segunda-feira, 4 de maio de 2020

CORDEL DIGITADO IV - CONTINUAÇÃO DO BOI MANDINGUEIRO E OUTROS


Continuação
O Boi Mandingueiro
E o Cavalo Misterioso
Luis da Costa Pinheiro

O LEITOR deve lembrar-se
Do romance antepassado,
Do grande Boi Mandingueiro
De Genésio o afamado,
Atento ouvindo o Boiadeiro
Falar sobre o Mandingueiro
Ficando impressionado.

-- Verem ele mas não pegam
Saem de lá desenganados,
Cavalos bons de fiança
Morrem no campo cansados,
Tem abalado vaqueiros
Muitos até feiticeiros,
De oito ou dez Estados.

O dono do dito boi
É o capitão Monteiro,
Gratifica quem pegar
O dito Boi Mandingueiro,
Quem fizer o seu intento
Da a filha em casamento,
E mais 10 contos em dinheiro.
                 01
Quando o homem assim falou
Ali no Boi Mandingueiro,
O cavalo deu um salto
Com o corpo tão ligeiro,
Parecendo ser um veado
Deixando quase assombrado
O recente fazendeiro.

Cavando o chão com as patas
Rinchando desesperado,
Disse Genésio: ele ouviu
O senhor falar em gado,
Disse o boiadeiro: oi!
Só por ouvir falar em boi,
Ficou assim tão vexado.

-- Te ajeita Misterioso
Assim Genésio ralhou,
Neste momento o cavalo
Com toda calma ficou,
Houve entre ambos um segredo
Que o homem teve medo,
Quando isso observou.

Genésio fita o cavalo
Fingindo querer falar,
O cavalo da mesma forma
Fingindo querer rinchar,
O recente boiadeiro
Olhando pra o vaqueiro,
Quis até desconfiar.
              02
Disse Genésio sorrindo:
-- É porque lá não tem homem,
Correm em cavalos cansados
Que vivem, porém não comem,
Não são como este meu
Que no dia que nasceu
Derrubou um lubisomem.

Meu cavalo se sustenta
Com ferro velho fundido,
Come enxofre em vez de milho
Bebe chumbo derretido,
Quando se dana então
Dez latas de alcatrão
Com sede já tem bebido.

Em que paragem habita
Esse grande fazendeiro?
-- No sertão do Siridó
Respondeu o boiadeiro,
Na fazenda Boa Vista
Nesse canto se avista,
A morada do Monteiro.

Sorrindo disse Genésio:
-- Eu vou experimentar,
Se este boi tem carreira
Que dê para eu suar,
Se este boi é o cão
Se ele anda no chão,
Ou se voa pelo ar.
          03
No outro dia cedinho
O acavalo ele selou,
E vestiu o gibão velho
Sem demora ele marchou,
O vaqueiro rijo e forte
No Rio Grande do Norte
Sem demora ali chegou.

Vestiu o gibão de couro
Feito de couro de vaca,
Tendo mais de cem remendos
Cozido a ponta de faca,
De longe se via a linha
E em cada bolso tinha,
Um cento de jararaca.

E os estribos da sela
Eram quengos amarrados,
Com lóros de couro cru
Velhos e já remendados,
E amarrados na borda
Com um pedaço de corda
Que matou três enforcados.

No pescoço do cavalo
Apareceu uma medalha,
Com um letreiro visível
Quem ler bem não se atrapalha,
Era um ditado animoso
“CAVALO MISTERIOSO”
O vencedor de batalha.
             04
O cavalo emagreceu
De contar osso por osso,
Ficou um esqueleto horrível
De causar até sobroço,
Parecendo um saruê
Onde se punha em pé,
De suor ficava o poço.

No peito do cavalo tinha
Aquele sino Salomão,
Esse já nasceu com ele
Que diz na mesma oração,
Sinal muito perigoso
Cavalo misterioso,
O vencedor de questão.

E na anca do cavalo
Um letreiro apareceu,
Muito bem caligrafado
Foi um gênio que escreveu:
Sou um gênio da floresta
Venho divertir a festa,
E quem pega o boi sou eu.

Um letreiro bem visível
Na testa dele se lia:
Eu sou o rei da floresta
O terror da penedia,
Pra correr tenho tabelas
E reforçadas canelas,
E só corro em demasia.
                 05
E na pá estava escrito
Eu sou feroz na caatinga,
Boi de fama para mim
Muito tempo não rezinga,
Porque sou muito ligeiro
Boi corredor feiticeiro,
Para mim não tem mandinga.

Afinal chegou Genésio
Na casa do fazendeiro,
Saudou com todo respeito
O senhor Francisco Monteiro,
Então o Misterioso
Como era caviloso,
Quis se deitar no terreiro.

Perguntou o fazendeiro:
Moço o senhor é malvado?
Montar-se neste cadáver
Magro, velho e assim cansado,
Disse Genésio a sorrir
Ele gosta é de fingir,
É magro assim de danado.

-- Conte a história direito
O senhor e um malvado,
Para criticar do pobre
Escreveu esse ditado,
Quer quinze mil réis por ele?
Pode desmontar-se dele
Disse Genésio: Obrigado!
              06
-- Onde mora o senhor?
Parece ser cearense,
Disse ele: Não senhor
Eu sou um piauiense,
Venho tratar dum negócio
Porque do mesmo sou sócio,
Pois também a mim pertence.

--Eu soube que o senhor tem
Um boi terror de vaqueiro,
Eu quero experimentar
Se esse boi é ligeiro,
Houve forte gargalhada
Toda aquela vaqueirada,
Sorrindo ali no terreiro.

Disse o capitão Monteiro:
É um boi estuporado,
Vaqueiros fortes e bravos
Não sabem dar o recado,
Correr atrás é loucura
É boi somente em figura,
Mas é o cão apropriado.

--Ganha dez contos de réis
O vaqueiro que o pegar,
E dou mais a minha filha
Para com ela casar,
Terá mais a proteção
Dinheiro a disposição,
Para o que precisar.
            07
Aí o Misterioso
Cavou para se deitar,
Deitou-se com ele em cima
Sem poder se levantar,
Todo povo em alvoroço
A medalha do pescoço,
Quiseram até arrancar.

Disse um vaqueiro gaiato
Acenda a vela patrão,
O cavalo quer morrer
Bota no pé ou na mão?
Aí o povo zangou-se
Tudo desta vez danou-se,
Para fazer mangação.

Disse Genésio sorrindo:
Deixe morrer que é meu,
Ele está fraquinho assim
Porque hoje não comeu,
Não foi porque viajou
Com volta ainda não dou,
Por quatro dúzias do seu.

Tornou a dizer sorrindo:
O vaqueiro Punaré,
O cavalo quer morrer
Acenda a vela seu Zé,
Se o senhor não traz a vela
Encha de brasa a panela,
Bote na mão ou no pé.
              08
Genésio então respondeu:
Vossa mercê não estranhe,
Quem quiser perder que perda
Quem quiser ganhar que ganhe,
Não sou vaqueiro esparrela
É melhor que a panela,
Vá botar na sua mãe.

Nestas frases foi chegando
A formosa Leonor,
Quando Genésio viu ela
Ficou pasmado de amor,
Que hora feliz ditosa
Também ficou ansiosa,
Sofrendo da mesma dor.

Sem demora o fazendeiro
Chamou-o para jantar,
Galinha gorda e peru
Comeu até se fartar,
Com a moça de um lado
Pelo o amor encantado,
Nas chamas do verbo amar.

Diz o capitão Monteiro
A um negro seu criado,
Vá dar água ao cavalo
E bote lá no cercado,
Diz Genésio: Não senhor
Agradeço este favor
Para não me dar cuidado.
              09
O cavalo Misterioso
Quem trata dele sou eu,
O homem que montar nele
Pode dizer que morreu,
Outro não pode existir
Besta não há de parir,
Cavalo bom como o meu.

Pois sendo assim vá botá-lo
Dentro daquele pomar,
Tem muita palha de milho
Que ele come a fartar,
Pediu licença ao patrão
E na mesma ocasião,
Foi ao cavalo arrumar.

O cavalo levantou-se
Tremendo e cambaleando,
Com as pernas muito bambas
E as juntas estalando,
Tombou querendo cair
Disse Genésio a sorrir,
Ele já vai se danando.

-- Ora já vai se danando
Reboou a multidão,
O povo na gargalhada
Só fazendo mangação,
Cansado batendo o papo
Aquele não pega um sapo,
Piado de pé e mão!
               10
Vem agora aquele besta
Montado em cima dum pato,
Pegar o Boi Mandingueiro
Mais ligeiro do que gato,
Bicho danado em canela
Cavalo que tem tabela,
Fica perdido no mato.

-- Aquilo é um maluco:
Diziam todos sorrindo,
Genésio presenciou
Foi logo ali reagindo:
-- Malucos são os senhores
Vaqueiros empalhadores,
Não sabem em quem estão bolindo!

Eu sou o rei dos vaqueiros
Sou o vaqueiro Cambonge,
Não sou como os senhores
Que deixam o bicho ir longe,
Meu cavalo está cansado
Porém é certo o ditado,
“O hábito não faz o monge”.

Leonor pelo o rapaz
Estava apaixonada,
Mas via o cavalo dele
Ficava desanimada,
O positivo não nega
Dizendo; Aquele não pega,
Nem uma gata peada.
                11
Com o namoro da moça
Tudo ali dava cavaco;
-- Uma moça tão bonita
Namorar este macaco,
Diziam em gargalhada:
-- O namoro não é nada,
Pegar o boi é cavaco.

Enfim no dia seguinte
Ele disse ao fazendeiro:
O senhor faça um favor
De mandar um companheiro,
Para este boi me mostrar
Que quero experimentar,
Se este boi é ligeiro?

Disse então o fazendeiro:
Vão mais de cem campear,
Até eu vou com vocês
Depois que nós almoçar,
Disse Genésio num riso:
-- Daqui a pouco eu preciso,
O meu cavalo selar.

Então disse ao caboclo
Vá abrir logo a porteira,
Esse passará correndo
Pois tem a perna ligeira,
É preciso advertir
Quando o cavalo sair,
Não vá tirar brincadeira.
              12
Quando o rapaz chegou lá
Ele estava estirado,
Mais de duzentos urubus
Em cima dele montado,
O rapaz observou
E de perto examinou,
Já com um olho furado.

Chegando disse a Genésio
Quase sem poder falar,
Disse Genésio: É dormindo
Não quis ainda acordar,
Quando ele está assim
A coisa não está ruim,
Não é bom incomodar.

Talvez que ele agora
Ande pelo estrangeiro,
Tratando de algum negócio
Que é muito interesseiro,
A maré dele não vasa
Está preparando a asa,
Pra correr no tabuleiro.

Ele é o misterioso
Nada lhe causa embaraço,
Tem as canelas de ferro
A resistência de aço,
Brinca nas asas do vento
Viaja no pensamento
Passeia pelo espaço.
              13
Conhece o mundo inteiro
Já andou na Alemanha,
De lá já foi derribar
Um barbatão na Espanha,
É o terror do vaqueiro
Boi do mocotó ligeiro
Pra ele é uma aranha.

Disse que ele morreu
Não é verdade este fato,
Qualquer que bolir com ele
Verá pular como um gato,
Precisa eu ir acordá-lo
Para com tempo selá-lo
Para corrermos no mato.

O rapaz disse: Está morto
Os urubus já puxando,
Disse Genésio: É impossível
Vejo escaramuçando,
Leonor dizendo oi!
Se ele não pegar o boi,
Vai terminar não casando.

O fazendeiro foi ver
Se era o cavalo do moço,
Avistou ele de formas
Que só estava o arcabouço,
Com mais de cem urubus
Comendo os pedaços crus,
Que no chão estava grosso.
               14
Chegou e disse sorrindo:
O seu cavalo está morto,
Não senhor, disse Genésio:
Está tomando conforto,
Ele agora foi ao mar
E depois quando voltar,
Vem ancorar neste porto.

Enfim chegaram os vaqueiros
Em bons cavalos montados,
Disse Genésio: Esses ganchos
Eu deixo todos logrados,
Nunca viram boi correr
Hoje todos tem que ver
Três demônios encangados.

Botou o dedo na boca
Deu um assovio espantoso,
Depois um grande aboio
Chamando o Misterioso,
O cavalo deu um rincho
Depois soltou um guincho,
Que este foi pavoroso.

E veio se desembestando
Lá da banda do aprisco,
Dando salto com três metros
Ligeiro como um corisco,
Com medo disseram oi!
Genésio disse: Esse boi,
Dar muito bom um petisco.
              15
Estava gordo em formas
De deixar tudo assombrado,
O corpo descomunal
Tamanho demasiado,
De todos admirá-lo
Não era mais o cavalo,
Que ele chegou montado.

Perguntou o fazendeiro:
O seu cavalo é o cão?
Não senhor disse Genésio:
Mas faz a imitação,
Foi nascido para mim
Não monto cavalo ruim.
Tenho esta opinião.

O rapaz foi ver se via
A carniça no roçado,
Não encontrou nem sinal
Que tivesse se espojado,
Voltou então na carreira
Ao passar pela porteira,
Já foi quase assombrado.

Enfim todos os vaqueiros
Fizeram reunião,
Tudo estava comovido
Em completa comoção,
Os cavalos espantados
De cabelos arrepiados,
Que chamou tudo atenção.
             16
Disseram todos vaqueiros
Este cavalo é o cão,
Deixou os nossos assombrados
Causando admiração,
Disse Genésio: Ele é rei
É um direito da lei,
Honrarem seu pavilhão.

Quando chegaram no mato
Estava o Mandingueiro,
Perguntou o boi é aquele?
-- É... disse o fazendeiro,
Disse Genésio é bichão
E parece com o cão,
E este boi é ligeiro.

E gritou ao Mandingueiro
Eu sou o rei da floresta!
Tome cuidado na vida
Que está comigo de testa,
Prepare suas canelas
Bote oito asas nelas,
Para dançarmos na festa.

O boi soltou um mugido
Nos quatro pés se ergueu,
E logo em cima do boi
Um letreiro apareceu,
Dizendo: Tu hás de ver
Nunca viste boi correr,
Vás conhecer quem sou eu.
               17
Noutro letreiro dizia:
Para correr eu me gabo,
Sou filho de uma fada
Que é o mesmo diabo,
É melhor você voltar
Vens o cavalo cansar,
E não me pega no rabo.

Aí fechou na carreira
Com asas de pirilampo,
Com ligeireza de raio
Quando desaba no campo,
Disse Genésio: Espere!
Sua carreira modere,
Pra eu curar seu sarampo.

Desembestou a correr
Não era mais choteando,
O Misterioso em cima
Danadamente pisando,
Só se via o fumaceiro
No meio do tabuleiro,
Como fogo fumaçando.

O boi em toda carreira
Paus com as pontas arrancava,
Em ganchos de aroeiras
Como vampiro passava,
O cavalo atrás passando
A tropelada imitando,
O trovão que reboava.
               18
Então o boi Mandingueiro
Terrivelmente corria,
O cavalo no mocotó
Que nem um palmo cedia,
Num desfiladeiro vai
Como um raio que cai,
Em noite de ventania.

Era uma zoada enorme
De muito longe se ouvia,
Grande nuvem de poeira
Que todo monte cobria,
Era Martim, Paulo e Sancho
Folha seca e garrancho,
Subindo na ventania.

Disse Genésio sorrindo:
Agora vamos ao centro,
Se caíres num buraco
Demônio, contigo entro,
Porque também sou moderno
Se caíres no inferno,
Eu caio contigo dentro.

Pulava o Boi quinze metros
Em cada pulo que dava,
O Cavalo Misterioso
Seu mocotó não largava,
Mais veloz que passarinho
Fumaça pelo o focinho,
O Mandingueiro soltava.
               19
De vez em quando Genésio
Ia à cauda caqueando,
Mas o boi como uma bala
Ia se escorregando,
Era mesmo que o diabo
Somente a ponta do rabo,
Era o que ele ia alcançando.

Com três horas de viagem
O Mandingueiro afracou,
O cavalo Misterioso
Na anca dele montou,
Genésio passou lhe a mão
Foi tão grande o arrastão,
Que cinco vezes rolou.

Conhecestes boi danado
Quem é o misterioso!
Pensavas que pra correr
Só tu eras vantajoso!
Agora fique sabendo
Em tudo reconhecendo
Que também sou valoroso.

Pensavas que pra correr
Só tu nasceste profundo!
Agora fiques sabendo
Que encontrastes segundo,
Ontem terror do vaqueiro
E hoje no tabuleiro,
Promovido a vagabundo.
                 20
Quando o boi se levantou
Fechou de novo à carreira,
Parece que criou asas
Na mais fechada madeira,
Genésio ia achando graça
Disse: A tua desgraça,
Foi só cair da primeira.

Correndo horrivelmente
Em seguida para traz,
Genésio disse sorrindo:
-- Abra o olho satanás,
Eu torno a te derribar
Para poder te mostrar,
Como é que um vaqueiro faz.

Correndo danadamente
Na mais fechada caatinga,
Ainda disse Genésio:
É uma forte a rezinga,
Ninguém virá te valer
Só deixarei de correr,
Quando tirar-te a mandinga.

O cavalo outra vez
Em cima dele bateu,
Genésio deu um arrasto
Que ele se estendeu,
Fogo da venta saindo
Disse Genésio sorrindo
Conheceste quem sou eu!
                  21
Escornou o Mandingueiro
Da queda bem machucado,
De suor o corpo dele
Estava todo molhado,
Porém o Misterioso
Sendo o mais perigoso,
Inda não estava suado.

Quando os vaqueiros chegaram
Já ele estava pegado,
No domínio de Genésio
Muito bem subjugado,
Então disse o fazendeiro
Olhando para o vaqueiro,
Conheceste boi danado!

Murmurou então Genésio:
Nunca tinha encontrado,
Um boi da espécie deste
Só sendo estuporado,
Deu-me trabalho a pegá-lo
Porém encontrou cavalo,
Que sabe dar o recado.

Tudo ali muito assustado
Olhavam para o vaqueiro,
Dizendo: Este é um danado
Pegar o Boi Mandingueiro,
Dez contos de réis ganhar
Ainda mais se casar,
Com a filha do fazendeiro!
                  22
Só o capitão Monteiro
Que muito alegre ficou,
Abraçou-se com Genésio
A mão dele apertou,
Genésio cheio de alegria
No pensamento dizia:
Minha fortuna chegou.

Disse o capitão: Matem o boi
Para esse povo comer,
Genésio disse: Eu compro
Se acaso queira vender,
Digo com sinceridade
O boi dessa qualidade,
Faz pena se ver morrer.

Enfim o capitão Monteiro
Docilmente respondeu:
Você há de ser meu genro
Tudo que possuo é seu,
Teve vaqueiro que ouvindo
Ficou irado rangindo,
Que de inveja morreu.

Levaram o boi na frente
Pra casa do fazendeiro,
Genésio deu um aboio
Ali perto do terreiro,
O aboio foi plangente
Que não ficou um vivente,
Que não amasse o vaqueiro.
                23
O capitão disse a ele:
Moço torne a aboiar,
Mais de quinhentos vaqueiros
Vieram pra escutar,
Depois de ter aboiado
Começou chegar o gado,
Pondo-se tudo a chorar.

Com o aboio de Genésio
Chorou até Leonor,
Caindo sobre os pés dele
Abrasada só de amor,
Desapeou-se da sela
E pegou no braço dela,
Consolando a sua flor.

Então capitão Monteiro
Mandou botar o jantar,
Pra Genésio e a filha
Em lugar particular,
E ele foi o copeiro
Para a filha e o vaqueiro,
Foi um ótimo auxiliar.

Enfim perguntou o moço:
Você me ama ou não?
Disse ela: A ti consagro
A mais ardente paixão,
Que se pudesse botava
As flores e te enfeitava,
Dentro do meu coração.
              24
Toca a coisa animar-se
Na casa do fazendeiro,
Ninguém contava as mesadas
Que tinha pelo terreiro,
A música inteira tocava
Tudo na festa gritava,
Dando viva ao vaqueiro.

Leonor disse: Genésio
Vá esta roupa mudar,
Diz ele: Só tenho essa
Só se avessa eu virar,
Se tem outra que me dê
Eu acho bom que vá ver,
Pra esta então eu tirar.

-- Tem a roupa de papai
Se quer vestir, eu vou ver,
Disse ele: Não senhora
Vou mandar essa bater,
Engomar este gibão
Com enxofre e alcatrão,
Pra me casar com você.

Disse lhe a moça sorrindo:
Casar com esta broaca,
Que quando você se move
Ela exala uma inhaca,
Naturalmente ela olhou
Num dos bolsos avistou,
Um cento de jararaca.
              25
-- São Bento... Olhe uma cobra
No bolso do seu gibão!
Gritou ela assustada
Causando admiração,
Disse ele: São amigas
Moram aqui sem fadigas,
Patrícias do meu sertão.

O pau para ser bonito
Deve ser bem enfolhado,
O homem pra ser vaqueiro
Deve andar bem preparado,
São enfeites do gibão
Um símbolo da profissão,
Da arte de pegar gado.

Meteu a mão no gibão
Tirou as cobras e mostrou,
Quatro jararacas azuis
No mesmo bolso guardou,
A moça ficou com medo
Vendo aquele brinquedo,
Perto dele não chegou.

Afinal o fazendeiro
O padre mandou chamar,
Para casar Leonor
Já tinha feito o altar,
Casou Genésio tão bem
Porque casou-se com quem,
Nunca pensou de casar.
             26
Casou-se com Leonor
Mas vestido no gibão,
De vez em quando uma cobra
Saía pelo o rasgão,
Pois tinha muito de sobra
Ele era um vaqueiro cobra,
Mostrando essa imitação.

Havia um outro vaqueiro
Que amava Leonor,
Consagrava uma amizade
Com o mais profundo amor,
Quando viu ela casada
Ficou de bola virada,
Sofrendo profunda dor.

Teve na festa chorando
Igual um alienado,
Cortou um cipó no mato
E foi morrer enforcado,
O velho Zé Nicolau
Encontrou ele num pau,
Já morto dependurado.

Então contou a história
Do vaqueiro a Leonor,
Diz ela: Fez uma asneira
Morrer por causa de amor,
Por meu respeito não foi
Ele não pegou o boi
Perdeu de todo o valor.
              27
Genésio levou dez contos
Por ter ganhado a questão,
Na santa paz conjugal
Fizeram a santa união,
Era ele o melhor vaqueiro
Terminou sendo o herdeiro,
Da riqueza do patrão.

Dentro dum grande cercado
Botaram o Mandingueiro,
Com ele o Misterioso
Com o ferro do Monteiro,
Do cercado eles fugiram
Os donos nunca mais viram,
Jamais tiveram roteiro.

Certo dia o fazendeiro
Andava pelo cercado,
Era meio dia em ponto
Ele bastante cansado,
Debaixo de um arbusto
Tranquilamente sem susto,
Foi descansar um bocado.

Quando ele estava deitado
Viu chegar quatro urubus,
Mais preto do que carvão
Tendo reflexo de luz,
O fazendeiro pensava
Sendo preciso jurava,
Que eram quatro jacus.
               28
Pousaram no mesmo pau
Onde estava o fazendeiro,
Então perguntou um deles
Ao que chagara primeiro,
De onde vens camarada?
Respondeu em gargalhada,
Eu venho do estrangeiro.

-- O que fazias por lá
Respondeu o camarada:
Do grande Boi Mandingueiro
Fui assistir a chegada,
Na sua recepção
Foi grande a animação,
A festa foi arrojada.

-- Dais notícia do cavalo?
Disse o terceiro: Pois não!
Está sendo castigado
Por ter pego o próprio irmão,
Ele lá dar grande ronco
Preso em um grosso tronco,
Levando muito facão.

E a vaca Misteriosa
O que é que está fazendo?
-- Tomando banho num poço
Quente com água fervendo,
Semelhante a um tacho
De cabeça para baixo,
Vive subindo e descendo.
               29
Porque ela está sofrendo?
Interrogou o terceiro,
Porque viveu sendo vaca
Na fazenda do Monteiro,
E foi covarde em morrer
E não pôde defender,
O filho, daquele vaqueiro.

Enfim o último disse:
Não podia defender,
Porque o pai de Genésio
Soube a coisa fazer,
Pegava qualquer de nós
Por mais que fosse veloz,
Se fosse também correr.

Aí deram uma risada
Que tremeu até o chão,
Logo desapareceram
Nesta mesma ocasião,
Disse o fazendeiro: Credo!
Se arrepiando do medo,
Dizendo aquilo é o cão.

Chegou em casa assombrado
A mesma história contou,
Genésio aí sorriu muito
Depois então exclamou,
A ciência de meu pai
Ainda surgindo vai,
Nunca mais se acabou.
              30
Nunca mais vi meu cavalo
Em que eu pegava gado,
Animal de pernas fortes
Que nunca ficou cansado,
Meu pai era experiente
Sabia perfeitamente,
Deu-me este preparado.

Credo! Disse o fazendeiro
Seu pai era um danado,
Um feiticeiro de força
Pelo o demônio ajudado,
Ele disse: Não senhor
Meu pai era um professor,
Na arte de pegar gado.

O finado meu avô
Era Chico Punaré,
No dia que se danava
Que bulia na coité,
Tinha seu músculo de aço
Lubisomem era no laço,
Mãe d`água no gereré.

O velho meu bisavô
Era Félix Embuá,
Era um velho preparado
Carregava um patuá,
Levava tudo de arrojo
Pegava alma de fojo,
Fantasma de landuá.
            31
O pai do meu trisavô
Era um velho espanhol,
De longe os olhos dele
Pareciam um farol,
Mesmo no pé da parede
Pegava satã com rede,
Mula de padre em anzol.

Esses foram aprendizes
Do finado Andorinha,
Para pegar qualquer bicho
Soprava numa gaitinha,
Esse era um bom rapaz
Chamava-se Ferrabraz,
Com toda cólera que tinha.

Findei aqui o meu drama
Todo fato que se deu,
De forma que o cavalo
Atrás desse boi correu,
Se isso não foi exato
Quem quiser que pague o pato,
Não culpe a quem escreveu. FIM
            32

ENCONTRO ENTRE VALENTÕES
José Edimar

No mundo tem um dilema
Que ninguém pode negar,
O mal existe e acontece
Sem a gente procurar,
Muita gente boa encontra
E não consegue escapar.

Lembro de Santa Quitéria
No Estado do Ceará,
Terra de homens valentes
Com força no patuá,
Quando nascia algum mole
Já descambava de lá.

Antônio Almeida Soares
Teve o nascimento ali,
Mas ainda muito novo
Mudou-se pra Buriti
Dos Lopes, bela cidade
No norte do Piauí.
             01
Lá em Buriti dos Lopes
Ficou sendo morador,
Considerado homem rico
Honesto e trabalhador,
Tendo esposa e um filhinho
A quem dedicava amor.
.           
Por ser homem muito rico
Ajudava a muita gente,
Cidadão muito educado
E bastante sorridente
Apesar da gentileza
Era disposto e valente.
                
Media um metro e noventa
Pois tinha bastante  altura,
Pesava em média, cem quilos
Por ser de grande estatura,
Tendo nos braços e pernas
Força na musculatura.

Era homem corajoso
Mas era um senhor do bem,
Dum revólver trinta e oito
Não se apartava também,
Com cinto cheio de balas
Mas não abusava a ninguém.
              02
Participava das festas
Onde dançava bastante,
Gentil e respeitador
Um porte muito elegante
Porém não temia a nada
Preparado a todo instante.
             
O Sargento Agenor
Cuidava da guarnição
Comandando três soldados
Patrulhando a região
Mas o delegado era
Tenente Sebastião.
          
Muita inveja de Antônio
Esse Sargento sentia,
Vendo ele com revólver
A qualquer hora do dia,
Tinha medo de abordá-lo
Temendo sua valentia.

Mas desejava tomar
Aquela arma do rapaz,
Porém temendo a bravura
Que Antônio era voraz,
Vivia sempre aguardando
Sem querer deixa-lo em paz.
               03
Antônio era convidado
Das festas da vizinhança,
Amigo de todo mundo
E homem de confiança,
Uma pessoa importante
Também muito bom de dança.
             
Antônio foi uma festa
Na casa de um amigo,
Por ser um dos convidados
Tinha com certeza abrigo,
Mas andava sempre armado
Mesmo sem haver perigo

Foi uma festa importante
Que aconteceu na cidade,
Antônio estava feliz
Com toda tranquilidade,
Porque com o promovente
Tinha uma grande amizade.

O Sargento Agenor
Também foi pra brincadeira,
E viu Antônio dançando
Com revolver e cartucheira,
Sem coragem de enfrenta-lo
Cometeu grande asneira.
                04
Foi procurar o Tenente
E foi logo lhe falando,
Que Antônio estava na festa
Com todo mundo abusando,
Armado com um revólver
Muitas balas carregando.
             
Dizendo: -- Não lhe prendi
Porque ele tem valor,
Não está acima da lei
Mas vim falar com o Senhor,
Pra fazê-lo eu pretendo
Ter ordem superior.

O Tenente respondeu:
-- Sargento tome cuidado,
Antônio é rico e valente
Dinheiro tem um bocado,
Tente acalmar o rapaz
Deixando ele desarmado.

-- Não vá me fazer besteira
Pois Antônio é boa gente,
Amigo de todo mundo
Tem grana suficiente,
Tem que respeitar o homem
Porque é muito valente.
                  05
O sargento novamente
Foi onde Antônio dançava
No meio da multidão
Nele o sargento encostava
Sem dizer uma palavra
Tinha medo e retornava.
              
Mas depois de algum tempo
O sargento resolveu,
Desarmar Antônio a força
Era o pensamento seu,
Partiu pra ele apressado
Veja o que aconteceu.

Chegou e agarrou na cinta
Que o cinturão partiu,
A cartucheira de balas
Com o revolver caiu,
Saiu das mãos do sargento
Sobre o piso escapuliu.

Antônio muito ligeiro
Seu revolver agarrou,
Aberturando o sargento
Que do chão o levantou
Como estava zangado
Por esta forma falou:
              06
-- Se desejava o revólver
Bastava pedir a mim,
Que eu lhe entregaria
Mas se preferiu assim,
Vou lhe meter uma bala
Aqui mesmo lhe dou fim.
               
E meteu a arma nele
Segurando com a mão,
Com um só tiro o sargento
Ficou morto ali no chão,
Antônio saiu da festa
Pra resolver a questão.

Foi procurar o Tenente
Que era o delegado,
Contou-lhe o ocorrido
Conforme havia passado,
O Tenente respondeu:
-- Ele saiu avisado.

Chegaram os três soldados
Que acompanhavam o sargento,
E daquela narrativa
Eles ouviram a contento,
E confirmaram ao Tenente
Ali naquele momento.
                  07
Disse o Tenente a Antônio:
-- Está tudo esclarecido,
Foi uma pena o sargento
Nessa luta ter morrido,
Você fez sua defesa
Ele morreu de atrevido.
               
Antônio voltou pra casa
Porém chegou pensativo,
Pra ele matar alguém
Era um ponto negativo,
Se não fosse seu impulso
O sargento estava vivo.

A vida continuou
Antônio se divertindo,
Fazendo mais amizade
Porém vinha pressentindo,
Que atrás dele havia alguém
O tempo todo seguindo.

Completando oito meses
Daquele acontecimento,
Voltando um dia pra casa
Não pensava no momento,
Naquele triste ocorrido
Nem tinha pressentimento.
                   08
Um daqueles três soldados
Que andava naquele dia,
Acompanhando o sargento
Daquilo não esquecia,
Pensava em seu coração
Que então se vingaria.
            
Convidou mais três amigos
Esses três eram novatos,
Que conheciam a história
Só por meios de relatos,
Eles se prontificaram
A terminar os boatos.

Este soldado que falo
Com vinte anos de farda,
Era Lindomar Frazão
Que patente sempre tarda,
Para quem não tem estudo
Permanece sempre Guarda.

Eles foram observar
Qual era a situação,
Olhar em toda cidade
Prestando toda atenção,
Para encontrar Antônio
E tomar uma posição.
              09
Depois que avistaram Antônio
Foram pensar num local,
Para botar-lhe uma tocaia
E não se saírem mal,
Porque peitá-lo de frente
Isso não era legal.
           
E pensaram no jardim
Em frente a sua morada,
E para não serem vistos
Foram tomando chegada,
Ficando lá escondidos
Pra pegarem de emboscada.

Eram seis horas da tarde
Já estava escurecendo,
Antônio vinha encostando
Como eu vinha descrevendo,
Quando o tiroteio comeu
E ele gritou dizendo:

-- Me pegaram seus covardes
Porque foi a traição,
De frente a frente eu duvido
Terminava a munição,
Não ficava um só bandido
Pra comentar a questão!
               10
Foram mais de doze tiros
Antônio ficou caído,
Inda tentou levantar
Mas mortalmente ferido,
Sem haver nenhum socorro
Ficou no chão estendido.

Com a morte de Antônio
Os policiais correram,
Chegaram à delegacia
Por lá se esconderam,
Ninguém ouviu mais falar
Talvez desapareceram.

No velório de Antônio
Houve muita comoção,
Muita gente reunida
Discurso e falação,
No enterro muito choro
Abraço e aperto de mão.

Tenente Sebastião
Chefe da delegacia,
Expulsou os três novatos
Ainda naquele dia,
Disse a Lindomar Frazão
Que também não lhe queria.
                 11
Ajeitou sua transferência
Quem sabe pra outro Estado,
Ninguém mais ouviu falar
Também daquele soldado,
Talvez ele até pensasse
Que não era mais lembrado.

Antônio deixou um filho
Com dez anos de idade,
Por nome de Maciel
Um jovem de hostilidade,
Vingar a morte do pai
Era sua maior vontade.

Mas ninguém ali sabia
Em casa ou na vizinhança,
Quem seria o responsável
Por ter feito à matança,
E sua mãe sempre dizia
Esqueça dessa vingança.

Para descobrir quem foi
Era só no que falava,
Todo dia a sua mamãe
Daquilo lhe reclamava
Pra mudar de opinião
Porém ele não mudava.
               12
Com nove anos depois
Maciel era um rapaz,
Não esquecia o pai dele
A raiva aumentava mais,
Comprou logo um caminhão
Decidido a ir atrás.

Um revólver trinta e oito
E uma caixa de balas,
No porta luvas do carro
Que não tinha porta malas,
Mantinha sempre guardado
Acompanhando as escalas.
         
O soldado Lindomar
Tomou um novo roteiro,
Deixou Buriti dos Lopes
Levando pouco dinheiro,
Foi direto ao Ceará
Pra Cidade Tabuleiro.

Em Tabuleiro do Norte
Ficou por lá esquecido,
Da Cidade Buriti
Pensou que estava escondido,
Mas quando a sorte não quer
Qualquer esforço é perdido.
               13
Transferido se manteve
Na polícia novamente,
Alguns fatos na carreira
Rendeu-lhe até patente,
Com dez ou doze anos
Ele já era Tenente.

Maciel no caminhão
Começou a transportar,
Para todo Piauí
Sem deixar de procurar,
Sobre a morte de seu pai
Confiante em encontrar.
            
Viajou no Maranhão
No Estado do Pará,
Também em todo Goiás
Depois voltando de lá
Decidido percorreu
As terras do Ceará.
              
Certa vez em Tabuleiro
Ele foi pra abastecer,
O seu caminhão num posto
Quando ouviu alguém dizer:
-- Olha quem está ali
Quem eu acabo de ver!
                  14
-- Quem tu viste pra ficar
Assim com essa aflição?
O outro lhe respondeu:
-- É o Tenente Frazão!
Maciel se virou logo
Ficou prestando atenção.

--Quem é Tenente Frazão
Falar dele eu nunca ouvi?
-- Foi aquele que matou
No Estado do Piauí,
Antônio Almeida Soares
Na Cidade Buriti.

Lá em Buriti do Lopes
Antônio era Valentão,
Amigo de todo mundo
Um homem de condição,
Foi morto com vários tiros
Tudo feito à traição.
             
Maciel olhando viu
Oito homens bem sentados,
Pegou logo o seu revólver
Vendo eles animados,
Era um grupo da polícia
Notou que estavam armados.
                15
Encostando perguntou:
-- Qual dos senhores aqui,
Matou Antônio de Almeida
Na Cidade Buriti?
O tenente Lindomar
Foi falando logo ali:

-- Antônio Almeida Soares
Quem matou  ele fui eu!
Quando ele disse assim
Ligeiro a bala comeu,
Um tiro acertou na boca
Só com aquele morreu.

Maciel já foi dizendo:
-- Alguém tá querendo mais?
Se não querem fiquem calmos
Joguem as armas para traz,
Que recolho e vou embora
Todo mundo fica em paz.

Todos jogaram as armas
Maciel se encarregou,
De botar numa sacola
Bem rápido se retirou,
E em Tabuleiro do Norte
Ele nunca mais passou. FIM
             16


ALFREDO E JULHINHA
Severino Gonçalves de Oliveira

Eis aqui caros leitores
Outro caso interessante,
Que deu-se no Rio Grande
Com um rapaz viajante,
Dos dramas que eu tenho visto
Foi o mais interessante.

Este rapaz que eu falo
Residia no sertão,
Em Jardim do Seridó
Na fazenda São João,
Vivia com os seus pais
Na mais perfeita união.

Alfredo era seu nome
Rapaz de tipo elegante,
Com dezoito de idade
Ele se fez viajante,
Da praia para o sertão
Negociava ambulante.

Um dia pela manhã
Alfredo se despediu,
Arrumou os necessários
Fez a partida e seguiu,
Parece que a triste sorte
Desta vez lhe perseguiu.
             01
Ele seguiu a viagem
Com prazer e alegria,
Arriou pra descansar
Às onze horas do dia,
Na viração do alpendre
Da fazenda da Turquia.

Ele arriou a bagagem
E começou descansando,
Ouviu pra dentro de casa
De quando em vez soluçando,
Ele conheceu que era
Uma pessoa chorando.

Ele levantou-se e disse:
Meu Deus que quadra ferina,
Quando disse essas palavras
Foi chegando uma menina,
Bonita que só o brilho
Da estrela matutina.

Alfredo penalizado
Disse: o que sente menina?
Ela respondeu chorando
Eu sou uma peregrina,
Que vivo aqui cumprindo
Minha miserável sina.
              02
Alfredo disse: mocinha
Eu sou um homem sem medo,
A minha volta é ruim
De mim ninguém faz brinquedo,
Diga por que estás chorando
Me conte lá esse enredo.

A moça disse: senhor
Eu choro é com razão,
Porque meu pai é um homem
Mais feroz que um leão,
Muitos aqui chamam ele
O cascavel do sertão.

Alfredo disse: mocinha
Seu sofrimento faz dó,
Eu sei que sei pai é brabo
Aqui neste Seridó,
Mas o remédio de um doido
É outro no mocotó.

Disse Alfredo: se achar
Que eu sou merecedor,
Me responda uma palavra
Por especial favor,
Como se chama à senhora
Eu quero ser sabedor.
              03

Disse ela: meu nome é Júlia
Por apelido Julinha,
Alfredo nesse momento
Disse sorrindo a mocinha,
Se queres fugir comigo
Atravesso o fim da linha.

Se aceitar a proposta
Desde já fique avisada,
Para sairmos daqui
A uma da madrugada,
Você fugindo comigo
Se acaba toda zuada.

A moça deu um suspiro
Como quem pede um socorro,
Disse: fujo agora mesmo
Querendo na frente eu corro,
Mas se meu pai for atrás
Tenho certeza que morro.

Alfredo disse: mocinha
Isso é modo de dizer,
O homem por ser valente
Não se livra de morrer,
Quem leva o saco pra dar
Também leva pra trazer.
              04
Alfredo nesse momento
Mostrou que tinha coragem,
Chegou pra perto da moça
Disse a ela: minha imagem,
Dê-me um beijo até a hora
De nós seguir a viagem.

Nisso a moça se ausentou
Alfredo ficou sentado,
Ninguém na casa sabia
Do que tinha se passado,
Ela foi porém deixou
O drama todo acertado.

Alfredo ficou ali
Bastante contrariado,
Dizendo dentro de si
É triste meu resultado,
Se eu não casar com ela
Findo meus dias enforcado.

Alfredo a meia noite
Selou urgente o cavalo,
A mocinha deu o fora
Com gosto de acompanha-lo,
Passaram um pitu no velho
Antes do cantar do galo.
                05
Com duas horas e meia
Saíram numa rodagem,
Alfredo nesse momento
Disse para sua imagem:
Só enfrenta um caso desses
O homem que tem coragem.

Quando ia rompendo a aurora
Já amanhecendo o dia,
Alfredo naquela estrada
Deserta não conhecia,
Quando chegou adiante
Encontrou com um vigia.

Quando o vigia viu eles
Gritou com frases singela,
A moça que você leva
Eu conheço essa donzela,
Vou levar você agora
A presença do pai dela.

Alfredo gritou dizendo:
Pode vir o inimigo,
Para eu entregar a moça
Que eu não temo castigo,
Seca o mar e acaba o mundo
Porém ela vai comigo.
                06
Disse o vigia: comigo
Você hoje se embaraça,
Eu sou um negro valente
Que nunca temeu desgraça,
Se acaba o mundo porém
A moça daqui não passa.

Alfredo disse: é mais fácil
O diabo gostar de vela,
Um macaco ir à Igreja
De palma véu e capela,
Só quando isto acontecer
Pode ser que eu deixe ela.

Disse o negro: vamos ver
Quem é que conta a história,
Alfredo gritou: na luta
Um de nós conta vitória,
Vamos ver de nós dois quem
Fica com esta em memória.

O negro neste momento
Gritou eu sou verdadeiro,
Primeiro eu dou-lhe uma surra
Só mato por derradeiro,
Alfredo disse: moleque
Vamos ver quem cai primeiro.
                07
Alfredo enfrentou a luta
Brigando sem embaraço,
O negro com meia hora
Abandonou o cangaço,
Correu que os mocotós
Batiam no espinhaço.

Com a carreira do negro
Serviu até de gracejo,
Alfredo gritou moleque:
Cadê você que eu não vejo,
Homem desta qualidade
Não enfrenta um sertanejo.

Aqui eu deixo Alfredo
Com a sua deusa bela,
Vou falar no pai da moça
Militão Lima Portela,
Quando amanheceu o dia
Que não achou a donzela.

Começaram procurando
Naquela ocasião,
O negro vinha chegando
Gritou dizendo: patrão,
A sua filha fugiu
Com um rapaz do sertão.
                 08
Eu estava na cancela
Quando eles vinham chegando,
Júlia de braço com ele
Muito baixo conversando,
E eu sem perca de tempo
Fui logo a ele enfrentado.

Quando eu enfrentei o moço
Faz medo até eu dizer,
A luta foi tão tremenda
Que fez a terra tremer,
Eu vi que não dava jeito
Corri para não morrer.

O capitão nesta hora
Disse no meio da contenda:
Eu vou mandar intimar
Meus cabras de encomenda,
Vou buscar o sertanejo
Pra matá-lo na fazenda.

E gritou para o vigia:
Reúna a rapaziada,
Vá me chamar Quinta-feira
Rouxinol e Mão Furada,
Maribondo e Capuxú
Ventania e Trovoada.
               09
Traga o Negro Antonio Macho
Agrião e José Gato,
Apolinário da Cunha
Sebastião e Donato,
E me diga a João Errado
Para vir pegar o pato.

Nisso o vigia saiu
Fez o convite ligeiro,
Em menos de dez minutos
Ficou repleto o terreiro,
Pra todo lado se via
Esteira de cangaceiro.

Quando reuniu os cabras
O capitão nessa hora,
Bateu a mão ao seu rifle
Saltou do lado de fora,
E disse para os capangas
Vamos seguir sem demora.

Vamos prender um bandido
Que me carregou Julinha,
Eu pra pegar ele hoje
Vou até o fim da linha,
Do jeito que estou danado
Brigo até com a murrinha.
                 10
Os capangas responderam
Entre nós não há duelo,
O Rio Grande do Norte
Só cria homem amarelo,
E nós na brigada somos
A cobra que mordeu belo.

Militão com os seus cabras
Nesse momento seguia,
Viajando sem ter medo
Entrou numa travessia,
Foram encontrar os amantes
Ás onze horas do dia.

Alfredo que se achava
Junto à beira da estrada,
Numa sombra descansando
No colo da sua amada,
Quando naquele momento
Surgiu a rapaziada.

Quando o grupo foi chegando
Gritou de lá um bandido,
Cabra safado conheça
Que seu plano foi perdido,
Siga direto a prisão
Cabra cretino atrevido.
               11
Conheça que está no cerco
Dos cabras de Militão,
Não fale não esmoreça
Siga direto a prisão,
Nessa voz Alfredo disse:
Morto sim, mas preso não.

Alfredo entrou ali
Numa luta encarniçada,
Pegou o revólver dele
Entregou a sua amada,
Ficou brigando somente
De rasteira e cabeçada.

Alfredo partiu afim
De estrangular Militão,
Quando passava a rasteira
Botava um eito no chão,
No soco e na cabeçada
Era igualmente um canhão.

Julinha também de lado
Cumprindo o forte destino,
De vez em quando atirava
Na testa dum assassino,
Quando arrastava o gatilho
Podia bater no sino.
                12
Com meia hora de luta
Era horrenda a multidão,
Tinha vinte e quatro cabras
Mortos prostrados no chão,
Só escapou da revolta
O valente Militão.

Depois que Militão viu
Morrer sua cabroeira,
Meteu o peito no mato
Saiu quebrando madeira,
Dum choto que deu tirou
Quatro léguas na carreira.

Quando ele chegou em casa
Gritou no meio do salão,
Eu me encontrei com Julinha
Na volta do grutilhão,
Fugindo com o diabo
Em figura de cristão.

Quando eu falei pra ele
Dizendo sou Militão,
Ele partiu para mim
Mais feroz que um dragão,
Deu-me um soco tão danado
Quase vomito o pulmão.
                13
Entrou na luta abaixado
Sem nenhum acanhamento,
Na cabeça e no soco
Brigava que só jumento,
Eu escapei porque uso
A oração de São Bento.

Aqui faço um paradeiro
Com toda pontuação,
E na mesma história eu digo
Dando a discriminação,
Falando sobre Alfredo
No fim da revolução.

Alfredo quando se viu
No meio da luta sozinho,
Disse a Julinha: seu pai
Vai conhecer direitinho,
Para saber que não deixo
Viagem em meio de caminho.

Dizendo isso voltou
Pela mesma direção,
Atrás de ver se encontrava
O valente Militão,
Alfredo dizia; eu hoje
Decido toda questão.
            14
Foi direto a casa grande
Quando chegou no portão,
Partiu um lobo valente
Alfredo pegou-lhe a mão,
Deu-lhe um baque tão danado
Que saltou o coração

Quando matou o cachorro
Foi chegando o cangaceiro,
Partiu pra pegar Alfredo
Mas este muito ligeiro,
De uma queda que deu-lhe
Não deixou um osso inteiro.

Alfredo ficou ali
De pronta execução,
Bateu na porta dizendo
Aqui tem um cidadão,
Que deseja conhecer
O valente Militão.

Quando Militão saiu
Alfredo disse: conheça,
Que vim pedir sua filha
É bom que não estremeça
Se não com pouco uma bala
Visita a sua cabeça.
             15
Militão partiu pra ele
Como um lobo carniceiro,
Alfredo negou-lhe o corpo
E gritou muito ligeiro,
Velho você hoje encontra
Tampa pro seu tabaqueiro.

Pegou o velho na beca
Bateu com ele no chão,
Meteu-lhe o punhal na boca
Gritou no meio do salão,
Responda velho danado
Se me dar a moça ou não.

O velho se viu perdido
Fez o maior desespero,
Disse a Alfredo: me solte
Que eu lhe dou muito dinheiro,
Dou a filha e a mulher
E sirvo de travesseiro.

Casou-se Alfredo de Almeida
I teve no fim perdão,
Roubou a filha do velho
I fez a revolução,
Lutou até que venceu
O valente Militão. FIM
            16

A Vida de João Malazarte
Autor: Luiz de Lira

Quem nunca leu a história
Do tal João Malazarte,
Aproxime-se agora e ouça
O valor da sua arte,
O ente mais presepeiro
Conhecido em toda parte.

Morreu Pedro Malazarte
Porém deixou o seu neto,
De presepada e mentira
O João ficou completo,
Nos lugares onde andou
Não ficou ninguém quieto.

João nasceu em Lisboa
Porém deixou Portugal,
Emigrou para o Brasil
Quando chegou em Natal,
Seu pai comprou uma loja
Na rua comercial.

Naquele tempo Natal
Era bastante atrasada,
Uma cidade pequena
De matos arrodeada,
Porém já havia um porto
E uma gente abastada.
            01
Deixo Natal e agora
Prossigo noutro tratado,
Sobre João Malazarte
Da forma que foi criado,
Era perverso demais
Mentiroso e malcriado.

Devido às trelas, João
Apanhava todo dia,
Porém não se emendava
No lugar por onde ia,
Fazia grande alvoroço
E para casa corria.

João Malazarte um dia
Encontrou-se com um padre,
E disse a bênção padrinho
Minha mãe é sua comadre,
Mandou eu passar o dia
Com você na santa madre.

O padre levou João
Porque tinha um afilhado,
Porque não o conhecia
Chegou bastante cansado,
Deitou-se na sacristia,
Ferrou num sono pesado.

Enquanto o padre dormia
João se achando só,
Melou a cara do padre
De rouge, batom e pó,
Depois destrancou o cofre
Tirou dinheiro sem dó.
              02
O gato do capelão
João pode agarrar ele,
Fez um facho de molambo
Amarrou na calda dele,
Ensopou de querosene
Depois tocou fogo nele.

O padre estava dormindo
Não viu João fazer nada,
Mas o gato enguiçou ele
Com a cauda incendiada,
Trepou-se no altar mor
Fez uma grande zuada.

Incendiou-se o altar
Cobriu-se tudo em fumaça,
João disse: seu padre acorde
E pule pela vidraça,
Se não o gato lhe morde
E o senhor se desgraça.

O padre se acordou
Naquele grande alvoroço,
Correu atrás de João
Para cortar-lhe o pescoço,
João na frente gritava:
-- O bom eu levo no bolso.

Na frente João entrou
Na casa de uma velhinha,
O padre parou na frente
João entrou na cozinha,
Entrou numa capoeira
Que por traz da casa tinha.
              03
Reuniu-se o pessoal
Pra saber do ocorrido,
O padre todo melado,
Cansado e aborrecido,
Um rapaz disse: “Seu padre”
-- O seu rosto está tingido.

Uma moça anarquista
Dessas que tem no Brasil,
Perguntou ao capelão:
-- Vai dançar hoje seu Gil,
O senhor ainda é padre
Ou velho de pastoril?

O povo todo sorrindo
E o padre encabulado,
Reparou-se num espelho
Chorou de envergonhado,
No mesmo dia deu parte
Pra João ser processado.

Seguiu um soldado velho
A procura de João,
Com ordem do delegado
Para leva-lo a prisão,
Mas caiu numa cilada
Que morreu do coração.

O praça encontrou João
Pôs-se a conversar com arte,
Ele contente e sorrindo
Fazendo grande descarte,
O soldado perguntou:
-- Conheces João Malazarte.
               04
João lhe disse: Conheço
Hoje mesmo encontrei ele,
Se for um que o vigário
Deu uma carreira nele,
Dê-me um tostão que eu
Vou mostrar a casa dele.

O soldado que queria
Prender e dar em João,
Deu-lhe o tostão enganado
Com boa satisfação,
João recebeu e disse:
-- Eu ajeito esse ladrão.

Naquela rua morava
Um oficial malvado,
Um coronel do exercito
Muito bravo e respeitado,
João disse: -- para lá
Vou mandar esse quadrado.

Depois do plano formado
Na calçada pôs-se em pé,
Disse: --João Malazarte
Mora naquele chalé,
-- Naquele? Pergunta o praça
Malazarte disse: É!

João lhe disse: é ali
Que mora o cabra covarde,
Agora eu volto daqui
Porque já é muito tarde,
Se eu demorar na rua
Na peia o meu lombo arde.
                05
João voltou na carreira
E o pobre do soldado,
Seguiu direto ao chalé
Bastantemente vexado,
Chegou na porta e bateu
Com um talento danado.

O oficial estava
Tomando um forte café,
Nisso o soldado chegou
Na porta meteu o pé,
Perguntou: cadê o corno
Que mora nesse chalé.

Coronel levantou-se
Da mesa muito abusado,
Disse quando viu o praça
-- Eu não gosto de soldado,
Nem devo nada a polícia
Por ali cabra safado.

O soldado disse: eu sei
Que o coronel não gosta,
O coronel disse: cale-se
Eu não quero ouvir proposta,
Meteu – lhe a mão pela cara
Que ele caiu de costa.

Quando o praça levantou-se
Recebeu um pontapé,
Do outro murro foi cair
Na calçada do chalé,
Com a cara ensanguentada
Correu deixou o boné.
             06
Chegou na delegacia
Disse para o delegado:
-- Apanhei que quase morro
Não quero mais ser soldado,
O senhor mesmo que vá
Prender aquele danado.

João vendo o delegado
O perseguindo demais,
Embarcou pra Pernambuco
E quando saltou no cais,
Seguiu por ali chorando
Com saudade dos seus pais.

Um policial viu João
Num choro tão desmedido,
Dirigiu-se e perguntou
Se ele andava fugido,
João disse: não senhor
Choro com dor de ouvido.

-- E você aonde mora?
João respondeu com tédio,
-- Se quer saber quem eu sou
Vá ali naquele prédio,
Que eu vou para a farmácia
Comprar pra mim um remédio.

Nisso João Malazarte
Numa marcha continua,
Dizendo: não me interrompa
Com essa besteira sua,
O meu pai disse que eu
Não demorasse na rua.
              07
O guarda disse: seu corno
Está com malcriação,
João lhe disse: respeite
O filho de um barão,
Se eu contar ao meu pai
Você vai para a prisão.

O guarda ficou com medo
Deixou João ir embora,
No fim da Rua João
Encontrou uma senhora,
Disse: a benção minha tia
Como vai? Aonde mora?

A mulher disse: estou boa
Moro ali numa choupana,
João disse; eu vou agora
Conhecer sua cabana,
E também com a senhora
Eu vou passar a semana.

A mulher tinha um sobrinho
Parecido com João,
Morava no cariri,
Na fazenda do grotão,
Levou ele para casa
Chamando-o Sebastião.

A mulher era viúva
Tinha uma filha mocinha,
João perguntou: titia
Como se chama a priminha.
A velha disse: menino
Essa não é Teresinha!
                08
Depois da ceia a viúva
Perguntou: Sebastião,
O teu pai ainda é dono
Da fazenda do grotão?
João disse: e ele vende
Aquela situação!

Ele fez uma Igreja
No pé de um grande monte,
Um jardim e um banheiro
No pé duma grande fonte,
No jardim tem uma estátua
Apontando o horizonte.

Quando vem rompendo o dia
Que a passarada canta,
Surge uma grande alegria
Todo povo se levanta
E pra adorar o Santo
Vai a igrejinha santa.

Quando João se calou
Perguntou-lhe Teresinha,
-- Sebastião tu me leva
Pra eu ver a igrejinha,
E também passar uns dias
Com minha prima Julinha!

João lhe disse; pois não
Estou pronto pra levar,
Se titia consentir
Você pode se arrumar,
A velha disse: eu consinto
Nele eu posso confiar.
              09
João consigo dizia:
-- A garota é bonitinha,
A velha é besta demais
Pensa que é tia minha,
Presta confiança a mim
Eu ajeito essa bichinha.

A mulher disse a João
Quando ele foi embora:
-- Você leve Teresinha
Porém volte sem demora,
Só passe por lá um mês
João disse: sim senhora!

João largou-se no mundo
Com destino ao sertão,
Foi parar em Vila Bela
Isso sem um tostão,
Lá empregou Teresinha
Para apanhar algodão.

Passou o resto do ano
Teresinha não voltou,
A mãe dela impaciente
Para a fazenda rumou,
Deu a jornada perdida
Porque não a encontrou.

A irmã disse: meu filho
Da fazenda não saiu,
Foi outro Sebastião
Que a você iludiu,
Porém o meu filho não
Quem disse isso mentiu.
                  10
A pobre voltou chorando
E disse: aquele sujeito,
Me carregou Teresinha
E faltou-a com respeito,
Chegando em casa deu parte
A um juiz de direito.

Ela contou ao juiz
Tudo quanto foi passado,
Como João Malazarte
A ela tinha enganado,
Devido aquela lazeira
O juiz falou zangado.

A senhora é a culpada
Pois deu a moça ao rapaz,
Quem é besta deste jeito
Sofre desta e outras mais,
Depois da desgraça feita
Você mesma vá atrás.

-- O caso está resolvido
Disse o juiz de direito,
-- Va arranjar outra filha
Aquela não tem mais jeito,
Ou então vá atrás dela
Pra toma-la do sujeito.

A viúva foi pra casa
Muito triste envergonhada,
Além de perder a filha
Sofreu mais essa massada,
Com o desgosto morreu
Numa corda pendurada.
              11
Agora o leitor se lembra
Da moça lá no sertão,
Já tinha perdido a honra
Estava na perdição,
Levou o caso a policia
Mandaram prender João.

João com medo correu
Deixou Teresinha só,
Seguiu por ali cortando
As zonas do Piancó,
Atravessou Paraíba
Foi sair no Seridó.

Chegou no Seridó liso
Não tendo do que viver,
Arranjou umas pimentas
E foi pra feira vender,
Porém no caminho fez
Um português se morder.

Encontrou um português
Com um jumento acuado,
Carregado com panelas
Sobre o caminho parado,
O português dando nele
E o burro emperrado.

João disse: camarada
Eu tenho remédio aqui,
Deu-lhe as pimentas dizendo:
-- Como este eu nunca vi,
Esfregue no fundo dele
Depois puxe - o por ali.
                12
Ele passou as pimentas
No lugar que João mandou,
O jumento deu dois coices
Que a cangalha virou,
Que as panelas quebraram
E o burro desembestou.

João disse ao português
-- O jumento já correu,
Com o remédio no fundo
Ele desapareceu,
E você só pega ele
Se também passar no seu.

O pobre do português
Para pegar o jumento,
Passou a pimenta ardosa
No lugar que sai o vento,
João disse: oh! cabra besta
Desgraçaste o fedorento.

Quando o português sentiu
O ardor no fiofó,
Puxou a faca da cinta
João disse: fique só,
Duma carreira que deu
Foi parar em Mossoró.

Chegou em uma fazenda
Perguntou ao fazendeiro,
Se lhe arranjava um emprego
Nem que fosse de vaqueiro,
Pela comida e a roupa
E também algum dinheiro.
              13
Perguntou-lhe o fazendeiro:
-- O senhor de onde vem,
Respondeu João Malazarte:
-- O senhor perguntou bem,
Venho do oco do mundo
Sou filho de muito além.

Hoje eu estou por aqui
Mas nasci em Portugal,
Na Capital de Lisboa
Porém o meu pessoal,
Emigrou para o Brasil
Eu me criei em Natal.

Aprendi ler e contar
Tenho arte com fartura,
Mas estou desempregado
Sofrendo grande amargura,
Disse o fazendeiro: agora
Gozarás grande aventura.

Você aqui tem direito
A um conforto necessário,
Como administrador
Vai ser o meu mandatário,
Tem almoço janta e ceia
Dormida e um bom salário.

João ficou manobrando
Aquela propriedade,
Passou dois anos quieto
Sem fazer perversidade,
Já gozava do patrão
A maior intimidade.
                 14
Porém satanás um dia
Manifestou-se em João,
Ele armou uma cilada
Para a filha do patrão,
Ela por ser inocente
Caiu no laço do “cão”

João disse: Madalena
Seu pai por seu meu amigo,
Mandou dizer que você
Dormisse um sono comigo,
Ela foi porque pensou
Que não corria perigo.

A patroa de João
Estava lá na cozinha,
E não viu quando os dois
Entraram na camarinha,
Ele dormiu a vontade
Com todo prazer que tinha.

Ainda estava deitado
O fazendeiro chegou,
A moça gritou do quarto
Com João aqui estou,
Cumprindo com meu dever
Como o senhor ordenou.

O velho conheceu logo
Que era uma traição,
Deu um pontapé na porta
Que ela rolou no chão.
João correu de cueca
E a moça de camisão.
             15
O velho correu atrás
Adiante os agarrou,
Disse: vão morrer sabendo
Pelo punhal arrastou,
João gritou: ora cebo
Foi ela que me chamou!

Com essa voz o patrão
Mandou-lhe um soco direto,
João rodopiou e caiu
Dizendo: seu Anacleto,
Não me mate por favor
Deixe-me criar seu neto!

A mulher disse: meu velho
Você não mate João,
Se a menina ficar
Perdida sem cotação,
João disse: eu só caso
Porque comi o pirão.

O velho se convenceu
Depois do serviço feito,
Fez depressa o casamento
E o juiz de direito,
Disse: -- João vá viver
Com ela bem satisfeito. FIM
           16

HISTÓRIA DE BARBA AZUL
Autor: HEITOR ATHAYDE

HOUVE nos tempos feudais
Um opulento barão,
Mais rico que um nababo
Malvado de profissão,
Prendia por brincadeira
Matava por distração.

Era horroroso e feio
Tinha o corpo de um gigante,
A barba grande e azul
Que monstro repugnante,
Uma cabeleira imunda
E um olhar penetrante.

Chamava-se Barba Azul
Por ele ser muito ruim,
Tinha um coração de Nero
E a alma de Caim,
De vinte e tantas esposas
A todas elas deu fim.
             01
O fim de suas esposas
Era ali desconhecido,
E o médico não dizia
De que tinha adoecido,
Ninguém sabia na corte
Como elas tinham morrido.

Ainda não satisfeito
De ter tão barbaramente,
Dado fim a vinte esposas
Como assassino imprudente,
Foi seduzir uma moça
Para mata-la inocente.

Habitava perto dele
A uma certa lonjura,
Uma moça muito pobre
Porém rica em formosura,
Ela se chamava Helena
E vivia de costura.

Barba Azul falava só
Quando tinha enviuvado,
Dizendo: que asneira minha
Eu podia está casado,
Vou arranjar uma moça
Saiu por ali vexado.
             02
Andando pela cidade
Na casa de Helena entrou,
Foi logo dizendo a moça
Tudo quanto ele pensou,
Depois dirigiu-se a velha
Por esta forma falou:

-- Senhora eu venho aqui
Por amor duma donzela,
Não obstante ser pobre
Mas eu agrado-me dela,
Quero saber se a senhora
Consente eu casar com ela.

A velha disse ao barão
Que tal coisa não fazia,
Dar a filha aquele monstro
Ela nunca pensaria,
A moça por sua vez
Disse que não lhe queria.

Ele não desanimou
Fazendo-lhe muito agrado,
Barba Azul para Helena
Tornou-se quase um criado,
Os seus vassalos diziam:
O barão está dominado!
             03
Vendo ele que a moça
Nutria pouca vontade,
Procurou alguns amigos
De maior intimidade,
Pra fazer com que Helena
Chegasse a ter-lhe amizade.

Levando ela pra festas
Piqueniques e folguedo,
Todo dia no castelo
Ele inventava um brinquedo,
Mandava chamar Helena
Mas ela ia com medo.

Dizia Helena consigo:
Se fosse um belo rapaz,
Que fizesse isso comigo
Era bom sermos iguais,
Porém um monstro daquele
Eu acho feio demais!

Depois Helena dizia:
Eu já não acho horroroso,
Como me dizia o povo
Que era um monstro assombroso
Só por ter a barba azul
Não é tão defeituoso!
                 04
Disse Helena: à sua mãe
Eu tenho cá para mim,
Que um homem como aquele
Como pode ser ruim?
Na tarde do mesmo dia
Ela mandou dar-lhe o sim.

Barba Azul com a notícia
Quase morre de alegria,
Mandou logo convidar
O povo que conhecia,
Aprontando quase tudo
Antes de findar-se o dia.

No semblante do barão
Se via grande mudança,
Todo o povo da cidade
Sabendo dessa aliança,
Tinha um riso em cada rosto
Cada riso uma esperança.

O barão no seu castelo
Vivia sempre arrumado,
Pois já era vinte vezes
Que ele tinha se casado.
Mandou avisar ao povo
Para o dia do noivado.
               05
Foi marcado o casamento
Para a véspera do Natal,
Deu Barba Azul nesse dia
Um banquete colossal,
E foi morar com a esposa
Num palácio de cristal.

Ficou Barba Azul vivendo
Com sua esposa fiel,
Inda não tinha mostrado
O seu coração cruel,
Porque ainda se achava
Em plena lua de mel.

Toda vez que ele casava
Uma viagem fazia,
Não era por muito tempo
Mas era por mais de um dia,
Somente para saber
A mulher que possuía.

Em menos dum mês passado
Despediu do castelão,
Dizendo para a esposa:
Deixo as chaves em tua mão,
Chamou ela para a sala
Foi dar uma explicação.
               06
Chegou no salão mostrou-lhe
As chaves que pertencia,
-- Guarde elas com cuidado
Até que eu volte outro dia,
Aqui tem a pequenina
Da porta da galeria.

-- Aposentos do castelo
Todos eles pode abrir,
Se abrir a galeria
Sem ninguém te consentir,
Verás o meu ódio eterno
Quanto vai te perseguir.

Ela promete ao marido
Que muito observaria,
Tivesse pouco cuidado
Que sua ordem cumpria,
Seguisse sua viagem
Que seu gosto ela fazia.

Terminando estas palavras
O barão lhe abraçou,
E dando adeus a esposa
Vinha um carro ele tomou,
Barba Azul então partiu
A pobre Helena ficou.
             07
Uma irmã de Helena
Com ela também vivia,
Depois de seu casamento
Foi logo no outro dia,
O barão não importava
Pra lhe fazer companhia.

Tinha Helena dois irmãos
Oficiais da marinha,
Sabendo do casamento
Da sua bela irmãzinha,
Mandaram dizer por carta
Qual era o dia que vinha.

Logo que o barão saiu
Suas amigas visitavam,
O castelo de Helena
Sua sorte invejavam,
Na riqueza de Helena
Era em que elas falavam.

Tanto pediram a Helena
Que a pobre moça deixou,
Virando peças por peças
Em todo quarto ela entrou,
Chegando na galeria
Aí Helena parou.
           08
Ali as moças pararam
Cada qual que perguntasse,
Helena não respondia
Se era bom que entrasse,
Resolveu entrar depois
Que o povo se retirasse.

Quando a visita saiu
Helena ficou sozinha,
Viu alguém no corredor
Mas era Ana que vinha,
Convidou abrir a porta
Pra ver no quarto o que tinha.

Quando ela abriu a porta
Quase que perde a razão,
Encontrou vinte cadáveres
Espalhado pelo chão,
Conheceu logo que eram
As esposas do barão.

Olhando aquele estandarte
Ficou quase esmorecida,
De ver as vinte infelizes
Que ali perderam a vida,
Disse para a sua irmã:
Conheço que estou perdida!
              09
Helena se lastimava
Morta de medo coitada,
Depressa trancou a porta
E saiu muito vexada,
Na sala viu que a chave
Toda estava ensanguentada.

Ela vendo a chave suja
Pegou ela e foi lavar,
Mas o sangue era pegado
Não houve jeito largar,
Porque a chave era mágica
Não podia se limpar.

Helena em limpar a chave
Era só em que se ocupava,
Noutro serviço da casa
Muito pouco trabalhava,
Quanto mais ela brunia
Mais suja ela ficava.

Quando Barba Azul chegou
A pobre Helena fingia,
Que estava muito contente
Porém não tinha alegria,
Vendo que sua desgraça
Talvez fosse nesse dia.
             10
O barão chegando à sala
Helena o cumprimentou,
Disse ele: quero as chaves
Onde a senhora guardou?
Ela foi buscar as chaves
Em dois minutos voltou.

Helena lhe deu as chaves
Quase morta de agonia,
As chaves eram encantadas
Ela de tudo sabia,
Disse a ela: falta uma
Da porta da galeria.

Gritou ela: quero a chave
Helena saiu ligeiro,
Dizendo: vou ver se encontro
Debaixo do travesseiro,
Ele gritava na sala
Pior que um cangaceiro.

Helena trouxe-lhe a chave
De medo vinha gelada,
Barba Azul vendo a chave
Vinha toda ensanguentada,
Deu um berro e perguntou
Onde andou esta danada?!
              11
-- Helena que sangue é esse
Que vejo a chave tingida?
Tanto que recomendei-te
Na hora da despedida,
Teu crime não há perdão
Tens meia hora de vida!

Helena desfalecida
Nem pode se defender,
Olhando pra Barba Azul
Que só fazia dizer,
Faz ato de contrição
Te apronta para morrer.

Vendo ela que seu crime
Não podia ter perdão,
Pediu de joelhos chorando
Dê-me licença barão,
Que eu viva mais uma hora
Para fazer oração.

Barba Azul inda cedeu
Os tristes rogos de Helena,
Até os brutos choravam
Com aquela penosa cena,
O próprio Judas se visse
Daquilo teria pena.
              12
Helena sobe a escada
Pra fazer uma oração,
Depois ouviu uma zuada
 Pior do que um trovão,
Era Barba Azul roncando
Lá embaixo no salão.

Enquanto Helena rezava
Perguntava soluçando:
Oh! Ana não vês ninguém
Pela estrada passeando,
Disse a outra: estou ouvindo
O Barba Azul te chamando.

Inda perguntou Helena:
Não vês ninguém na estrada?
Disse Ana: eu estou olhando
Com a vista já cansada,
Só vejo a vasta campina
O campo verde e mais nada.

Nisso gritou Barba Azul:
Desça mulher desgraçada,
Já estou sem paciência
Não espero mais por nada,
Nem Deus te livra da morte
A tua hora é chegada.
                13
Disse Helena a sua irmã:
Reparas se vem alguém,
Diz Ana: vejo dois vultos
Que se avista muito além,
Se o espírito não me engana
São nossos irmãos que vem.
               
Barba Azul colerizado
De raiva quase não fala,
Com os gritos estremecia
Até o forro da sala,
-- Vem logo mulher infame
Se não vier vou busca-la!

A pobre reconhecendo
Que não podia viver,
Os gritos do assassino
Lhe obrigavam descer,
Desceu para os pés do monstro
Já pronta para morrer.

Chegando aos pés do monstro
Botou os joelhos ao chão,
Dizendo: senhor eu sei
Que não alcanço o perdão,
Mas quero ver minha mãe
Para tomar-lhe a benção.
                 14
Barba Azul ergueu o punhal
Que na sua mão trazia,
Dizendo: tua morada
É dentro da galeria,
Junto as outras que estão lá
Pra lhes fazer companhia.

Antes do braço descer
Ouviu bater no portão,
Com a força tão horrenda
Que a porta rolou no chão,
Eram os dois irmãos de Helena
Em procura do barão.

O barão ficou suspenso
Sem coragem pra descer,
Na frente dos dois cunhados
Começou logo a tremer,
Vendo que morria mesmo
Abriu da perna a correr.

Os dois rapazes seguiram
No encalço do barão,
Barba Azul não reagiu
Faltou-lhe a disposição,
Adiante pegaram o monstro
Deram com ele no chão.
                 15
Agarraram Barba Azul
Na hora que o prenderam,
Sangraram ele na goela
Que todas as veias romperam,
A raiva era tão grande
Que até o sangue beberam.

Voltaram para o palácio
Cheios de satisfação,
Depois que já tinham feito
A carniça do barão,
Descansando a pobre Helena
Daquele infeliz dragão.
               
O mal por si se destrói
Porque a culpa condena,
Da morte de Barba Azul
Ali ninguém teve pena,
Louvaram toda a ação
Dos moços irmãos de Helena.

Helena ficou vivendo
Em seu palácio garboso,
Imensamente feliz
Tendo outro como esposo,
O monstro morreu deixando
Ressaibo dum criminoso. FIM
                  16