quarta-feira, 17 de junho de 2020

CORDEL DIGITADO V - A INTRIGA DO CACHORRO COM O GATO, A MULHER QUE CASOU 14 VEZES, BROSOGÓ, MILITÃO E O DIABO.


A INTRIGA DO CACHORRO
COM O GATO
JOSÉ PACHECO DA ROCHA

A intriga é mãe da raiva
O mau pensamento é pai,
Da casa da má querência
O desmantelo não sai,
Enquanto a intriga rende
A revolução não cai.

Quando o cachorro falava
Gato falava também,
Gato tinha uma bodega
Como os homens hoje tem,
Onde vendia cachaça
Encostado a um armazém.

Com uma balança armada
Para vender cereais,
E na bodega vendia
Bacalhau açúcar e gás,
Bolacha, café, manteiga
Miudeza e tudo mais.
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Então no tempo da safra
Comprava mercadoria,
Chegada no armazém
Que todo bicho trazia,
Vou dizer pela metade
Desta grande freguesia.

O peru vendia milho
Porco, feijão e farinha,
Com um cacho de banana
O macaco também vinha,
Raposa também trazia
Um garajau de galinha.

Carneiro passava a noite
Junto com a sua irmã,
Descaroçando algodão
Quando era de manhã,
Para o armazém do gato
Botava sacos de lã.

Guariba vendia escovas
Que fazia do bigode,
Urubu vendia goma
Porque tem da lavra e pode,
A onça suçuarana
Vendia couro de bode.
              02
Então todo bicho tinha
No armazém seu contrato,
Porém eu vou deixar isto
Para tratar de outro fato,
Relativo à intriga
Do cachorro com o gato.

Rei leão mandou o cachorro
Efetuar uma prisão,
E o cachorro passando
Na venda do gato então,
Falou pra beber fiado
O gato disse: pois não.

Subiu-se na prateleira
Uma garrafa desceu,
Um cruzado de cachaça
O cachorro ali bebeu,
Botou fumo no cachimbo
Pediu fogo e acendeu.

Depois disse para o gato:
– Eu vou prender o preá,
Porque carregou a filha
Do compadre cambambá,
Mesmo ele deve a honra
Da filha do seu guará.
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E tornou dizer: compadre
Bote mais uma bicada,
Eu só sei prender valente
Depois da gata esporada;
O gato botou e disse:
– Esta não lhe custa nada.

O gato bebeu também
O cachorro repetiu,
Botou o copo na boca
Saiu na porta e cuspiu,
O gato puxou o lenço
Limpou a barba e tossiu.

Embebedaram-se ambos
Garrafas secaram três,
Cachorro fez um discurso
Falando bastante inglês,
Gato rolava no chão
Também falando francês.

A gata mulher do gato
Saiu do quarto e veio cá,
E disse muito zangada:
– Vocês dois procedem má;
O gato disse: mulher
Da porta do meio pra lá!
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Depois o gato ficou
O cachorro foi embora,
Ali ouviram: oh! de casa!
A gata disse oh! de fora!
Quem é? disse a raposa:
– Sou eu quem cheguei agora.

Disseram: entre comadre;
E o gato levantou-se,
Sentou-se numa cadeira
Raposa também sentou-se,
Ele contou a raposa
De que forma embebedou-se.

Raposa disse: compadre
Você não pensa direito,
Bebendo com o cachorro
Um safado sem respeito,
Se seus amigos souberem
O senhor perde o conceito.

– Beba com os seus amigos
Seu irmão maracajá,
O tenente porco espinho
E o capitão guará,
Major porco, doutor burro
E o coronel cambambá.
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– Eu também gosto da troça
Bebo, danço e digo loas,
Mas com gente igual a mim
Civilizadas e boas,
Que não vou andar com gente
De qualidades atoas.

– Só me dou com gente boa
Como o compadre urubu,
Dona ticaca de tal
E dona surucucu,
A professora jiboia
E o seu primo timbu.

– Você é conceituado
Na roda palaciana,
Cachorro vive na rua
Tanto furta como engana,
Com um baralho no bolso
Jogando e tomando cana.

– E ele compra fiado
Porque quer, mas ele tem,
Uma mochila de níquel
Que por detrás se ver bem,
Pendurada balançando
Porém não paga ninguém.
               
O gato se pôs em pé
Perguntando admirado:
– Comadre isto é verdade?
             06
Ele me deve um cruzado,
Eu não dei fé da mochila
Por isso vendi fiado.

– Porém eu vou atrás dele
Daquele cabra estradeiro,
Dou-lhe um bote na mochila
Arranco e tomo o dinheiro;
– Sendo eu, disse a raposa
Passava-lhe o granadeiro.

O gato se preparou
Amarrou o cinturão,
Correu a bala no rifle
Passou lixa no facão,
Botou um porre e bebeu
De cachaça com limão.

Chegou lá disse ao cachorro;
– É triste o nosso progresso,
Você paga o meu cruzado
Ou quer pegar um processo?
O cachorro afastou o pé
E disse: eu não converso.
           
Ali deu um tiro e disse:
– É assim que eu despacho;
Porém o gato abaixou-se
E passou o rifle por baixo,
Deu-lhe um tiro tão certeiro
Que quase derruba o cacho.
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O cachorro que também
Tem pontaria fiel,
Tornou passar-lhe a pistola
A bala fez um revel,
Cortou-lhe o rabo no tronco
Que descobriu o anel.

Depois que trocaram tiros
Divertiram no punhal,
Gato pulava de costas
E dava salto mortal,
Cachorro por sua vez
Também traquejava igual.

E ali trincou-se o tempo
Na porta do barracão,
Da baronesa preguiça
Comadre do rei leão,
E ela telegrafou-lhe
Pedindo paz a questão.

O leão passou depressa
O telegrama pra traz:
– Minha comadre levante
A bandeira e grite paz,
Ela não tinha bandeira
Levantou a macaxeira
Ali ninguém brigou mais.  FIM
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A Moça que Casou 14 Vezes

Apolônio Alves dos Santos

No outro século passado
Na fazenda Jequié
Havia uma donzela,
Religiosa de fé
No seu batismo lhe deram
O nome de Salomé,

Salomé era uma virgem
De estimada simpatia,
Filha de um fazendeiro
Criou-se muito sadia,
Era a moça mais formosa
Do estado da Bahia

Contava 22 anos
Aquela jovem tão bela
Sempre, sempre aparecia,
Namorado para ela
Casou-se 14 vezes
E continuou donzela

Um daqueles namorados,
Que Salomé arranjou,
Era um rapaz forte e moço
Em poucos dias casou,
Mas sua morte súbita
Todo mundo admirou
               01
Porque em menos dum ano
Que ele tinha casado,
Começou enfraquecendo
Pálido e desfigurado
A noite deitou se vivo
E amanheceu finado.

Salomé ficou viuva,
A noite inteira chorou
O seu primeiro marido,
A morte ingrata o levou
Mas que ainda era virgem
A ninguém nada contou.

Acontece que um dia
Na festa dum batizado,
Viuvinha arranjou
O segundo namorado
Com 15 dias casou-se
Num dia tão festejado.

Por segurança dos bens
Casou também no juiz
A sua lua de mel
Foram passar em Paris
Salomé voltou viúva
Chorando a sorte infeliz.

Mas continuou a mesma
Viúva virgem sem sorte
porque o segundo esposo,
Que era sadio e forte
Esse também embarcou,
No barco negro da morte
             02
Porém Salomé por ser,
Viúva de polidez
Não demorou muito tempo,
Casou-se terceira vez
Com outro rapagão moço,
Filho de um português.

Esse não durou um mês
Começou ficando fraco
Amarelo cadavérico,
Da grossura dum cavaco
Em poucos dias também
Foi pra dentro do buraco.

Todo povo comentava,
- Este caso è muito sério
O que há com Salomé
Até parece um mistério,
Já três maridos que ela
Manda para o cemitério.

A quarta vês para ela
Apareceu um baiano
Um rapagão muito forte
Descendente de cigano
Noivaram no mês de outubro
Casaram no fim do ano.

Esse também se findou,
No próximo ano vindouro
Começou se definhando,
E o povo fazendo agouro
Que no fim do mesmo ano,
Também entregou o couro.
            03
Coitada da Salomé
Ficou viúva de novo
Vivia tão pensativa,
Calada que só um ovo
Envergonhada de ouvir,
O comentário do povo.

Após passar muito tempo,
Lamentando a desventura
Apareceu outro jovem,
De forte musculatura
Foi o quinto esposo dela
A entrar na sepultura.

Logo apareceu o sexto
Era um rapaz arrasado
Vendo que ela era filha
De um velho recursado
Pensando enricar também
Acertou logo o noivado.

Embora contrariado,
O velho o casório fez
Esse também morreu logo
Vivo não passou um mês
Salomé ficou viúva,
Pela sua sexta vez.

Casou pela sétima vez
Com um rapaz forasteiro
Tocador de violão
Boémio e aventureiro
Esse casou-se em dezembro
E faleceu em janeiro.
            04
Certo dia ela contou
Aquele segredo dela
A uma sua amiguinha
Lhe dizendo: Maristela
Já me casei 7 vezes,
Mas ainda estou donzela.

E logo pediu a ela
Para guardar o segredo
Porém a amiga falsa
No outro dia bem cedo
Saiu pela vizinhança
Espalhando aquele segredo.

O povo pra criticar
Lhe chamavam na surdina
De viúva mata sete
Ou viuvinha assassina
Assim a pobre vivia,
Lastimando a sua sina

Os homens todos diziam
O fato não é comum
Já se casou 7 vezes
E ainda está em jejum,
Porque é que seus maridos
Não fica vivo nenhum?

Assim a pobre vivia
Neste dilema sofrido
Por onde passava ouvia
Do povo o "estampido"
- Lá vai a viúva virgem
Matadora de marido.
              05
Ela vendo que ali,
Rapaz nenhum lhe queria
Por está muito manjada,
Decidiu certo dia
Viajou pra outro estado
Que ninguém lhe conhecia.

Salomé saiu dizendo,
Aqui eu não volto mais
Partindo se despediu,
De seus extremosos pais
Foi parar no Amazonas
A terra dos seringais.

Casou-se no Amazonas
Com um velho seringueiro
Com 59 anos
Mas ainda era solteiro
Em pouco tempo também,
Deu serviço ao coveiro.

Para encurtar a história,
Salomé foi se casando,
Até inteirar quatorze
E viúva ia ficando
Por fim se desenganou
Sua sorte praguejando

Naquilo havia um mistério
Que ninguém não conhecia,
Que Salomé se casava,
O seu marido morria
O porquê desse mistério,
Nem mesmo ela sabia.
                06
Foi um bruxo que queria
Se casar com Salomé
E apaixonou-se por ela,
Um dia num candomblé
Mas ela lhe deu um fora
Mandou o chupar picolé

Por isso o bruxo maldito
Fez pra ela um malefício
Que a pobre Salomé
Vivia neste suplício
Levando todos os maridos
A borda do precipício

Toda vez qu'ela casava
O feitiço acontecia
Porque na noite de núpcia
Seu marido adoecia
Sem conhecer a doença,
Pelo desgosto morria.

Porque na primeira noite,
Na hora do tererê
Que o marido encostava
O seu corpo em Salomé
A sua moral caís
Nunca mais ficava em pé.

Porem o seu ultimo esposo
Por ser esperto e matreiro
Correu logo e procurou
Um famoso feiticeiro
Pra desmanchar o feitiço
Do bruxo catimbozeiro.
              07
Perguntaram a Salomé
Se ela se lembraria
O nome daquele bruxo
De tamanha covardia
Que fizera para ela
Essa horrenda bruxaria.

Ela disse que sabia
O nome do infiel
Então o segundo bruxo
Logo pegou num papel,
Escreveu em cruz o nome,
Do feiticeiro cruel.

Disse para Ezequiel
Vou desmanchar o feitiço
Porem só por 2 milhões
Posso fazer o serviço
E você pode assumir
Sua esposa. sem enguiço

Ezequiel conseguiu
Findou-se todo o mistério
Salomé ficou feliz
Desfrutando aquele império
Após enterrarem o nome
do bruxo no cemitério.

Ainda teve dois filhos
A moça de Jequié,
Livrou-se da bruxaria,
Vivendo cheia de fé
Ezequiel adorava,
Sia esposa Salomé. - FIM
              08
Apolônio Alves dos Santos nasceu em 
20 de setembro de 1926, em Guarabira, 
Paraíba; morreu em 1998 em Campina 
Grande, Paraíba



Brosogó, Militão e o Diabo
Patativa do Assaré

O melhor de nossa vida
É amor paz e união,
E em cada um semelhante
A gente ver um irmão,
E apresentar para todos
O papel de gratidão.

Quem faz um grande favor
Mesmo desinteressado,
Por onde quer que ele ande
Leva um tesouro guardado,
E um dia sem esperar
Será bem recompensado.

Em um dos nossos Estados
Do nordeste brasileiro,
Nasceu Chico Brosogó
Ele era um miçangueiro,
Que é o mesmo camelô
Do nordeste brasileiro.
             01
O Brosogó era ingênuo
Não tinha filosofia,
Mas tinha de honestidade
A maior sabedoria,
Sempre vendendo ambulante
A sua mercadoria.
            
Em uma dessas viagens
Numa certa região,
Foi vender mercadorias
Numa certa habitação,
De um fazendeiro malvado
Por nome de Militão.

O ricaço Militão
Vivia questionar,
Toda sorte de trapaça
Era capaz de inventar,
Vendo assim desta maneira
Sua fortuna aumentar.

Brosogó naquele prédio
Não apurou um tostão,
Onde na mesma casa
Não lhe ofereceram um pão,
Comprou meia dúzia de ovos
Para a sua refeição.
             02
Quando a meia dúzia de ovos
O Brosogó foi pagar,
Faltou dinheiro miúdo
Para a paga efetuar,
E ele entregou uma nota
Para o Militão trocar.
             
O rico disse: -- Eu não troco
Vá com a mercadoria,
Qualquer tempo você vem
Me pagar essa quantia,
Mas peço que seja exato
E aqui me apareça um dia.

Brosogó agradeceu
E achou o papel importante,
Sem saber que o Militão
Estava naquele instante,
Semeando uma semente
Para colher mais adiante.

Voltou muito satisfeito
Na sua viagem pensando,
Sempre arranjando fregueses
No lugar que ia passando,
Vendo sua boa sorte
Melhorar de quando em quando.
                  03
Brosogó no seu comércio
Tinha bons conhecimentos,
Possuía com os lucros
Daqueles seus movimentos,
Além de casas e terrenos
Meia dúzia de jumentos.
               
De ano em ano ele fazia
Naquele seu patrimônio,
Festejo religioso
No dia de Santo Antônio,
Por ser o aniversário
Do seu feliz matrimônio.

No festejo oferecia
Vela para São João,
Santo Ambrósio, Santo Antônio
São Cosme e São Damião,
Para ele qualquer santo
Dava a mesma proteção.

Vela para Santa Inês
E para Santa Luzia,
São Jorge e São Benedito
São José e Santa Maria,
Até que chegava a última
Das velas que possuía.
             04
Um certo dia voltando
Aquele bom sertanejo,
Da viajem lucrativa
Com muito amor e desejo,
Trouxe uma carga de velas
Para queimar no festejo.
                
A casa naquela noite
Estava um belo encanto,
Se via velas acesa
Brilhando por todo canto,
Porém sobraram três velas
Por faltar nome de santo.

Era lindo a luminária
O quadro resplandecente,
E o caboclo Brosogó
Procurava impaciente,
Mas nenhum nome de santo
Chegava na sua mente.

Disse consigo: -- O diabo
Merece vela também,
Se ele nunca me tentou
Para ofender a ninguém,
Com certeza me respeita
Está me fazendo bem.
                05
Se eu fui um bom menino
Fui também um bom rapaz,
E hoje sou pai de família
Gozando da mesma paz,
Vou queimar estas três velas
Na tenção de satanás.
              
Tudo aquilo Brosogó
Fez com naturalidade,
Como o justo que apresenta
Amor e fraternidade,
É as virtudes preciosas
De um coração sem maldade.

Certo dia ele fazendo
Severa reflexão,
Um exame rigoroso
Sobre a sua obrigação,
Lhe veio na mente os ovos
Que devia a Militão.

Viajou muito apressado
No seu jumento baixeiro,
Sempre atravessando rio
E transpondo tabuleiro,
Chegou no segundo dia
Na casa do trapaceiro.
              06
Foi chegando e desmontando
E logo que deu bom dia,
Falo para o coronel
Com bastante cortesia:
-- Venho aqui pagar a conta
Que fiquei devendo um dia.
                
O Militão muito sério
Falou para Brosogó:
-- Para pagar esta dívida
Você vai ficar no pó,
Mesmo que tenha recurso
Fica pobre que nem Jó.

Me preste bem atenção
E ouça bem as razões minhas,
Aqueles ovos no chôco
Iam tiram três pintinhas,
Mais tarde as mesmas seriam
Meia dúzia de galinhas.

As seis galinhas botando
Veja a soma o quanto dá,
São quatrocentos e oitenta
Ninguém me reprovará,
Pois a galinha aqui põe
De oito ovos pra lá.
              07
Preste atenção Brosogó
Sei que você não sensura,
Veja que grande vantagens
Veja que grande fartura,
E veja o meu resultado
Só na primeira postura.
              
Dos quatrocentos e oitenta
Podia a gente tirar,
Dos mesmos cento e cinquenta
Para no chôco aplicar,
Pois basta só vinte e cinco
Que é pra o ovo não gourar.

Os trezentos e cinquenta
Que era a sobra eu vendia,
Depressa sem ter demora
Por uma boa quantia,
Aqui procurando ovos
Temos grande freguesia.

Dos cento e cinquenta ovos
Sairiam com despacho,
Cento e cinquenta pintinhas
Pois tenho certeza e acho,
Que aqui no nosso terreiro
Não se cria pinto macho.
                 08
Também não há prejuízo
Posso falar pra você,
Que maracajá e raposa
Aqui agente não vê,
Também não há cobra preta
Gavião nem saruê.
               
Aqui de certas moléstias
A galinha nunca morre,
Porque logo a medicina
Com urgência se recorre,
Se o gôgo se manifesta
A empregada socorre.

Veja bem seu Brosogó
O quanto eu posso ganhar,
Em um ano e sete meses
Que passu sem me pagar,
A conta é de tal maneira
Que eu mesmo não sei somar.

Vou chamar um matemático
Pra fazer o orçamento,
Embora você não faça
De uma vez o pagamento,
Mesmo com a mercadoria
Terreno casa e jumento.
            09
Porém tenha paciência
Não precisa se queixar,
Você acaba o que tem
Mas vem comigo morar,
E aqui parceladamente
Acaba de me pagar.
           
E se achar que estou falando
Contra a sua natureza,
Procure um advogado
Pra fazer sua defesa,
Que o meu eu já tenho e conto
A vitória com certeza.

Meu advogado é
Um doutor de posição,
Pertence a minha política
E nunca perdeu questão,
E é candidato a prefeito
Na futura eleição.

O coronel Militão
Com orgulho e petulância
Deixou  pobre Brosogó
Na mais dura circunstância
Aproveitando do esmo
Sua grande ignorância.
              10
Quinze dias foi o prazo
Para o Brosogó voltar,
Presente ao advogado
Um documento assinar,
E tudo que possuía
Ao Militão entregar.
            
O pobre voltou bem triste
Pensando a dizer consigo:
-- Eu durante a minha vida
Sempre fui um bom amigo,
Qual será o meu pecado
Para tão grande castigo!

Quando ia pensando assim
Avistou um cavaleiro,
Bem montado e bem trajado
Na sombra dum juazeiro,
O qual com modos fraternos
Perguntou ao miçangueiro.

Que grande tristeza é esta
O que você tem Brosogó?
O seu semblante apresenta
Aflição, pesar e dó,
Eu estou ao seu dispor
Você não sofrerá só.
            11
Brosogó lhe contou tudo
E disse por sua vez,
Que o coronel Militão
O trato com ele fez,
Para ás dez horas do dia
Na data quinze do mês.
                
E disse o desconhecido
Não tenha má impressão,
No dia quinze eu irei
Resolver esta questão,
Lhe defender da trapaça
Do ricaço Militão.

Brosogó foi para casa
Alegre sem timidez,
O que o homem lhe pediu
Ele satisfeito fez,
E foi cumprir seu trato
No dia quinze do mês.

Quando chegou encontrou
Todo povo aglomerado,
Ele entrando deu bom dia
E falou bem animado,
Dizendo que também tinha
Achado um advogado.
              12
Marcou o relógio dez horas
E sem o doutor chegar,
Brogosó entristeceu
Silenciso a pensar,
E o povo do Militão
Do coitado a criticar.
             
Os puxas saco do rico
Com ares de mangação,
Diziam: -- O miçangueiro
Vai se arrasar na questão,
Brosogó vai pagar caro
Os ovos do Militão.

Estavam pilheriando
Quando ouviram um tropel,
Era um senhor elegante
Montado em seu corcel,
Exibindo em um dos dedos
O anel de bacharel.

Chegando disse aos ouvintes:
-- Fui no trato interrompido,
Para cozinhar feijão
Porque muito tem chovido,
E o meu pai em seu roçado
Só planta feijão cozido.
              13
Antes que o desconhecido
Com razão se desculpasse,
Gritou o outro advogado:
-- Não desonre a nossa classe,
Com esta grande mentira
Feijão cozido não nasce!
               
Respondeu o cavaleiro:
-- Esta mentira eu compus
Para fazer a defesa
É ela um foco de luz,
Porque o ovo cozinhado
Sabemos que não produz.

Assim que o desconhecido
Fez esta declaração,
Houve um silêncio na sala
Foi grande a decepção,
Para o povo da politica
Do coronel Militão.

Onde a verdade aparece
A mentira é destruída,
Foi assim desta maneira
Que a questão foi resolvida,
E o candidato politico
Ficou com a crista caída.
             14
Mentira contra mentira
Na reunião se deu,
E foi por este motivo
Que a verdade apareceu,
Somente o preço dos ovos
O Militão recebeu.
           
Brosogó agradecendo
O favor que recebia,
Respondeu o cavaleiro
Eu era quem lhe devia,
O valor daquelas velas
Que me ofereceu um dia.

Eu sou o diabo a quem todos
Chamam de monstro ruim,
E só você neste mundo
Teve a bondade sem fim,
De um dia queimar três velas
Oferecidas a mim.

Quando disse estas palavras
No mesmo instante saiu,
Adiante deu um pipoco
E pelo o espaço sumiu,
Porém pipoco baixinho
Que o Brosogó não ouviu.
              15
Caro leitor nesta estrofe
Não queira zombar de mim,
Ninguém ouviu estouro
Mas juro que foi assim,
Pois cada história do diabo
Tem um pipoco no fim.
              
Sertanejo este folheto
Quero lhe oferecer,
Leia o mesmo com cuidado
E saiba compreender,
Encerra muita mentira
Mas tem muito o que aprender.

Bom leitor tenha cuidado
Ainda vive entre nós,
Milhares de Militões
Com um instinto feroz,
Com traçados e mentiras
Perseguindo os Brosogós.  FIM
                  16






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