
Com que foram transpassados.

E abrindo uma gaveta
Tirou dela uma caixinha,
E dentro da velha caixa
Um punhal velho continha,
Com as nódoas de ferrugem
Da folha até a bainha.

Com os olhos cheios de lágrimas
Em alta voz exclamou:
-- Meu filho!... vês estas nódoas
Que aqui mostrando estou?!
Foi o sangue dos teus irmãos
Que em ferrugem se tornou.

-- Tua mãe antes da morte
Foi o que mais me pediu,
Nas suas últimas palavras
Quando ela se concluiu,
Foi pedindo que eu vingasse
Já morrendo repetiu.

Braulino se ajoelhando
Exclamou oh! pai descansa,
Porque o que tu me pedes
Eu escrevo na lembrança,
Juro botar em teu túmulo
O sangue dessa vingança.
                 07
O conde estirando os braços
Os olhos nele fitou,
-- Meu filho pegue esta ar...
A palavra não findou,
Fez aceno com a mão
Nesse momento expirou.

Braulino tomou-lhe o pulso
De repente entristeceu,
Encontrou o pai sem vida
Um grande gemido deu,
Dizendo: -- Sem pai e sem mãe
Em que estado estou eu!

-- Meu pai meu maior amigo
Este que me deu o ser,
Deixou ao brotar da vida
Quem não deseja viver,
Pois que a vida é tão volúvel
Melhor fora é não nascer.

-- Eu hoje sou um visconde
Sou por diversos cercado,
Morro amanhã ou depois
Ficando então isolado,
O que mais cercou-se de mim
Agora foge assombrado!

-- Riqueza, opulência, orgulho
Tudo é cegueira da vida,
O sentimento moral
Abre na alma ferida,
Vingança é uma loucura
Soberba é sempre abatida!
                 08
-- Eu prometi ao meu pai
Eu hei de cumprir a jura,
Embora ela me leve
A borda da sepultura,
Farei isto mas sabendo
Que não há maior loucura!

-- Quem sabe se essa loucura
Não vem trazer-me o momento,
Que desça a escada triste
Do leito vil crapulento,
Me atirando com urgência
No chão do esquecimento.

-- Mas juro hei de cumprir
Não posso dela  afastar,
O que prometi ao meu pai
Não posso mais revogar,
A promessa que se faz
É obrigado a pagar.

-- Se eu morrer por causa disso
E for ao Juiz Divino,
Se for exato que o homem
Morrendo toma um destino,
Direi a Deus: -- Foi meu pai
Que fez de mim assassino.

Fez o enterro do pai
Depositou o dinheiro,
Disse ao criado: -- Eu morrendo
Você será meu herdeiro,
Preparei meus documentos
Deixei o testamenteiro.
              09
E na cova do colete
Pôs logo o dito punhal,
Dizendo: -- Este objeto
É o meu memorial,
Enquanto houver mundo eu ando
A fim de ver meu rival.

E largou-se pelo mundo
Sem saber pra onde ia,
Sem direção sem destino
Sem saber o que fazia,
Nem esperou pela missa
Do pai, no sétimo dia.

Andou em muitos países
Correu a Oceania,
Depois voltou a Europa
Porém de nada sabia,
A todos que ele indagava
Nenhum só o conhecia.

Correu América Latina
Depois voltou a Europa,
Disse – lhe um turco que Alonso
Estava em Constantinopla,
Tinha lá sentado praça
Era capitão de tropa.

Foi ele a Constantinopla
Chegando lá não achou,
Um viajante lhe disse
Que há dois anos viajou,
Com um homem chamado Alonso
Que no Egito ficou.
               10
Braulino foi ao Egito
Como o viajante dizia,
Chegou lá encontrou outro
Que com Alonso parecia,
Era também espanhol
E Braulino não conhecia.

O espanhol disse a ele
Se não estava enganado,
Alonso era um indivíduo
Que já tinha naufragado,
Perto da Ásia Menor
E por lá tinha ficado.

Disse Braulino: -- Eu corri
A América e a Oceania,
Percorri em toda Europa
Tive de encontrar um dia,
Uma noticia incerta
Que quase nada valia.

Disse o espanhol pra ele:
-- Quem sabe até se o barão,
Não tenha feito esquecida
Da filha a ingratidão,
E Alonso se casasse
E esteja em união?

-- Pelo o que diz o visconde
Alonso foi prevenido,
Se ele casou-se inda vive
Está estabelecido,
Com casa comercial
De nome bem conhecido.
                 11
Disse Braulino: -- Eu corri
Parte da Ásia menor:
-- Já correu todo Japão
Parte da Ásia Maior?
Disse Braulino: -- Inda não,
Disse o tal: -- Foi o pior.

Esse maldito espanhol
Parece que adivinhava,
Era mesmo uma certeza
Os cálculos que ele formava,
Como quem sabia de tudo
Ou quem alguém informava.

Braulino aceitou o plano
Tomou uma embarcação,
Que ia no mesmo dia
Com destino ao Japão,
Embarcou com um passageiro
Que conhecia o barão.

Disse ele ao passageiro
O barão é meu conhecido,
Mora no Japão com o genro
Que lá é estabelecido,
Chama-se Alonso de tal
Dos nomes estou esquecido.

Então Braulino pensou
Que estava bem dirigido,
A vantagem era não ser
Por ninguém lá conhecido,
Acertou todos os planos
Pra chegar lá prevenido.
             12
Então chegou ao Japão
Hospedou-se num hotel,
Lá achou um japonês
Um tal de Zurubabel,
Que lhe pareceu ter caráter
De um servo muito fiel.

Então perguntou a ele
Tu queres ser meu criado?
Zurubabel respondeu:
-- Quero e lhe fico obrigado,
Pode contar com seu servo
Lhe servirei com cuidado.

Braulino disse: -- É preciso
Eu lhe expor a condição,
Eu preciso de um criado
Homem de disposição,
Que seja até assassino
Quando houver ocasião.

Lhe disse Zurubabel:
-- Eu não encaro terror,
Eu só serei assassino
Em defesa do senhor,
Pois o crime para mim
É uma cena de horror.

Disse Braulino: -- Eu não quero
O senhor para instrumento,
Apenas vou preveni-lo
Ao chegar esse momento,
É necessário fazer-lhe
Um grande esclarecimento.
               13
-- E é preciso o senhor
Guardar bem esse segredo,
Este fato é quase um drama
É perigoso esse enredo,
Disse o servo: -- A não ser roubo
O patrão diga sem medo.

-- O senhor conhece Alonso
Um espanhol que aqui mora?
Ele morava na Espanha
Há anos que veio embora;
-- Conheço muito, é banqueiro
Passou por ali agora.

-- Conheci o sogro dele
Que já é morto o barão,
Conheço a senhora dele
E é até um figurão,
É a mulher mais bonita
Que já entrou no Japão.

-- Pois bem esse tal Alonso
Tem uma conta a pagar-me,
Ele uma, a mulher outra
Dos dois eu quero vingar-me,
Quero saber se o senhor
Se dispõe a acompanhar-me.

-- não exijo que o senhor
Ao crime vá se meter,
Só quero que me acompanhe
Faça o que eu mandar fazer,
Tenha cuidado e aguarde
Para o que puder haver.
             14
Perguntou ele ao criado:
-- O que eu devo fazer?
Qual será o melhor ponto
Para eu o conhecer?
-- Disse o servo: -- No teatro
Onde melhor pode o ver.

-- Sim senhor, disse Braulino
-- Ele o pode frequentar,
-- Toda noite, disse o servo
Eu tenho visto ele entrar,
De braço com a mulher
E é muito raro faltar.

Disse Braulino ao criado:
-- Pois você me acompanha,
Depois que isso eu conseguir
Embarco pra Alemanha,
Você embarca comigo
Depois vamos à Espanha.

-- Vá contratar logo um carro
Bolleiro habilitado,
Cavalos que sejam bons
Pague logo adiantado,
Mas veja como faz isso
Eu quero muito cuidado.

Tirou vinte e cinco libras
E deu as todas ao criado,
Dizendo: --Tome o dinheiro
Se apronte ande asseado,
Seja fiel que meu cofre
Para si está recheado.
              15
-- Vamos logo ao teatro
Não percamos as monções,
Eu quero conhecer eles
Tomar-lhe bem as feições,
Tanto dele como dela
Traços, caráter ações.

Estavam eles no teatro
Chegaram Alonso e Marina,
Braulino ao vê-los fitou
Como quem não se domina,
Exclamou consigo só:
-- Como é bela essa assassina!

Depois recordando o caso
Dizia: -- Teve razão,
Cumpriu-se mais esse crime
Por orgulho do barão,
E a grande covardia
Que apresentou meu irmão.

-- Se eu não me considerasse
Hoje um homem criminoso,
Se pudesse ainda dispor
Da liberdade e do repouso,
Somente uma mulher digna
Teria a mim como esposo!

-- Uma que por si somente
Empregasse em mim amor,
Quer feia como a visão
Quer linda como uma flor,
Mas que risse em meu prazer
E chorasse em minha dor!
                16
-- Não exijo que o pai
Fosse um rei ou um criado,
E ela não possuísse
Nem o valor dum cruzado,
Só exigia um caráter
Que nunca fosse manchado!

-- Se meu irmão desprezasse
O orgulho e a ambição,
Não desse tanto valor
A  dinheiro e a brasão,
Ainda estaria vivo
Tanto ele como o irmão!

-- Cuja ambição obrigou
A marchar pra sepultura,
E fazer quem não queria
Cometer uma loucura,
A mesma que me obrigou
A passar tanta amargura!

-- Porque jurei ao meu pai
 Na hora que ele morreu,
Que o vingava inda que fosse
Grande sacrifício meu,
Quebrar uma jura dessa
É o que não faço eu!

-- Depois pensava consigo
Como poderei fazer,
Esse crime justamente
Que resultado  devo ter?
Matar um e deixar outro
Sou arriscado a morrer.
               17
-- Mas como meu pai pediu-me
E dizem que o prometido,
É um compromisso sagrado
Como um debito contraído,
Eu faço embora depois
Fique disso arrependido.

Foi ele para o teatro
Aguardando a ocasião,
Para cometer o crime
De que já tinha intenção,
Depois no mesmo teatro
Fez outra combinação.

Terminou o espetáculo
Braulino se recolheu,
Chegou em casa deitou-se
Porém não adormeceu,
Pensando como cumprir
O juramento que deu.

Não era porque temesse
De sair mal na empresa,
Era porque repugnava
Crime de tal natureza,
Fazer dois assassinatos
Era crime sem defesa.

Então no dia seguinte
Combinou com o criado:
-- É hoje a noite do crime
Você está preparado,
Não saia hoje do carro
Pois o crime hoje é dado.
               18
Depois de ter dito isto
Viu ele Alonso chegar,
Braulino chegou-se ao carro
Sem nada lhe perguntar,
Cravou-lhe o punhal no peito
Não deixou se apear.

E partiu para Marina
Porém ela se livrou,
Marina com uma lanceta
O braço lhe traspassou,
Tanto que o punhal caiu
E ele não apanhou.

Marina acudiu Alonso
Que caíra desmaiado,
Apanhou logo o punhal
Que no chão tinha ficado,
Conheceu perfeitamente
Pois ela o tinha comprado.

Braulino evadiu-se logo
Nem no castelo entrou,
Quando cometeu o crime
Na mesma hora embarcou,
A polícia o perseguiu
Porém não o encontrou.

A diligência foi feita
Porém toda foi perdida,
Marina acudiu Alonso
Que estava ultimando a vida,
E não dava demonstração
De que estava sentida.
               19
Alonso chamou-a e disse:
-- Oh! minha esposa querida,
Eu morrendo você cuide
Em tratar da sua vida,
Já que a sua dura sorte
Sempre foi tão perseguida!


-- Marina fitou Alonso
E em alta voz exclamou,
-- Hoje a vida para mim
Foi moda que se acabou,
Tratarei dela depois
De matar quem te matou!

Alonso disse: -- Marina
Tenho a te pedir um favor,
Para tu não me vingares
Daquele infame traidor,
Que me matou inocente
Como Cristo Redentor.

Marina lhe disse: -- Alonso
Tudo te posso  fazer,
Mas não vingar tua morte
Não posso te prometer,
Inda querendo não posso
Meu gênio contradizer.

Disse-lhe Alonso: -- Marina
Melhor é você se casar,
Antes, e me esquecer,
Do que sair pra lutar,
Entregue esse crime a Deus
Pois Deus o sabe vingar.
                20
Casar-me com outro homem
Só se for por um castigo,
Disse Marina: -- Eu jurei
Casar e viver contigo!
Tu morres, mas em meu peito
Pulsa um coração amigo.

-- Minha vida está em ti
Se  nutre com teu amor,
Logo que tu não  existas
Ela murcha que nem a flor,
Sem ti Deus pode matar-me
Seja de que morte for!

-- Eu não conhecia amor
Teu amor foi o primeiro,
Não procurarei mais outro
Ele foi o derradeiro,
Fiz dele uma flor de estima
Fiz de meu peito um canteiro.

-- Estou com quarenta anos
Pouco da vida gozei,
Apenas os vinte anos
Que unida a ti desfrutei,
Esse fora como um sonho
Perdi-os quando acordei.

-- A vingança hoje domina-me
Sempre ativa me rodeia,
Meus dias são como trevas
A lua torna-se feia,
Sinto sede, mas não d’água
O sangue é quem me saceia.
                   21
A estas ultimas palavras
Alonso olhou e sorriu,
Fazendo um pequeno gesto
Logo ali se concluiu,
Marina gemeu tão alto
Que muito ao longe se ouviu.

A polícia averiguando
Com atenção e cuidado,
Não soube por qual motivo
Tinha sido o crime dado,
Alonso naquela terra
Não tinha um só intrigado.

Disse Marina ao juiz:
-- Esse crime sucedeu,
Por vingança de outro crime
Que há vinte anos se deu,
Nele Alonso era inocente
Quem fez o crime fui eu.

E metendo mão no seio
Tirando o velho punhal,
Disse: -- Eu com este matei
Om covarde sem igual,
Essa ferrugem foi sangue
Olhem que vê-se o sinal.

Aí narrou à história
Que com ela se passou,
Dizendo: -- Isto foi o irmão
Dos que eu matei se vingou,
Vingou-se em quem não devia
Quem tinha culpa ficou.
                22
-- Ele vá por onde for
Sua viagem é pequena,
Se encante como lagarta
Pode criar até pena,
Inda no céu eu o mato
Os anjos verão a cena!

Porque hoje a vida dele
Me pertence  como herança,
O sangue dele é meu ouro
Não sai de minha lembrança,
A morte não é capaz
De esquecer-me essa vingança.

Fez o enterro de Alonso
Sem lhe mudar a feição,
Botou o retrato dela
Por lembrança no caixão,
E disse: -- Quando eu vingar-me
Choro e boto luto então.

Perguntou ao guarda livros:
--Então você me acompanha,
Atreve-se a andar comigo
Em Paris, na Alemanha,
Em Portugal, na Itália
Na Dinamarca e Espanha.

Respondeu o guarda livros:
-- Se tem confiança em mim,
Eu acompanho a senhora
Até um de nós ter fim,
Então respondeu Marina:
-- Me serve é um homem assim.
                  23
Agora caros leitores
Vamos tratar de Braulino,
Quando praticou o crime
Ficou quase em desatino,
Sem acertar para onde
Devia tomar destino.

Braulino pode levar
Sangue de Alonso num lenço,
Foi ao sepulcro do pai
Com esse desejo imenso,
Olhando os ossos do pai
Ficou daquilo suspenso.

-- Meu pai disse ele ao túmulo
Eis o sangue da promessa,
É obrigado a um filho
Tudo que seu pai lhe peça,
Está o que prometi
Que minha dívida foi essa!

Nisso Braulino sentiu
A sepultura se abrir,
O esqueleto do pai
Erguer-se do pó e sair,
Quis falar, ali tombou
Foi ao mesmo pó se unir,

Uma voz triste e fanhosa
Em ecos tristes bradou,
Tira daqui este sangue
Não quero vê-lo, onde estou,
Esta maldita vingança
Agora me magoou!
           24
-- O pedido que te fiz
No momento agonizante,
Se transformou numa seta
De uma ponta penetrante,
Lançando tudo isso em meu rosto
Toda hora e todo instante!

-- As noites sou visitado
Por espectros de terror,
Infelizes que passaram
Por meu gladio vingador,
Me botando todo crime
Me acusando ao Criador.

-- Esqueletos de crianças
Pedindo o pai que eu matei,
Viúvas pedem o marido
Que eu os assassinei,
Os pobres mostram as contas
Que enquanto vivi  roubei.

-- Sou medonho como as trevas
Triste como a voz do sino,
Vem lá da eternidade
O eco medonho e fino,
Me chamando de malvado
Ladrão, perverso assassino!

Braulino já estava ali
A perder a paciência,
Pensando em ter morto um homem
Que só continha inocência,
Sem escutar os conselhos
Que lhe dava a consciência.
                 25
Agora caro leitor
Deixemos aqui Braulino,
Vamos ver Marina agora
Como tomou seu destino,
E como fez a viagem
Em busca do assassino.

Deixou os negócios entregues
Ao seu antigo criado,
Disse a ele: -- Tome conta
Aplique todo cuidado,
Faça e desfaça tudo
E marque seu ordenado.

Então disse ao guarda-livros:
-- Vamos entrar em campanha,
O assassino talvez
Se demore na Alemanha,
Se nós não acharmos lá
Vamos depois à Espanha.

Foi Marina a Alemanha
Não encontrou mais Braulino,
Soube que ele esteve ali
Mas tomou outro destino,
Disse ela: -- Na Espanha
Eu encontro o assassino.

Chegou Marina a Espanha
Alugou um torreão,
Depois de dias tratou
De tirar informação,
Onde ficava o castelo
Do conde de Montalvão.
              26
Foi lá no dito castelo
Mas Braulino não estava,
Perguntou para os criados
Se sabia onde ele andava,
Disse o criado mais velho
Tudo isso ignorava.

Então dizia Marina
Que desejava falar,
Com o conde de Montalvão
Tinha um negócio a tratar,
De uns bens que possuía
E queria hipotecar.

Então pediu a um criado
Quando visconde chegasse,
Procurasse um portador
E com urgência a visasse,
Então preveniu a ele
Que a Braulino não contasse.

Deu três libras ao criado
Ele agradeceu-lhe muito,
Disse Marina consigo:
-- Essas libras são um unto,
Por este meio é que posso
Obter qualquer assunto.

Dias depois o criado
Mandou a ela um cartão,
Dizendo: -- O senhor visconde
Já chegou em Montalvão,
Se ainda quer lhe falar
É própria a ocasião.
              27
Marina chamou Abel
E lhe disse: -- Meu amigo,
Quero saber se está pronto
De encarar a morte amigo;
Disse Abel: -- Para servi-la
A morte não é perigo.

Disse Marina: -- Pois bem
Vamos primeiro pensar,
O castelo Montalvão
Dois só não podem cercar,
O certo é ir pela porta
Resulte o que resultar.

Marina achou na Espanha
Três rapazes do Japão,
Que estavam morrendo à fome
Sem acharem proteção,
Ela os chamou e disse-lhes:
-- Dou-lhes roupa, casa e pão.

-- Confio que vocês guardem
Um segredo que direi,
Não revelem o meu nome
Não digam onde morei,
Que quando eu sair daqui
Pro Japão eu os levarei.

Então disse ao guarda-livros:
-- Abel temos precisão,
De duas ou três pessoas
Que tenha disposição,
Vamos ver se conduzimos
Os rapazes do Japão.
            28

-- É respondeu Abel
Ir daqui bem prevenido,
Quem deve fica assustado
Não deixa de está munido,
Se errar o primeiro golpe
Vai alterar-lhe o sentido.

Chamou ela os três rapazes
Marcos, Ângelo e Salvador,
Perguntou a todos três:
-- Vocês me fazem um favor?
Responderam todos três:
-- Fazemos, seja o que for.

-- É perigoso ela disse:
-- Não tem perigo senhora,
Pra um de nós a servir
Não tem dia nem tem hora,
Precisa de nossas vidas?
Pode tirá-las agora.

-- Pois bem respondeu Marina
Sou obrigada a dizer,
Trata-se de uma vingança
Um crime que hei de fazer,
Mas eu exclusivamente
Sou que há de cometer.

-- Seja como for senhora
Responderam todos três,
Damos a vida por si
Morremos de uma só vez;
Então Marina ainda disse:
-- Eu agradeço a vocês.
               29
Marina disse a Abel
Não devemos demorar,
No porto ontem chegou
A barca “Virgem Polar”,
Eu escrevo ao capitão
Para por mim esperar.

-- Leve dinheiro daqui
Quantia que ele se iluda,
Com dinheiro e simpatia
Não precisa mais ajuda,
Com a presença do dinheiro
Tudo se faz e se muda.

Abriu uma das gavetas
E tirou dela o cartão,
Escrevendo nestes termos:
“Digníssimo Capitão”,
“Quero fretar sua barca
Da Espanha  pro Japão”.

Abel foi ao porto e veio
Deixando tudo arrumado,
Chegou e disse a Marina:
-- Deixei tudo preparado,
Na barca só vamos nós
Assim ficou contratado.

Era meia noite em ponto
O mundo estava em trevas,
Piava um pássaro baixinho
Nas rochas daquelas selvas,
Como também alguns grilos
Chiavam em cima das relvas.
                 30
Chegaram então ao castelo
Sem alguém os pressentir,
Marina trazia um pó
Que obrigava a dormir,
Quem sentisse o cheiro dele
Não podia resistir.

Marina queimou o pó
Deixou a fumaça entrar,
Abriram uma janela
Para nela penetrar,
Marina seguiu na frente
Com cuidado a procurar.

Aí Braulino acordou
Ergueu-se e foi ver quem era,
Marina conheceu  ele
Aí gritou: -- É esta fera!
Braulino então conheceu
Que a coisa era de vera.

Ainda atirou duas vezes
Mas nenhum tiro atingiu,
Marina atirando nele
Ali mesmo ele caiu,
Dos criados que ali tinha
Nenhum, o barulho ouviu.

Levaram ele nos braços
Foram logo embarcar,
Marina narcotizou-o
Tratou logo de curar,
Desembarcaram no Japão
E ninguém os viu chegar.
               31
Braulino tinha essa tarde
Uma viagem formada,
E tinha dito aos criados
Que ia de madrugada,
Deu toda definição
Deixou a mata arruda

Os criados de manhã
Julgaram ele ter ido,
Visto o quarto estar trancado
E a barca ter saído,
Nem podiam imaginar
Ter aquilo sucedido.

Às três horas da manhã
Eles no porto chegaram,
Marina, Abel e os rapazes
Na barca todos entraram,
Então pegando o caixão
Ocultamente levaram.

Então Marina levou-o
Mas ele narcotizado,
Quando chegaram ao Japão
Da barca ele foi tirado,
Foi para um subterrâneo
Que já estava preparado.
             
Marina deu-lhe um remédio
Fez ele voltar a si,
Perguntou-lhe:-- Assassino
Sabes por que estás aqui,
-- Pois não, respondeu Braulino
Eu sei o que cometi.
            32

-- E conheces quem sou eu?
Os instintos infernais?
-- Conheço disse Braulino
A filha de satanás!
Mataste meus dois irmãos,
E acabrunhastes meus pais.

-- Porque razão assassino
Tu mataste meu marido?
-- Foi por causa do meu pai
Ter me feito esse pedido,
Inda preso como o cão
Não estou arrependido.

Marina lhe perguntou:
-- Já sabes que vais morrer:
-- Eu suponho diz Braulino,
Mas falando sem tremer,
É o menos que a senhora
Comigo pode fazer.

Marina se retirou
Deixando só na prisão,
E depois no cárcere dele
Mandou pôr um lampião,
E mandou pelos criados
Levar-lhe a refeição.

Braulino estava com fome
Porém em nada tocou,
No outro dia  Marina
Indo no cárcere notou,
A comida estava da forma
Que o criado deixou.
              33
Marina lhe perguntou:
-- Então como quer morrer?
-- Todo sistema me serve
Mate lá como entender,
Morro muito satisfeito
Porque cumpri meu dever.

Ela ainda perguntou:
-- Onde quer se enterrar?
Braulino olhou e disse:
-- Eu não conheço lugar,
Dê meu cadáver aos cachorros
É mesmo que me sepultar.

-- Pois bem, respondeu Marina
Já que não quer escolher,
Eu só te mato assassino,
Depois que te ver sofrer,
Quando te parecer festa
É o dia que hás de morrer.

Marina então retirou-se
Disse consigo Braulino:
-- Morrerei de fome e sede
Assim cumpro meu destino,
Contanto que não dê gosto
Aquele gênio assassino.

Passou seis ou sete dias
Sem aceitar alimento,
Marina casualmente
Entrou em seu aposento,
Disse: -- A fome a este monstro
Ainda não é tormento.
             34
Ordenou que os criados
O pusesse sobre o chão,
E a força lhe botasse
Pela a boca água e pão,
Que ele se alimentasse
Quer quisesse aquilo ou não.

Os criados executaram
O que Marina ordenou,
A custa de muita força
Braulino se alimentou,
Vendo que comia sempre
Depois o pão aceitou.

Depois de 5 ou 6 meses
Já ele estava mais forte,
Disse Marina: -- Eu o faço
Arrepender-se da sorte,
Ele há de curvar-se a mim
Pedindo que dê-lhe a morte.

Mandou pôr água no cárcere
Até que fizesse lama,
Onde ele não achasse
Onde fizesse uma cama,
Dizendo ele há de curvar-se
Dentro da água ou da chama.

Deitaram água no cárcere
Que ficou tudo alagado,
Braulino quando viu água
Ficou até animado,
Dizendo: -- Eu agora aqui
Talvez que morra afogado.
                35
Mas a água era tão pouca
Que nem mesmo o pé cobria,
E ele ali conheceu
Que afogado não morria,
Aquele enorme tormento
Crescendo dia após dia.

Seis dias passou na lama
Lhe  apareceu inchação,
Então Marina mandou
Botá-lo em outra prisão,
Num quarto a forma de estufa
Com pouca respiração.

O quarto era muito estreito
Com grossas tábuas forrado,
Em cima duma fornalha
Era o cárcere colocado,
Qualquer preso em tal prisão
Morreria asfixiado.

Marina mandou botar
Na fornalha um fogo lento,
Que fosse de pouco a pouco
Esquentando o aposento,
Então ali na prisão
Não aparecia vento.

Braulino rangia os dentes
Como fera engaiolada,
Exclamando: -- Oh! ela ainda
Não acha que está vingada!
Não acha que minha existência
Está bem amargurada!.
             36
Então a ação do fogo
Já tinha tanto crescido,
E Braulino com o calor
Estava enfurecido,
Que blasfemava de tudo
Já desvairando o sentido.

Exclamava foi mentira:
-- Jesus por mim não morreu,
Mil vezes maldita seja
A mãe que me concebeu,
Maldito o pai que gerou-me
Que tal conselho me deu!

-- Maldito o primeiro leite
Que meu estômago ingeriu,
Maldito seja esse monstro
Que como pai me serviu,
Ali lhe deu um ataque
Não sustentou-se e caiu.

Assim mesmo inda exclamou:
-- Oh! Deus tem pena de mim,
Toca aquele coração
De tirania sem fim,
Que venha logo matar-me
Não faça eu sofrer assim!

-- Se eu pudesse vê-la agora
Lhe  pediria o perdão,
Pela a alma do esposo
Que assassinei sem razão,
Talvez que o nome de Alonso
Lhe  abrandasse o coração.
               37
Marina então pode ouvir
Toda aquela exclamação,
Ouviu falar em Alonso
Doeu-lhe no coração,
Então mandou os criados
Botá-lo em outra prisão.

Quando ele saiu do quarto
Estava quase sem sentido,
Exclamava por Alonso:
-- Fui hoje favorecido,
Deus perdoai esse crime
De que estou arrependido!

Ao cabo de quatro dias
Ele sempre melhorou,
Pelas dez horas do dia
Marina se apresentou,
Braulino se ajoelhou
Prostrado aos seus pés chorou.

Dizendo: -- Minha senhora
Quero fazer-lhe um pedido,
Eu sei que ainda não paguei
A morte do seu marido,
Por ele crave-me o ferro
Com que ele foi ferido!

Marina naquela hora
Suspendendo a cólera imensa,
Ora tremia-lhe o corpo
Ora ficava suspensa,
Disse: -- Eu solto esse assassino
Deus que lhe marque a sentença.
                38
-- Assassino eu te perdoo
A morte do meu marido,
Pois ele antes da morte
Me deixou este pedido,
No tribunal do Eterno
Teu crime será punido.

-- Suma-se da minha vista
Então Braulino saiu,
Embarcou no mesmo dia
Para a Espanha seguiu,
Sem poder fazer um calculo
Nem quem foi que lhe acudiu.

Quando chegou na Espanha
Pegou ele a refletir,
Como do gládio da morte
Podia ele escapulir:
-- Um covarde como eu
Não vale a pena existir!

Já perto da meia noite
Pegou Braulino a pensar,
Em abrir o túmulo do pai
E depois se suicidar,
Que um nome negro e covarde
Devia se liquidar.

Fez uma carta a Marina
Dizendo: -- Minha senhora,
A morte de seu Marido
Há de ser vingada agora,
Creio que vou morrer já
Não duro mais uma hora.
             39
-- Fui um covarde em matar
A quem nunca me ofendeu,
Devido um pai miserável
Que seus conselhos me deu,
Matei um homem que era
Mil vezes melhor que eu.

Sacando a mão do revólver
Correu qual desesperado,
Meteu o ferro do túmulo
Onde o pai estava enterrado,
Dizendo: -- Ergue-te do pó
Esqueleto desgraçado!

-- Erga esta alma negra
Do pó que está reduzida,
Vem escutar minha voz
Tão magoada e sentida,
Ouve o produto que deu
Tua imprudência exigida.

-- Por tua causa sofri
Todo tipo de amargura,
Estive em prisão infectas
Mais feias que a sepultura,
Metido em gelo e em chamas
Com a maior desventura.

-- Porque não me assassinastes
Quando eu era bem pequeno?
Não tinha tão bons punhais
Tantos frascos de veneno?
Maldito seja mil vezes
Teu agoureiro terreno!
             40
Braulino estava falando
Viu os ossos se juntarem,
Surgiram dois esqueletos
E pra ele se botarem,
Com bocas tintas de sangue
Rangindo os dentes, uivarem.

-- Fomos quem te deu o ser
Assim os vultos diziam,
Com os dentes enferrujados
Um ao outro se mordiam,
Duas línguas negras e secas
Dos esqueletos saiam.

Braulino inda atirou neles
Porém não os ofendeu,
Os dois vultos o agarraram
E ele a vala desceu,
Aí a terra fechou-se
Tudo desapareceu,

Marina sabendo disso
Ficou muito arrependida,
Dizendo: -- Eu obrei mal
Ficar tão enfurecida!...
Cinco ou seis meses depois
Deixou também, ela a vida.

No túmulo de Montalvão
Ninguém podia chegar,
Que a meia noite em ponto
Se ouvia um eco bradar,
Gemer um, suspirar outro
Outro a sorte praguejar.  FIM
                41

                                              

A DONZELA TEODORA
Leandro Gomes de Barros

Eis a real descrição
Da história da donzela,
Dos sábios que ela venceu
E a aposta ganha por ela,
Tirado tudo direito
Da história grande dela.

Houve no reino de Túnis
Um grande negociante,
Era natural da Hungria
E negociava ambulante,
A quem podia chamar-se
Uma alma pura e constante.

Andando um dia na praça
Numa porta pôde ver,
Uma donzela cristã
Ali para se vender,
O mercador vendo aquilo
Não pôde mais se conter.
           01
Tinha feição de fidalga
Era uma espanhola bela,
Ele perguntou ao mouro
Quanto queria por ela,
Entraram então em negócio
Negociaram a donzela.

O húngaro conheceu nela
Formato de fidalguia,
Mandou educá-la bem
Na melhor escola que havia,
Em pouco tempo ela soube
O que ninguém mais sabia.

Mandou ensinar primeiro
Música e filosofia,
Ela sem mestre aprendeu
Metafísica e astrologia,
Descrever com distinção
História e anatomia.

Ela que já era um ente
Nascida por excelência,
Como quem tivesse vindo
Das entranhas da ciência,
Tinha por pai o saber
E por mãe a inteligência.

Em pouco tempo ela tinha
Tão grande adiantamento,
Que só Salomão teria
               02
Um igual conhecimento,
Cantava música e tocava
A qualquer um instrumento.

Estudou e conhecia
As sete artes liberais,
Conhecia a natureza
De todos os vegetais,
Descrevia muito bem
A casta dos animais.

Descrevia os doze signos
De que é composto o ano,
Da cabeça até os pés
Conhecia o corpo humano,
E dava definição
De tudo do oceano.

Admirou todo mundo
O saber desta donzela,
Tudo que era ciência
Podia se encontrar nela,
O professor que ensinou-a
Depois aprendeu com ela.

Mas como tudo no mundo
É mutável e inconstante
Esse rico mercador
Negociava ambulante
E toda sua fortuna
Perdeu no mar num instante
                 03
Atrás do bem vem o mal
Atrás da honra a torpeza,
Quando ele saiu de casa
Levava grande riqueza,
Voltou trazendo somente
Uma extrema pobreza.

Só via em torno de si
O vil manto da mazela,
Em casa só lhe restava
A mulher e a donzela,
Então chamou Teodora
E pediu o parecer dela.

Disse ele: -- Minha filha
Bem vês minha natureza,
E sabes que o oceano
Espoliou minha riqueza,
Espero que teus conselhos
Me tirem desta pobreza.

Ela quando ouviu aquilo
Sentiu no peito uma dor,
E lhe disse, tenha fé
Em Deus nosso salvador,
Vou estudar um remédio
Que salvará o senhor.

E disse: -- Meu senhor saia
Procure um amigo seu,
É bom ir logo na casa
                 04
Do mouro que me vendeu,
Chegue lá converse com ele
E conte o que lhe sucedeu.

O que ele oferecer-lhe
De muito bom grado aceite,
E veja se ele lhe vende
Vestidos que me endireite,
Compre a ele todas as joias
Que uma donzela se enfeite.

Se o mouro vender-lhe tudo
Com que possa me compor,
Vossa mercê vá daqui,
Vender-me ao rei Almançor
É esse o único meio
Que salvará o senhor.

El-rei lhe perguntará
Por quanto vai me vender,
Por dez mil dobras de ouro
Meu senhor há de dizer,
Quando ele admirar-se
Veja o que vai responder.

Dizendo alto senhor
Não fiqueis admirado,
Eu vendo com precisão
Não peço preço alterado,
Dobrada a esta quantia
Tenho com ela gastado.
               05
É esse o único meio
Para a sua salvação,
Se o mouro vende-lhe tudo
Descanse seu coração,
Daqui para o fim da vida
Não terá mais precisão.

O mercador seguiu tudo
Quanto a donzela ditava,
Chegou ao mouro e contou-lhe
O desespero em que estava,
Então o mouro vendeu-lhe
Tudo quanto precisava.

Roupa, objetos e joias
Para enfeitar a donzela,
As roupas vinha que só
Sendo cortada pra ela,
Ela quando vestiu tudo
Pareceu ficar mais bela.

O mercador aprontou-se
E seguiu com brevidade,
Falou ao guarda da corte
Com toda amabilidade,
Para deixá-lo falar
Com a real majestade,

Então subiu um vassalo
Deu parte ao rei Almançor,
O rei chegou a escada
                 06
Perguntou ao mercador:
— Amigo qual o negócio
Que tem comigo o senhor?

Então disse o mercador
Com uma grande humildade:
— Senhor venho a vossa alteza
Com grande necessidade,
Ver se vendo esta donzela
A vossa real majestade.

O rei olhou a donzela
E disse dentro de si:
Foi a mulher mais formosa
Que neste mundo já vi,
Trinta ou quarenta segundos
O rei presenciou ali.

Perguntou ao mercador:
Por quanto vendes à donzela?
Por 10 mil dobras de ouro
É o que peço por ela,
E não estou pedindo caro
Visto a habilidade dela.

Disse o rei ao mercador:
— Senhor, estou surpreendido,
Dez mil dobras de bom ouro
É preço desconhecido,
Ou tu não queres vendê-la
Ou estás fora do sentido.
                   07
Disse o mercador: -- El rei
Não é caro esta donzela,
Dobrado a esta quantia
Gastei para educar ela,
Excede a todos os sábios
A sabedoria dela.

O rei mandou logo chamar
Um grande sábio que havia,
O instrutor na cidade
Em física e astronomia,
Em matemática e retórica
História e filosofia.

Esse veio e perguntou-lhe
— Donzela estás preparada,
Para responder-me tudo
Sem titubear em nada?
Se não estiver seja franca
Se não saia envergonhada.

Então ela respondeu-lhe
— Mestre pode perguntar,
Eu lhe responderei tudo
Sem cousa alguma faltar,
Farei debaixo da lei
Tudo que o senhor mandar.

O sábio ali preparou-se
Para entrar em discussão,
Ela com muita vergonha
               08
Mas não teve alteração,
Pediu licença ao El-rei
E ficou de prontidão.

— Diz-me donzela o que Deus
Sob o céu primeiro fez,
Respondeu o sol e a lua
E a lua por sua vez,
É por uma obrigação
Cheia e nova todo mês.

— Além do sol e da lua
Doze signos foram feitos,
Formando a constelação
Sendo ao sol todos sujeitos,
Desiguais na natureza
Com diversos preconceitos.

Como se chama esses signos?
Perguntou o emissário,
A donzela respondeu:
— Capricórnio e Aquário,
Tauro, Câncer, Libra, Virgo
Pisces, Escórpio e Sagitário.

— Existem outros três signos
Áries, Léo e Geminis,
No signo Léo quem nascer
Será um homem feliz,
Inclinado a viajar
Por fora de seu país.
              09
O sábio disse: -- Donzela
É necessário dizer,
Que condições tem o homem
Que em cada signo nascer,
Por influência o signo
De que forma pode ser?

Disse ela o signo Aquário
Reina o mês de janeiro,
O homem que nascer nele
Tem o crescimento vasqueiro,
Será amante das mulheres
Venturoso e lisonjeiro.

Pisces reina em fevereiro
Quem nesse signo nascer,
É muito gentil de corpo
Muito guloso em comer,
Risonho, gosta de viagens
Não faz o que prometer.

Em março governa Áries
Neste signo nascerão,
Homens nem ricos nem pobres
Por nada se zangarão,
Neles se notam um defeito
Falando sós andarão.

Em abril governa Tauro
Um signo bem conhecido,
O homem que nascer nele
             10
Será muito presumido,
Altivo de coração
Será rico e atrevido.

Geminis governa em maio
Sua qualidade é quente,
O homem que nascer nele
Será fraco e diligente,
Para os palácios e cortes
Se inclina constantemente.

Em julho governa Câncer
Sua qualidade é fria,
O homem que nascer nele
É forte e tem energia,
É gentil, tem muita força
E sempre tem alegria.

Em julho governa Léo
Por um leão figurado,
O homem que nascer nele
É lutador e honrado,
Altivo de coração
Inteligente e letrado.

Em agosto reina Virgo
Vem da terra a natureza,
O homem que nascer nele
No princípio tem riqueza,
Depois se descuidará
Por isso cai em pobreza.
              11
Em setembro reina Libra
A Vênus assinalado,
O homem que nascer nele
Será um pouco inclinado,
A viajar pelo mar
É lutador e honrado.

O que nascer em outubro
Será homem falador,
Inclinado aos maus costumes
Teimoso e namorador,
Pouco lícito nos negócios
Falso grave e enganador.

Então o mês de novembro
Sagitário é o reinante,
O homem que nascer nele
Será cínico e inconstante,
Desobediente aos pais
Intratável assim por diante.

Em dezembro é Capricórnio
Tem a natureza de terra,
O homem que nascer nele
Será inclinado a guerra,
Gosta de falar sozinho
E por qualquer coisa emperra.

O sábio ali levantou-se
Disse ao rei: -- Esta donzela,
Não há sábio aqui no mundo
                12
Que tenha a ciência dela,
E confesso vossa alteza
Que estou vencido por ela.

O rei ali ordenou
Que fosse o sábio segundo,
Foi um matemático e clínico
Um gênio grande e fecundo,
E conhecido por um
Dos sábios maior do mundo.

Chegou o segundo sábio
Que ainda estava orelhudo,
E disse: -- Donzela eu tenho
Dezoito anos de estudo,
Não sou o que tu venceste
Conheço um pouco de tudo.

A donzela respondeu:
-- Com licença de El-rei,
Tudo que me perguntares
Aqui te responderei,
Com brevidade e acerto
Tudo vos explicarei.

Perguntou o sábio a ela:
-- Em nosso corpo domina,
Qualquer um dos doze signos
Que a donzela descrimina,
Terá alguma influência
Os signos com a medicina?
               13
Então a donzela disse:
-- Descrito mestre direi,
Sabe que os signos são doze
Como eu já expliquei,
Compactam com a química
Quer saber? Explicarei.

Áries domina a cabeça
Uma parte melindrosa,
Para quem nascer em março
A sangria é perigosa,
A pessoa que sangrar-se
Deve ficar receosa.

Libra domina as espáduas
Câncer domina os peitos,
Para os que são deste signo
Purgantas tem maus efeitos,
E as sangrias também
Não serão de bons proveitos.

Tauro domina o pescoço
Léo domina o coração,
Capricórnio influi nos olhos
Escórpio a organização,
Geminis domina os braços
E influi na musculação.

Virgo domina o ventre
E Aquário nas canelas,
Para os que são desses signos
               14
Purgas e sangrias são belas,
Então Sagitário e Pisces
Ambos têm iguais tabelas.

O sábio dentro de si
Disse meio admirado,
Onde esta discutir
Ninguém pode ser letrado,
Esta só vindo a propósito
De planeta adiantado.

O sábio disse: -- Donzela
Eu quero se tu puderes,
Isto é, eu creio que podes
Não dirás se não quiseres,
O peso, idade e conduta
Que têm todas as mulheres.

Disse a donzela: -- A mulher
É sempre a arca do bem,
Porém só quem as criou
Sabe o peso que ela tem,
Isso é uma coisa ignota
Disso não sabe ninguém.

Que me dizes das donzelas
De vinte anos de idade?
Respondeu: -- Sendo formosa
Parece uma divindade,
Principalmente ao homem
Que lhe tiver amizade.
               15
As de trinta e quarenta
Que dizes tu que elas são?
Disse ela: -- Uma dessas
É de muita consideração,
— Das de 50 o que dizer?
— Só prestam para oração.

— Que dizes das de 70?
— Deviam estar num castelo,
Rezando por quem morreu
Lamentando o tempo belo,
O que dizes das de 80?
— Só prestam para o cutelo.

Então classificas as velhas
Tudo de mal a pior?
E nos defeitos de tantas
Não se encontra um menor,
Disse ela: -- Deus me livre
De ser vizinho da melhor.

Donzela o sábio lhe disse
Sei que és caprichosa,
Entre todas as pessoas
És a mais estudiosa,
Diga que sinais precisam
Para a mulher ser formosa.

Então a donzela disse:
-- Para a mulher ser formosa
Terá dezoito sinais
             16
Não tendo é defeituosa,
A obra por seu defeito
Deixa de ser melindrosa.

Há de ter três partes negras
De cores bem reluzentes,
Sobrancelhas, olhos, cabelos
De cores negras e ardentes,
Branco o lacrimal dos olhos
Ter branca a face e os dentes.

Será comprida em três partes
A que tiver formosura,
Compridos os dedos das mãos
O pescoço e a cintura,
Rosada cútis e gengivas
Lábios cor de rosa pura.

Terá três partes pequenas
O nariz, boca e pé,
Larga a cadeiras e ombros
Ninguém dirá que não é,
Cujos sinais teve-se todos
Uma virgem em Nazaré.

O sábio quando ouviu isto
Ficou tão surpreendido,
E disse: -- El-rei Almançor
Confesso que estou vencido,
E quem argumentar com ela
Se considere perdido.
               17
El-rei mandou que outro sábio
Entrasse em discussão,
Então escolheram um
Dos de maior instrução,
A quem chamavam na Grécia
Professor da criação.

Abraão de Trabador
Veio argumentar com ela,
E disse logo ao entrar:
-- Previna-se bem, donzela
Dizendo dentro si
Hoje eu hei de zombar dela.

Então a donzela disse:
-- Mestre estarei disposta,
De todas suas perguntas
O senhor terá resposta
Se tem confiança em si
Vamos fazer uma aposta?

-- Minha aposta é a seguinte
De nós o que for vencido,
Ficará aqui na corte
Publicamente despido,
Da forma que veio ao mundo
Na hora que foi nascido.

O sábio disse que sim
Mandaram o termo lavrar,
E a donzela pediu
           18
Ao rei para assinar,
Para a parte que perdesse
Depois não se recusar.

Lavraram o termo e foi
Às mãos do rei Almançor,
Pra fazer válido o trato
E ficar por fiador,
Obrigando quem perdesse
Dar as roupas ao vencedor.

O sábio aí perguntou:
Qual é a coisa mais aguda?
Disse ela: -- É a língua
Duma mulher linguaruda,
Que corta todos os nomes
E o corte nunca muda.

Donzela qual é a coisa
Mais doce do que o mel?
— É o amor do pai a um filho
Ou duma esposa fiel,
A ingratidão de um desses
Amarga mais do que fel.

O sábio disse: -- Donzela
Conheces os animais?
Quero agora que descrevas
Alguns irracionais,
Me diga qual é o bicho
Que possui oito sinais.
              19
Mestre, isto é gafanhoto
Vive embaixo dos outeiros,
Tem pescoço como vaca
Esporas de cavaleiros,
Tem olhos como marel
Um pássaro dos estrangeiros.

Focinho como de vaca
Tem pés como de cegonha,
Tem cauda como de víbora
Uma serpente medonha,
E é infeliz o vivente
Que a boca dela se ponha

Tem peito como cavalos
E não ofende a ninguém,
Tem asas como de águia
A que voa muito além,
São estes oito sinais
Que o gafanhoto tem.

Perguntou o sábio a ela:
— Que homem foi que viveu,
Porém nunca foi menino
Existiu mas não nasceu,
A mãe dele ficou virgem
Até que o neto morreu.

— Este homem foi Adão
Que da terra se gerou,
Foi feito já homem grande
                  20
Não nasceu, Deus o formou,
A terra foi a mãe dele
E nela se sepultou.

Foi feito mas não nascido
Essa nobre criatura,
A terra foi a mãe dele
Serviu-lhe de sepultura,
Para Abel o neto dela
Fez-se a primeira abertura.

— Donzela qual é a coisa
Que pode ser mais ligeira?
Respondeu: -- O pensamento
Que voa de tal maneira,
Que vai ao cabo do mundo
Num segundo que se queira.

O sábio fitou-a e disse:
— Donzela diga-me agora,
Qual o prazer de um dia
Qual prazer duma hora?
— Dum negócio que se ganha
Dum passeio que se dar fora.

A donzela respondeu
Com a maior rapidez,
Disse: -- Um homem viajando
E se bom negócio fez,
É um dos grande prazeres
Que terá por sua vez.
                  21
Donzela o que é a vida?
Diz ela: -- Um mar de torpeza,
O que pode assemelhar-se
À vela que está acesa,
Às vezes está tão formosa
E se apaga de surpresa.

Donzela por quantas formas
Mente a pessoa afinal?
Respondeu: -- Mente por duas
Tendo como essencial,
Exaltar a quem quer bem
E pôr taxa em quem quer mal.

Donzela que é velhice?
Respondeu com brevidade:
-- É vestidura de dores
E a mãe da mocidade,
E o que mais aborrecemos?
Respondeu: -- É a idade

Donzela qual é a coisa
Que quem mais tem mais quer?
Disse ela: -- É o dinheiro
Que o homem e a mulher,
Não se farta de ganhar
Tenha a soma que tiver.

Qual é a coisa que o homem
Possui e não pode ver?
Disse ela: -- O coração
                22
Que aberto tem que nascer,
Ver a raiz dos seus olhos
Não há quem possa obter.

Donzela qual foi o homem
Que por dois ventres passou?
Disse a donzela: -- Foi Jonas
Que uma baleia o tragou,
Conservou-o dentro três dias
E depois o vomitou.

O sábio disse: -- Donzela
Qual o homem mais de bem?
Disse ela: -- É aquele
Que menos defeitos tem,
Quem terá menos defeitos?
— Isso não sabe ninguém.

— Donzela qual é a coisa
Que não se pode saber?
O pensamento do homem
Se ele não quer dizer,
Por mais que a mulher procure
Não poderá obter.

— Donzela o que é a noite
Cheia de tantos horrores?
Disse ela: -- É descanso
Dos homens trabalhadores
É capa dos assassinos
Que encobre os malfeitores.
                 23
— Onde a primeira cidade
Do mundo foi construída?
— A cidade de Nínive
A primeira conhecida,
Que depois de certo tempo
Foi pela Grécia abatida.

Perguntou: -- Qual o guerreiro
Que teve a antiguidade?
Respondeu: -- Foi Alexandre
Assombro da humanidade,
Guerreou vinte e dois anos
E morreu na flor da idade.

Donzela falaste bem
Do maior conquistador,
Diga dos homens qual foi
O maior sentenciador?
— Pilatos que deu sentença
A Cristo Nosso Senhor.

De todos os patriarcas
Qual seria o mais valente?
— O patriarca Jacó
Que lutou heroicamente,
Com os anjos mensageiros
Do monarca onipotente.

— Qual foi à primeira nau
Que foi para o estaleiro,
— Foi a Arca de Noé
              24
A que no mar foi primeiro,
Onde escapou um casal
De tudo no mundo inteiro.

— O que é que corta mais
Que a navalha afiada?
É a língua da pessoa
Depois de estar irada,
Corta com mais rapidez
Que qualquer lâmina amolada.

— Qual é o maior prazer
Com que se ocupa a história?
Respondeu: -- Quando um guerreiro
No campo ganha vitória,
Sabei que não pode haver
Tanto prazer tanta glória.

O sábio disse: -- Donzela
Tens falado muito bem,
Me diga que condições
O homem no mundo tem?
Disse a donzela: -- Tem todas
Para o mal e para o bem.

É manso como a ovelha
E feroz como o leão,
Seboso como o suíno
É limpo como o pavão,
É falso como a serpente
É tão leal como o cão.
               25
É fraco como o coelho
Arrogante como o galo,
Airoso como o furão
Forçoso como o cavalo,
E mais te digo que o homem
Ninguém pode decifrá-lo

É calado como peixe
Fala como papagaio,
É lerdo como preguiça
É veloz igual ao raio,
É sábio quando ouviu isto
Quase que dar-lhe um desmaio.

Então inventou um meio
Para ver se a pegaria
Perguntou: -- O sol da noite
Terá luz quente ou fria?
A donzela respondeu
Que à noite sol não havia.

Com a presença do sol
É que se conhece o dia,
Se de noite houvesse sol
A noite não existia,
E sem o sereno dela
Todo vivente morreria.

Sem água, sem ar, sem luz
A terra não tinha nada,
Não tinha os seres que tem
          26
Seria desabitada,
A própria vegetação
Não podia ser criada.

Os reinos da natureza
Cada um possui um gênio,
É necessário o azoto
Precisa o oxigênio,
Para a infusão disso tudo
O carbono e o hidrogênio.

O dia Deus fez bem claro
A noite fez bem escura,
Se de noite houvesse sol
Estava o homem à altura,
De notar esse defeito
E censurar a natura.

O sábio baixou a vista
E ouviu tudo calado,
Nada teve a dizer
Pois já estava esgotado,
E tinha plena certeza
Que ficava injuriado.

Disse ao público: -- Senhores
A donzela me venceu,
Não sei com qual professor
Esta mulher aprendeu,
Aí a donzela disse:
-- Então o mestre perdeu?
              27
Ele vendo que estava
Esgotado e sem recursos,
Ficou trêmulo e muito pálido
Fugiu-lhe até os pulsos,
Prostrou-se aos pés de El-rei
Se sufocando em soluços.

E disse: -- Senhor, confesso
A vossa real majestade,
Que vejo nesta donzela
A maior capacidade,
Ela merece ter prêmio
Pois tem grande habilidade.

A donzela levantou-se
Foi ao soberano rei,
Então beijando-lhe a mão
Disse: -- Vos suplicarei
Mande o sábio entregar-me
Tudo que dele ganhei,

O rei ali ordenou
Que o sábio se despojasse,
De todas as vestes que tinha
E à donzela as entregasse,
O jeito que tinha ali
Era ele envergonhar-se.

O sábio pôs-se a despir-se
Como quem estava doente,
Fraque, colete e camisa
             28
Ficando ali indecente,
E pediu para ficar
Com a ceroula somente.

Depois sufocado em pranto
Prostrado disse à donzela:
-- Resta-me apenas a ceroula
Não posso me despir dela,
A donzela perguntou-lhe:
-- O senhor nasceu com ela?

O trato foi o seguinte
De nós quem fosse vencido,
Perante a todos da corte
Havia de ficar despido,
Como quando veio ao mundo
Na hora que foi nascido.

El-rei foi o fiador
Nosso ajuste foi exato,
O senhor tem que despir-se
E dar-me fato por fato
Ficando com a ceroula
Não teve efeito o contrato.

E não quis dar a ceroula
O rei mandou que ele desse,
Ou pagaria à donzela
O tanto que ela quisesse,
Tanto que indenizasse-a
Embora que não pudesse.
               29
Donzela quanto queres
Perguntou o sábio enfim,
A donzela ali fitou-o
E lhe respondeu assim:
-- A metade do dinheiro
Que meu senhor quer por mim.

O rei ali conhecendo
O direito da donzela,
Vendo que toda razão
Só podia caber nela,
Disse ao sábio: -- Mande ver
O dinheiro e pague a ela.

Cinco mil dobras de ouro
A donzela recebeu,
O sábio também ali
Nem mais satisfação deu,
Aquele foi um exemplo
Que a donzela lhe vendeu

O rei então disse à ela:
-- Donzela podes pedir
Dou-te a palavra de honra
Farei-te o que exigir,
De tudo que pertencer-me
Poderás tu te servir.

Ela beijou-lhe a mão
Lhe disse: -- Peço que dê-me,
A quantia do dinheiro
            30
Que meu senhor quer vender-me,
Deixando eu voltar com ela
Para assim satisfazer-me.

O rei julgou que a donzela
Pedisse para ficar,
Tanto que se arrependeu
De tudo lhe franquear,
Mas a palavra de rei
Não pode se revogar.

Mandou dar-lhe o dinheiro
Discutiu também com ela,
Mas ciente de tudo
Quanto podia haver nela,
E disse vinte mil dobras
Não pagam esta donzela.

Voltou ela e o senhor
À sua antiga morada ,
Por uma guarda de honra
Voltou ela acompanhada,
O senhor dela trazendo
Uma fortuna avaliada.

Ficaram todos os sábios
Daquilo impressionados,
Pois uma donzela escrava
Vencer três homens letrados,
Professores de ciências
Doutores habilitados.
            31
Abraão de Trabador
Com todos não discutia,
Já tinha vencido muitos
Em música e filosofia,
Em história natural
Matemática e astronomia.

Ele descrevia a fundo
Os reinos da natureza,
Era engenheiro perito
De tudo tinha a certeza,
Descrevia o oceano
Da flor d'água a profundeza.

Tanto quando ele entrou
Que fitou bem a donzela,
Calculou dentro de si
A força que havia nela,
Confiando em sua força
Por isso apostou com ela.

Caro leitor escrevi
Tudo que no livro achei,
Só fiz rimar a história
Nada aqui acrescentei,
Na história grande dela
Muitas coisas consultei.
           32


OS LADRÕES DE RETROLÂNDIA
João Lucas Evangelista

Salomão rei da Ciência
Te peço com lealdade,
Solte o gênio da memória
Do reino da liberdade,
Que vou descrever um drama
Do tempo da antiguidade.

Residia em Retrolândia
Num reino muito afastado,
Um velho pai de dois filhos
Um ele tinha criado,
Por filho de criação
E o outro apropriado.

Masdome era o mais velho
Sendo o filho apropriado,
Dropes o filho mais moço
Que o velho tinha criado,
Viviam bem satisfeitos
Naquele lindo reinado.

Já tinham sido soldados
Cada qual o mais valente.
Mas Dropes tinha um defeito
Ser teimoso e renitente,
Tudo que o outro fazia
Ele desviava a frente.
            01
Um dia se combinaram
Pra fazer vida futura,
Viajar daquele reino
Sair daquela amargura,
Mesmo eles precisavam
De viver uma aventura.

Participaram ao velho
Logo fizeram partida,
O velho os abençoou
Recomendou-os na saída,
Cuidado pra não caírem
Nos atropelos da vida.

Seguiram os dois pelo mundo
Naquela viagem além,
Andando pelas campinas
Sem encontrarem ninguém,
Adiante faltou comida
Depois a água também.

E avistaram um castelo
Com um torreão dourado,
Dropes disse a Masdome:
-- Seguimos pra` aquele lado,
Pois estou com muita sede
Com fome e desfigurado.

Masdome disse a Dropes:
-- Nós vamos seguir a frente,
Que ali naquele castelo
Talvez não more um vivente,
Ou por outra é esconderijo
De algum bandido insolente.
                   02
Dropes disse a Masdome:
-- Eu vou por este caminho,
A sede que me atormenta
Me deixa em desalinho,
Se você não quiser ir
Fique aí que eu vou sozinho.

Respondeu Masdome: -- Eu vou
Mas sei que é horroroso,
Ir parar naquele castelo
Pois acho ser perigoso,
Mas tu ainda se arrependes
Por causa de ser teimoso.

Leitor aquele castelo
Para onde eles iam,
Era de uma quadrilha
Que de assaltos viviam,
Os ladrões de Retrolândia
Que a ninguém não temiam.

Viviam de emboscadas
Esse ladrões bandoleiros,
Atacavam de uma vez
Todos os reinos estrangeiros,
E ninguém se aguentava
Nas mãos desses desordeiros.

Por isso que os reis temiam
Que um dia eles entrassem,
Em seus reinos porque eles
Nos reinos que atacassem,
Nunca se ouvia falar
Que os soldados escapassem.
               03
Porém Masdome e Dropes
Já tinham sido soldados,
Dois espadachins valentes
Nunca foram graduados,
Por serem bravos demais
Eram por todos marcados.

Além de serem dispostos
Topavam qualquer parada,
Sabiam jogar bem facas
Tinham treinos na espada,
E eram destros na lança
Não tinham medo de nada.

Seguiram para o castelo
Os dois em conversação,
Quando avistaram a entrada
Era um enorme portão,
Um guarda de sentinela
Com uma lança na mão.

Se aproximaram do guarda
Dropes disse: -- Eu falarei,
Fez sinal de continência
De acordo com a lei,
E disse: -- Guarda eu preciso
Falar com o vosso rei.

O guarda baixou a lança
Não deu sinal de passar,
Porém puxou num alarme
E começou a chegar,
Soldados de toda parte
E começaram a cercar.
               04
E aproximou-se deles
Um sujeito bronzeado,
Pelos enfeites da roupa
Se via ser graduado,
Uma capa muito verde
Um capacete dourado.

Que desejam os senhores
Foram logo interrogados,
Pelos ladrões de Retrolândia
Vocês dois estão cercados,
Sendo príncipes ou ladrões
Hão de serem escravizados.

Disseram: -- Somos aldeões
Saímos neste lugar,
Perdidos com fome e sede
Não podemos viajar,
Precisamos de conforto
Pra outro rumo tomar.

Os ladrões assim disseram:
-- Aqui não tem regalia,
Se ficarem escravizados
Trabalhando todo dia,
Do contrario serão mortos
Sem estipular quantia.

Masdome aí disse a Dropes:
-- Segure lá sua espada,
Para enfrentar os ladrões
Como fera endiabrada,
Ali travou-se entre eles
Uma luta encarniçada.
              05
Nisto os soldados partiram
E se travaram na luta,
Masdome e Dropes tinham
Uma força absoluta,
Como se fosse ajudado
Por força tremenda oculta.

No brandir das espadas
Todo soldado tremia,
Tantos revezes fizesse
Como um soldado caía,
Quando derrubava um
O outro logo partia.

Com dez minutos de luta
Viram o esbandalho no chão,
Daquela primeira luta
Não escapou um ladrão,
E puxaram no alarme
Pra vir outro batalhão.

Surgiu outro grupamento
E os moços encontraram,
Em menos de meia hora
Os reforços acabaram,
Os rapazes como feras
Três batalhões devoraram.

E o sultão dos ladrões
Vendo tudo esbandalhado,
Indignado disse aos príncipes
Quero os homens liquidados,
Desceram de corte abaixo
Como uns leões assanhados.
                   06
De repente foram ouvindo
O brado do sentinela,
Pois ali os dois rapazes
Igual à febre amarela,
Iam pegando os vassalos
E jogando pela janela.

Dois príncipes ladrões partiram
Como uma fera bravia,
Os dois homens mais valentes
Que nesse castelo havia,
Que comandavam os ladrões
Pra todo canto que ia.

Desceram de escada abaixo
Quatro homens embolados,
Quebrando porta e janela
Nos maiores esbagaçados,
Pois os rapazes estavam
Feridos e já cansados.

Masdome de espada em punho
A um príncipe traspassou,
O Sultão se escapuliu
E embaixo esbagaçou,
Torou o pescoço de outro
Desocupado ficou.

Terminam a grande luta
A rainha havia fugido,
Damas, princesa e escravos
Tinham desaparecido,
Soldados, príncipes e vassalos
Na luta tinham morrido.
                07
Seguiram de reino adentro
Depois que se confortaram,
Dois cavalos russos pombos
Bem arreado encontraram,
Tomaram conta de tudo
Que esses ladrões deixaram.

Havia em cima das selas
Dois trajes bem alinhados,
Feito de bronze e veludo
Azul branco esverdeado,
Duas capas encarnadas
Dois capacetes dourados.

Dropes disse:-– Estes cenários
Nós temos para vestir,
Trajados como ladrões
Ninguém vem nos perseguir,
E só assim a viagem
Nós podemos resistir.

Masdome disse a Dropes:
-- Eu não combino contigo,
Dos ladrões de Retrolândia
Todo mundo é inimigo,
Nós com essa identidade
A vida corre perigo.

E Dropes quando queria
Tinha que ser correspondido,
Masdome ali resolveu
A fazer o seu pedido,
Muito embora que depois
Se tornasse arrependido.
             08
Se montaram nos cavalos
E dali foram-se embora,
Pois não convinha voltar
Para o seu reinado agora,
Se muniram de dinheiro
E romperam de mundo afora.

Saíram de mundo a fora
Fazendo estripulia,
Quando entravam num reinado
O povo todo corria,
“Os Ladrões de Retrolândia”
Assim o povo dizia.

Os soldados iam a eles
Mas não subjugavam,
Nas unhas dos dois rapazes
Ninguém se aguentava,
E a fama dos ladrões
Cada vez mais aumentava.

Ninguém pôde acreditar
Como eles se transformaram,
Eram dois cordeiros mansos
E tão valentes ficaram,
E assim nesta missão
Muitos reinos devoraram.

Mas eles só derrotaram
Aqueles que os perseguiam,
E não eram desordeiros
Roubar também não queriam,
Se não bulissem com eles
Eles também não buliam.
                 09
Um dia pela tardinha
Cansados de viajar,
Avistaram grande rocha
Num esquisito lugar,
Rumaram em busca da pedra
Com destino a pernoitar.

Umas cento e tantas léguas
Os cavalos já corriam,
As terras eram diferentes
Das que eles conheciam,
Cheia de assombro e encantos
Porém eles não sabiam.

Porque fera para eles
Não era de assombrar,
Leão e tigre não eram
Coisa de amedrontar,
Lobo serpente e pantera
Temiam aos dois encontrar.

No pé da rocha uma gruta
Com grande concavidade,
Amarraram os dois cavalos
Desceram com brevidade,
Por uma caverna escura
Saindo numa claridade.

Era um salão sem saída
Sem réstia do arrebol,
As pedras brilhavam tanto
Igual os raios do sol,
Nisso ouviram uma voz
E o tremido de tarol.
            10
A voz seguia dizendo
Acho bom não demorar,
Não perderam nada aqui
Não tem por quem esperar,
Mesmo o lugar é impróprio
De ladrão se aproximar.

Dropes falou em voz alta:
-- E quem é que está falando?
Só posso temer ao vulto
Se me derrotar lutando,
Nisso ouviram os estrondos
Da caverna desabando.

Dali surgiu o silêncio
Uma porta viram abrir,
E dois enormes gigantes
Em suas frentes surgir,
E dizendo:-- Dois pirralhos
O que é que querem aqui?

Masdome disse: -- Nada
Vós quereis me desculpar,
Também sobre o desafio
Meu irmão sem esperar,
Que fossem dois monstros destes
Dê licença a nós voltar.

Disseram os gigantes: -- Calma
Agora estão ocupados,
Daqui só sai para fora
Os pedaços rebolados,
Ordens de nossos patrões
Para ficarmos treinados.
            11
Masdome disse: -- Amigos
Então vamos enfrentar,
Nosso treino é muito pouco
Para com vocês lutar,
Porém cuidado na vida
Que vou botar pra tostar.

Botaram pra derreter
Como Oliveira e Roldão,
Lutando com Ferrabrás
Estremecendo o salão,
Gritavam os rapazes, gigantes
Segurem as armas na mão.

Diziam os gigantes:-- Cabras
Saibam fazer o brandio,
Que nossas espadas cortam
Até as pedreiras do rio,
Quanto mais estes seus bronzes
Fininho, fraco e macio,

Porém Masdome avançou
Com a força do braço e deu,
Um golpe desapontado
Porém de nada valeu,
Partiu um braço do monstro
Mas a espada perdeu.

Com rapidez dum relâmpago
O gigante o agarrou,
Com um só braço brigando
Lá para dentro o levou,
E Dropes quase endoidava
Quando essa cena passou.
                12
E com mais cinco minutos
Dropes então pode cravar,
A espada entre os dois olhos
Do gigante e viu tombar,
Sumiu-se dali também
Mas ele pôde ficar.

Entrou pela furna adentro
Com a espada na mão,
Uma era de Masdome
Que ele encontrou no chão,
Deparou com duas moças
Sentadas noutro salão.

E passando as mãos no rosto
Com a vista embaraçada,
Contemplando aquelas moças
Mas notou ser encantadas,
Passava as mãos sobre elas
Porém não triscava em nada.

Nisto uma voz lhe falou
Moço não seja medroso,
Que teu irmão está preso
Em um buraco horroroso,
Para tirá-lo de lá
Precisa ser corajoso.

Ele entrou de furna adentro
Com toda sagacidade,
Encontrou Masdome preso
E Dropes com brevidade,
Partiu depressa as algemas
Pondo ele em liberdade.
                 13
E o gigante ferido
Só com um braço avançou,
Masdome estando solto
Por sua espada puxou,
E partiram dois pra um
Que o fogo clareou.

E na fúria dos dois homens
O monstro ficou sem jeito,
Masdome cravou-lhe a espada
Que atravessou o peito,
Dropes cravou no umbigo
Ele caiu sem efeito.

Voltaram para o salão
Embainharam as espadas,
Lá encontraram as moças
Chorando desenganadas,
Debruçadas numa mesa
Em duas cadeiras sentadas.

Ai disseram seus moços
A causa está enrascada,
Ainda tem dois gigantes
Que chegam de madrugada,
Encontrando os outros mortos
Vai ser tremenda a zoada.

-- Pois lá no nosso reinado
Uma fada nos roubou,
A esses quatro gigantes
Com todo orgulho entregou,
Para passar trinta anos
Ela aqui nos encantou.
             14
Já fazem vinte e nove anos
Onze meses e poucos dias,
Quando completar o tempo
Ela vem com bruxarias,
Redobrar nossos encantos
Aumentar nossas agonias.

Sendo que vocês resistam
Com os gigantes lutar,
Às doze horas da noite
Caso a vitória alcançar,
Amanhã fica mais fácil
De a nós desencantar.

Pois na hora do almoço
Quando na mesa chegar,
Uma pombinha bem alva
Na refeição vem pousar,
Vocês com muita cautela
Pegue e não deixe escapar.

Puxe logo no pescoço
Cuidado se ela voar,
Irá pousar muito longe
Nas gramas de outro pomar,
Onde nunca mais no mundo
Vocês hão de encontrar.

Dentro dela tem dois ovos
Tire-os com muito cuidado,
Vão deixar no Monte Além
Aquele lindo reinado,
Que lá nossa recompensa
A cada um será dado.
                15
Somos de alta nobreza
Mais rica do que ninguém,
E toda nossa fortuna
Pertence a vocês também,
Somos filhas do Monarca
Do reino do Monte Além.

Cuidado muito cuidado
Quando no reinado entrar,
Chegue com muita cautela
Pra ninguém desconfiar,
Porque papai não consente
Ladrão na corte pisar.

Ali quando terminaram
Aquela conversação,
A mesada estava pronta
E fizeram a refeição,
E depois foram dormir
Noutro bonito salão.

Às doze horas da noite
Masdome foi se acordando,
Com um estrondo na caverna
Foi logo se levantando,
Para saber o que era
Foi então se preparando.

Bateu mão a sua espada
Disse: -- Dropes está na hora,
Meteram os pés todos dois
Saíram de porta a fora,
No salão da grande luta
Se encontraram sem demora.
                16
Os gigantes foram entrando
Chamando pelas princesas,
Quando acenderam uma luz
Que tinha em cima da mesa,
Os moços disseram: -- Pronto
Estamos aqui, vossa alteza.

Eram dois monstros terríveis
Maiores do que os outros,
Pretos da cor do demônio
E os cabelos de bilotos,
Das esquadras dos navios
Serviam como pilotos.

Novamente entraram em luta
Saíram de gruta a fora,
Os cavalos que estavam
Presos do lado de fora,
Quebraram as rédeas e entraram
Lutando naquela hora.

Partiram para os gigantes
Com a crina arrepiada,
Os rapazes quando davam
De frente uma cutilada,
Os cavalos pelas costas
Também davam uma patada.

Já por fim Masdome estava
Cansado só de lutar,
Quando a venta dum gigante
Dum golpe pode arrancar,
O cavalo tomou conta
Acabou de esbagaçar.
               17
O outro derrubou Dropes
E partiu para o cavalo,
Dando ecos e patadas
Porém antes de agarrá-lo,
Masdome com a espada
Também pode traspassá-lo.

Houve grande reboliço
Depois que o outro morreu,
Caindo banda de serra,
A montanha estremeceu,
Dropes só deu cor de si
Quando o dia amanheceu.

As moças abraçaram os dois
Dizendo: -- São muito ativos,
Nunca pensamos de hoje
Encontrarmos vocês vivos,
Levaram os dois para dentro
Foram fazer curativos.

E na hora do almoço
Os dois estavam na ativa,
Quando chegou a pombinha
E pousou tão pensativa,
Pegaram para matar
Dropes disse: -- Eu quero viva.

Masdome disse pra Dropes:
-- O melhor é nós matar,
Dropes disse: -- É perigoso
Pode os ovos se quebrar,
Nisto a pombinha soltou-se
Saiu no mundo a voar.
             18
Mas Dropes ligeiramente
Do seu trinche-te sacou,
Ela já voando alto
Ele com força atirou,
Cravou debaixo da asa
Dropes correu e apanhou.

Aí tiraram os dois ovos
E saíram em disparada,
Em busca de Monte Além
Nesta tremenda jornada,
Foram parar muito longe
Dessa viagem puxada.

Dropes olhando os ovinhos
Disse ali: -- Não pode ser,
Duas princesas aqui dentro
Coisa que não posso crer,
Vou quebrar um desses dois
Acredito quando ver.

-- Oh! Dropes não faça isso
Ele fez que não ouviu,
Apertou por entre os dedos
E quando o ovo partiu,
A princesinha mais nova
Perfeitamente surgiu.

A princesa disse: -- Dropes
Porque fizeste essa prosa,
Pois se a fada me ver
Bota emboscada horrorosa,
E daqui para o reinado
A viagem é perigosa.
             19
Dropes disse: -- Monte aqui
E vamos pra frente andar,
Se a fada vier a nós
Teremos que lhe enfrentar,
Inda virada no diabo
Ela não pode lhe tomar.

Masdome ia muito atento
Olho aberto a vigiar,
Dizia: -- Com ser humano
É fácil de se lutar,
Porém com ser invisível
É muito raro ganhar.

E no pé dum arvoredo
Pararam pra descansar,
O sol tremia de quente
E não podendo viajar,
Desarrearam os cavalos
Botaram para pastar.

Depois que fizeram a boia
Beberam agua sentados,
E sentaram nas folhas
Os dois bastante enfadados,
Masdome nada dormia
De olhos arregalados.

Daí a poucos minutos
Quando ele foi madornando,
Ouviu um tremor de terra
As árvores se balançando,
Ele pensou que era o mundo
Que vinha se acabando.
                20
Nisso viu um pássaro preto
No arvoredo pousar,
Um forte bater de asas
O claro do sol tomar,
Ele faltou a coragem
Não pode nem se molgar.

O pássaro deu um gemido
E disse de vozes presas:
-- Esse rapazes são os tais
Que me fizeram uma surpresas,
Mataram meus dois gigantes
E carregaram as princesas.

Eu não tenho resistência
Para de peito enfrentar,
São bravos e muito dispostos
Eu não vou me arriscar,
Porém vou tentar um meio
Para os dois eu devorar.

Soltou um eco tremendo
Que no espaço ecoou,
Uns 500 pássaros pretos
No arvoredo pousou,
Porém reinava um mistério
Que Dropes não se acordou.

O pássaro diziam aos outros:
-- Quero tudo estrangulado,
Um permanece dormindo
O outro está acordado,
Mas precisa de precaução
Que este é muito malvado.
               21
-- Com força mágica esse aí
Conservo em sono ferrado,
Vamos lutar com o outro
Porém precisa cuidado,
Se eu sair deste canto
Está tudo desgraçado.

Se o outro se acordar
O esbandalho está feito,
Porém não acontecendo
Pegamos o outro de jeito,
Carregamos as princesas
Matamos o outro sujeito.

Masdome naquela hora
Viu besouro e borboleta,
Com a passarada em cima
Tudo com a cor muito preta,
Disse ele: -- Eu vou mostrar
Que minha volta é marreta.

Bateu com a mão a espada
De aço bem temperado,
Fez guardas aos que dormiam
Foi tremendo o revirado,
Só via pena de pássaro
Voando pra todo lado.

Um pássaro partiu em cima
Para rasga-lo na certa,
Ele com o capacete
Das unhas fez a coberta,
Danou-lhe a espada em cheio
Que caiu de asas aberta.
                 22
O pássaro grande gritava:
-- Quero que mate o bandido,
Masdome fazendo ali
Papel de doido varrido,
Cada golpe que ele dava
Caía um pássaro estendido.

Um pássaro grande veloz
Partiu pra rasgar o moço,
E Masdome na espada
Fazendo grande destroço,
Viu onde ficou o corpo
Mas não soube do pescoço.

Se desviando dos outros
Ficou mais desapertado,
Nisto voou o trinchete
No que estava trepado,
Pegando no meio do papo
Caiu de bico fechado.

E dando um gemido feio
Nisso uma voz estrondou,
Estamos todos perdidos!
Dropes também acordou,
Batendo mão a espada
Na luta também entrou.

Nesta hora no poente
Viu-se um vulcão turbulento,
Os pássaros faziam vôo
E quando chegavam ao centro,
Da fumaça do vulcão
Entravam de fogo adentro.
               23
Masdome contou ali
O que tinha se passado,
Dropes disse: -- Eu desejava
Também está acordado,
Para provar dessa luta
Isso é que é ser azarado.

E prosseguiram a viagem
Em procura do reinado,
Masdome bem satisfeito
E Dropes muito zangado,
Porque quando não brigava
Ficava contrariado.

Quando avistaram o castelo
A princesa a meditar,
Disse: -- É bom que fique um
O outro vá me levar,
Chegando os três de surpresa
Pode tudo piorar.

Pois indo os dois duma vez
Papai pode suspeitar,
Ser quadrilhas de bandidos
Para o reinado atacar,
Revolta-se todo exército
As forças da terra e mar.

Disse Dropes a Masdome:
-- Eu na frente seguirei,
Você fica me esperando
Que de lá eu mandarei,
Um recado te chamando
De acordo com a lei.
               24
Masdome ali combinou
Mas não ficou satisfeito,
Dropes seguiu com a moça
No reino meteu o peito,
Logo na primeira guarda
Como ladrão foi suspeito.

Logo disseram: -- O senhor
Não pode no reino entrar,
A princesa deu sinal
Para as lanças levantar,
Disseram: -- É crime de morte
Ladrão na corte pisar.

Mas Dropes tomou a frente
Dizendo: -- Saia do meio,
Com ladrão de Retrolândia
Ninguém não topa recreio,
Ou eu entro no reinado
Ou o esbandalho é feio.

Ali não contou conversa
Dizendo: -- Eu gosto é do bolo,
Quando pegava um de jeito
Da espada fazia rolo,
Quando pegava nas pernas
De outro fazia rebolo.

Fazia a guarda da moça
Segurando-a pela mão,
O qual não foi muito fácil
Entregar-se ao batalhão,
Prenderam a moça porém
Não conseguiram o ladrão.
                   25
Levaram a moça pra corte
Para com o rei falar,
Ele ficou muito alegre
Porém não pode aceitar,
Pois ali em Monte Além
O decreto era matar.

Mas a princesa sabia
Que Dropes tinha progresso,
Ali não fez mais pedido
Aquele sultão perverso,
Nessa hora ele já vinha
Virando o reino asavesso.

Queriam os guardas pegar
Pra metê-lo no xadrez,
Ele se fez na espada
Com tamanha rapidez,
Que nem um rinoceronte
Tinha tanta estupidez.

Com meia hora de luta
Estava o esbandalho feito,
Dropes já muito cansado
Brigando quase sem jeito,
Porque já tinham cortado
Todo bronze do seu peito.

Porém matou um soldado
E tomou dele um escudo,
Fez sombra na sua frente
Cortando guarda a miúdo,
Dizendo para os soldados:
-- Hoje eu acabo com tudo.
                26
Mas atiraram uma lança
Para traspassar o peito,
Ele aparou no escudo
Ela fez um tal efeito,
Pegando na sua espada
Quebrando não teve jeito.

Ele ficou desarmado
Quatro soldados o pegaram,
E o moço com os braços
Deu um sopapo e voaram,
Dois de cabeça pra baixo
E novamente o soltaram.

Partiu um guarda pra ele
Feito um leão assanhado,
Dropes o ergueu jogando
Em procura do telhado,
Na volta o cabra ficou
Num torno dependurado.

Partiram dois duma vez
Dropes já muito afobado,
Pegou-os pelo pescoço
Deu um sopapo danado,
Pegando testa com testa
Foi banda pra todo lado.

Por mais de quarenta guardas
Nesta hora foi pegado,
E imediatamente
Para a corte foi levado,
Onde encontrou o sultão
Falando encolerizado.
           27
Lhe disseram: -- Majestade
Esse ladrão é valente,
Pois acabou mais de um quarto
Da guarda de nossa gente,
Disse o rei: -- Nem Deus te livra
De morrer barbaramente.

-- Se tivesse se entregado
Sem de sangue fazer trilha,
Eu te dava uma medalha
Por salvar a minha filha,
E daria a liberdade
De voltar para a quadrilha.

Disse Dropes: -- Senhor rei
O senhor está enganado,
Pois meu irmão vem aí
Saber do meu resultado,
Se apronte que o seu reino
Hoje vai ser incendiado.

Mandou prender o rapaz
Em um escuro salão,
Deu ordens para os soldados
Reunirem o batalhão,
Talvez a quadrilha toda
Venha do reino em direção.

Mas vamos ver o Masdome
O que foi que ele fez,
Onze horas mais ou menos
Nada lhe chegou talvez,
Ele montou no cavalo
E partiu com rapidez.
             28
Às doze horas do dia
No reino entrou um ladrão,
Foi logo se dirigindo
Ao palácio do sultão,
Era o grande Masdome
Em busca do seu irmão.

Disseram os guardas:--Estás preso
É bom não fazer ação,
Basta o estrago que o outro
Fez aqui no batalhão,
Disse ele: -- Eu quero saber
Onde é que está meu irmão.

Disseram os guardas:--Está preso
Aqui mesmo em Monte Além,
Vai para a forca amanhã
E você irá também,
Pois aqui não se atende
A pedido de ninguém.

Disse ele: -- Acho difícil
Ser por vocês agarrado,
Pra quem luta com gigante
Acha maneiro um soldado,
Com vinte batalhões destes
Inda estou desocupado.

Dava até pra suspeitar
Que ele tinha encarnado,
Uma força diabólica
Pois só um endiabrado,
Fazia o que ele fez
Um tremendo esbagaçado.
                 29
Um guarda partiu pra cima
Dizendo:-- Eu vou derretê-lo,
Masdome disse: -- Eu sou
Parada pra desmantelo,
Danou-lhe a espada em cima
Que ele acentou o cabelo.

Os outros também partiram
Por ser de obrigação,
Masdome fez que morria
Foi pior que um dragão,
Muitos deles não brigavam
Morriam do coração.

Com mais uns quinze minutos
Estava o serviço feito,
Quebraram um portão de ferro
Pularam um parapeito,
Foi encontrar o irmão
Num beco escuro e estreito.

Nem é preciso dizer
O que foi que ele fez,
Partiu as duras algemas
Do outro com rapidez,
Se armaram e enfrentaram
O batalhão outra vez.

Porém como já se sabe
Que aonde os dois passavam
Das espadas cortadeiras
Nem satanás escapava,
Tantos batalhões achassem
Como eles devoravam.
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Os guardas fizeram como
Um bando de seriemas,
Em procura do palácio
Fizeram pernas de emas,
Abandonaram o reinado
Se danaram nas juremas.

Foram dar parte na corte
Do que no reino havia:
-- Os dois ladrões que chegaram
Da princesa em companhia,
Vão devorar o reinado
Antes de findar-se o dia.

-- Pois os dois homens parecem
Lavra ardente de vulcão,
Uma grande tempestade
Com mais força que Sansão,
É tanto soldado morto
Que o sangue faz borbotão.

O rei mandou uma ordem
Para a luta terminar,
E trazer os dois ladrões
Para com ele falar,
Pois estava vendo a hora
Seu reinado se acabar.

Assim terminaram a luta
Os dois tiveram a vitória,
Foram falar com o rei
Cada qual cheio de glória,
Porque foram corajosos
Assim eu li a história.
            30
Masdome então puxou
Do seu bolso nesta hora,
Um ovo bem pequenino
E disse: -- Senhor rei agora,
Vou entregar vossa filha
Que a senhora está fora.

Disse ao rei: -- Quebre o ovo
Que o senhor desembaraça,
A vida da sua filha
E sabe do que se passa,
Nisto a princesa surgiu
Num borbulho de fumaça.

Quando tiveram a certeza
Que nenhum era ladrão,
O rei perguntou: -- Por que
Fizeram esses trajes então?
Dropes disse: -- Porque nós
Gostamos de confusão.

Casou-se Dropes com Linda
E Masdome com Gercina,
E aqui caros leitores
O meu romance termina,
Meus versos são muito simples
Mas a obra é muito fina.

O clichê deste romance
Mostra a figura legal,
De Dropes com o Masdome
E o monstro descomunal,
No encontro da grande luta
Dentro da furna infernal.  FIM
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