quinta-feira, 24 de abril de 2014

SEVERINO FERREIRA - REPENTISTA POTIGUAR


(Severino Ferreira - Foto 1994)                                                    (Severino Ferreira - Foto de 1980) 

Severino Ferreira da Silva nasceu no distrito Cajueiro, da cidade de Touros, a 30 de março de 1951. Filho de Antônio Ferreira da Silva e Rita Ferreira da Silva. Ferreira começou a vida de cantador de viola aos 16 anos de idade, pouco estudou, aprendendo apenas a ler, mas se tornou um cantador que fabricava versos de extrema sabedoria em qualquer assunto proposto numa cantoria, seja em um festival ou em um "pé - de - parede". Ferreira improvisava como poucos e mantinha sempre com ele uma expressiva humildade, foi parceiro do grande e exigente poeta Ivanildo Vila Nova, e de muitos outros poetas, sejam eles famosos no mundo da cantoria ou não, Ferreira não escolhia dupla, e onde cantava arrancava aplausos, era versátil e genial em seus improvisos, seus versos tinham pitadas de humor, de ciência, se fosse o caso, de sertão, de amor, era um cantador que se podia chamar completo.




                                                          












(Severino Ferreira e Manoel Xudu dois Gigantes do Repente)

Para tristeza do mundo da cantoria faleceu em 25 de outubro de 1997 em um grave acidente de automóvel quando ia acompanhado de outros cantadores para um festival na cidade de Campina Grande, todos os outros cantadores sobreviveram sem graves lesões, apenas Ferreira que viajava na mala do automóvel, e foi arremessado para fora, veio a óbito. Deixou filhos, esposa e uma grande legião de admiradores.





Agora vamos conferir uma coletânea de versos improvisados que foram selecionados, tirados de diversas cantorias feitas pelo grande vate.

Cantando com Ivanildo Vila Nova, o mesmo termina uma sextilha dizendo - "A casa que muitos moram/ Ninguém sabe quem é dono", ao que o poeta Ferreira pega na deixa:

O rei é quem tá no trono
Quando o guarda vem prescreve
Terreno que tem frieza
Só desce garoa e neve
Sei que o velhaco não paga
Mas cobra de quem lhe deve

Mais á frente Vila Nova termina outra sextilha-"Não existe amor eterno/Com fome dentro de casa", Ferreira com genialidade e uma ponta de humor improvisa:

Fogo quente é o de brasa
Terra boa é a que alaga
Carinhoso é quem tem jeito
Mão boa aquela que afaga
E língua que muito fala
O "pé do ouvido" é quem paga

Cantando o mote homenageando o grande Pinto do Monteiro - O Nordeste Poético ainda chora/ Com saudade de Pinto do Monteiro, Ferreira lapida esse diamante em forma de improviso:


 

Sei que Pinto deixou como recinto
A Monteiro que é sua cidade
O Nordeste até hoje tem saudade
De um poeta pacato e tão distinto
Outro galo não faz mais outro pinto
Que seja poeta e verdadeiro
Se pegar a galinha no terreiro
E tentar fabricar o ovo "gora"
O Nordeste poético ainda chora
Com saudade de Pinto do Monteiro

Cantando com Ivanildo Vila Nova no Estado do Ceará, mandaram o mote em desafio- "Não bote a mão que se fura/ Que é caco de vidro só!". Ferreiro improvisa essas estrofes:


Sou pior do que cigano
Pra entender de magia
Falando em feitiçaria
Passo lição em baiano
Livro de São Cipriano
Decoro sempre de có
Quem for pra meu catimbó
Mergulha na sepultura
Não bote a mão que se fura
Que é caco de vidro só


Da idade de Adão
Matusalém e Noé
Descendente de Javé
Eu aprendi a lição
De Isaac, de Abraão
De José, Dimas, Jacó
Moisés, Sansão, Faraó
Que eu sou mestre em escritura
Não bote a mão que se fura
Que é caco de vidro só

Na mesma cantoria cantando sextilhas sobre os animais, Ferreira esbanja humor nesse improviso:


Muito me admira o galo
O nanico ou carijó
De dez ou vinte galinhas
Ele é quem dá conta só
Sem precisar vitamina
Nem caldo de mocotó

No ano de 96 em um festival na cidade de Petrolina, Ferreira duplando com Ivanildo Vila Nova, é sorteado com esse mote em sete sílabas - Não canto sabedoria/ Só sei cantar o sertão, veja duas das estrofes improvisadas pelo gênio:


Só sei falar da ressaca
Do homem que se embebeda
Corujão que leva queda
Da cabeça de uma estaca
Canto o carinho da vaca
Com seu bezerro pagão
Por não ter água e sabão
Com a língua lambe a cria
Não canto sabedoria
Só sei cantar o sertão

Só sei cantar o perfume
Da rosa que nasce virgem
Mostrando a melhor origem
Crescendo em cima do cume
O faról do vaga-lume
Sem ter pilha nem bujão
De noite mostra o clarão
Jesus lhe dando energia
Não canto sabedoria
Só sei cantar o sertão


Cantando com o grande poeta Diniz Vitorino, na cidade de João Pessoa, mandam esse mote de profundo lirismo - "Os meus sonhos de poeta/ Já foram realizados", Ferreira em dia inspirado improvisa:


De porta veneziana
Eu não tenho moradia
Pra passar meu dia-a-dia
Tenho apenas a choupana
Uma garrafa de cana
E uns cadernos borrados
Dois troféus enferrujados
Na coleção incompleta
Os meus sonhos de poeta
Já foram realizados

A viola companheira
Que me ajuda todo dia
Eu viver de poesia
Adquirir minha feira
Tem quem ache uma besteira
Meus improvisos rimados
Meus versos filosofados
Bem pouca gente interpreta
Os meus sonhos de poeta
Já foram realizados


Nessa mesma cantoria, cantando o gênero sete linhas ou septilhas, os poetas enveredam pelo assunto de profundo saudosismo, o vate potiguar espalha poesia com esses versos:


Eu também lembro a infância
Meu tempo de meninice
A fase da mocidade
O período da meiguice
Mas tudo está se passando
Aos poucos vai mergulhando
No caldeirão da velhice


Aonde fui habitante
O destino me levou
Vi a casa destelhada
A porta o vento quebrou
Só com lixo na biqueira
Ainda vi a caveira
De um boi que a seca matou


Mais à frente pediram o mote - "Eu moro na capital/ Mas gosto mais do sertão", Ferreira improvisa:

Lembro daqueles caminhos
Onde passam caçadores
De sentir cheiro de flores
Pisar em ponta de espinhos
Escutar os passarinhos
Na sua dócil canção
Deixando uma gravação
No disco do vegetal
Eu moro na capital
Mas gosto mais do sertão


Aqui o comércio ilude
O trânsito é agitado
Quero é voltar pra o roçado
Pra tomar banho de açude
Onde o homem tem saúde
Mais força e disposição
Finda morrendo ancião
Sem tomar um melhoral
Eu moro na capital
Mas gosto mais do sertão


Cantando com Ivanildo Vila Nova, em Natal - RN, o tema era "E o que é que me falta fazer mais", bastante conhecido nas cantorias, Severino Ferreira mesclando humor com conhecimentos históricos, improvisa:


Visitei la na Grécia certa hora
Li os lindos trabalhos de Pitágoras
Bati papo também com Anaxágoras
E trouxe a chave da caixa de pândora
Passei perto da Deusa que é Aurora
Dei a ela seis raios boreais
Assisti no palácio as vestais
E de um sopro que eu dei um certo dia
Apaguei o farol de Alexandria
E o que é que me falta fazer mais


Escrevi com Camões em Portugal
Inspirei a Cervantes na Espanha
Junto a Goerte fiquei na Alemanha
E nos Açores dei nome a principal
Aos poemas de Antero de Quental
Eu andei com aedos e andrais
Já passei nos castelos dos feudais
E coloquei uma vez um trem no trilho
Fiz Olívia Palito ter um filho
E o que é que me falta fazer mais

Cantando o mote - "A vida é uma incerteza/ A morte é certeza pura", o mestre faz o seguinte verso:


Na hora que a morte vem
Tem a sua foice armada
Que não tem medo de nada
E nunca respeitou ninguém
Com a força que ela tem
Elimina a criatura
Bota um cordão na cintura
Caixão preto e vela acesa
A vida é uma incerteza
A morte é certeza pura


Essa é uma obra - prima do improviso, foi cantando em um festival que Ferreira foi sorteado com o mote: "No coração da criança/ Não pode existir rancor", ao que o mesmo improvisa:


Avistei um pequenino
Subindo de déu em déu
Quando chegou lá no céu
Foi falar com o divino
Gritaram - pesem o menino
Que também é pecador
Jesus disse - não senhor
Pode guardar a balança
No coração da criança
Não pode existir rancor




Após a morte de Severino Ferreira
O Poeta Zé Saldanha escreveu esse cordel.




















Morte, saudade e lembrança
    de Severino Ferreira
       (Zé Saldanha) 

Sentindo tristeza e mágoa
Saudade e muita emoção
Ponho o caderno na mesa
E a caneta na mão
Escrevo a morte traiçoeira
De Severino Ferreira
Que dói em meu coração

Sou o repórter das rimas
De tudo que acontecer
Deus me deu este destino
Eu tenho que resolver
Mas este é tragicamente
Tão duro, tão comovente
Que dói a gente escrever

Quando os nossos cantadores
Em vinte e cinco de outubro
Viajavam palestrando
Sem haver nenhum penumbro
Tudo alegre e sorridente
Num dia bem calmo e quente
O sol se tornava rubro

Alegremente seguiam
Pra um festival da Bahia
A mão da fatalidade
Tragicamente proibia,
Quando ninguém esperava
O veiculo capotava
Causando triste agonia

Com Severino Ferreira
Vila Nova e Zé Cardoso
Sebastião e Valdir
Nesse desastre inditoso
Geraldo Amâncio e Fenelon
Nosso grupo forte e bom
Só de poeta famoso

Os Patativas da Arte
As estrelas da viola,
A poesia é seu mundo
O mundo é sua gaiola
Nossos improvisadores
Benemérito, cantadores
Que cantando nos consolam

Vêem os nossos cantadores
Os primores da beleza
A morte embocar sem pena
E matá-los sem defesa,
Deixa a viola pra gente
Tocando funeralmente
A dor, o pranto, a tristeza

Nessa tremenda virada
O motorista morreu
E Severino Ferreira
Também mais nada atendeu
Ficou muito machucado
Ainda foi operado
Depois também faleceu

O Rio Grande do Norte
Perdeu de sua gaiola
O pássaro mais cantador
O canário da viola
Fonte de rima altaneira
Sem Severino Ferreira
Quem canta não se consola

Quisera que a morte trágica
Mudasse de região
Não passasse mais no Nordeste
Fazendo destruição
Nos poetas de primeira
Levou o nosso Ferreira
Sem a mínima compaixão

Não sei por que motivo
A morte é tão imprudente,
Contra os nossos cantadores
Dura, cruel, insolente
Matando nossos poetas
Só sendo inveja das metas
Da poesia da gente

Levou Severino Ferreira
Nosso vate nordestino,
Nasceu dotado das rimas
Verso, improviso e tino,
De estro possante e forte
No Rio Grande do Norte
O maior foi Severino

É triste a gente pensar
O que os poetas sentiram
Na violência dramática
Que tragicamente caíram,
Vê o motorista morto
E um colega sem conforto
Foram vitimas e assistiram

A morte não tem reserva
Mata a torto e a direito,
Não tem engano com ela
Conceito e nem preconceito
Leva o sábio e deixa o rudo
Depois volta e leva tudo
Porque ela é desse jeito

Reina tristeza no peito
Do cantador nordestino,
E os poetas conterrâneos
Da terra de Severino
A viola entristeceu
Chorando porque perdeu
Seu vate potiguarino

Um poeta de renome
Quase no Brasil inteiro,
Nunca temeu de cantar
Com o maior violeiro,
Foi um dos batalhadores
Dos grandes improvisadores
Do nordeste brasileiro

Severino Ferreira era
Grande poeta venusto,
Querido e conceituado
Da Fundação Zé Augusto
Era o poeta do riso
E pra cantar de improviso
Nenhum cantor lhe fez susto

Cantor de estro agradável
Para os espectadores
Amigo dos seus clientes
E amigo dos cantadores
Fez muita programação
Em radio e televisão
Tem seus admiradores

Um mestre da poesia
De conhecimentos profundos,
Muitos trabalhos escritos
E o seu livro é oriundo,
Com os mais belos poemas
Versos bonitos e temas
Comemorados no mundo

Doutor Zé Lucas de Barros
E doutor Rosáfico Saldanha,
As poesias de Ferreira
Um e outro acompanha,
Seus versos nobres e métricos
Dos trinta anos poéticos
Rosáfico fez a Campanha

Isto são cenas marcadas
Prodígios que a gente alcança
São os fenômenos da vida
Que dentro do tempo avança
As cantorias filmadas
Bonitas fitas gravadas
Que ficam como lembrança

Sobre a dívida da morte
A nossa vida é quem paga,
Um bom amigo da gente
Daqueles que a gente afaga,
A morte dura e malvada
Dá-lhe uma bordoada
Ele depressa se apaga

De Severino Ferreira
É muito forte a lembrança
Sua voz bonita e mansa
Estilo bom de primeira
Verso limpo sem zonzeira
Era o poeta da gente
Rima rica e competente
Improviso belo e risonho
No mundo lindo de um sonho
Onde Deus está presente.


SEVERINO FERREIRA , SAUDADE NÃO TEM PREÇO !!!
Sextilha de: Daniel Dias Madeira
Homenageando Severino Ferreira


Vou fazer aqui meu verso
Dedicando a minha meta
Que Deus abra minha mente
Para seguir nesta reta
Pois não quero dar vexame
Na homenagem ao poeta
Na berlinda o poeta
Que começo a falar
Severino era seu nome
Que agora vou honrar
Ferreira sua família
Prole em terra potiguar
Apelido o Sabiá
Do Rio Grande do Norte
Com a viola na mão
E seu verso muito forte
Decidiu ser cantador
Esta foi a sua sorte
Seguiu assim o seu norte
Pra cantar foi viajante
Quem cantava ao seu lado
Via um verso imperante
Um verso que não se paga
Só vindo de um gigante
Sabiá que foi errante
Sem a rota definida
Ia de cima abaixo
Labutando em sua vida
Para ganhar o sustento
E pôr na mesa a comida
Nesta luta pela vida
Caráter foi seu enredo
Humildade a toda prova
Nunca conheceu o medo
De enfrentar a cantoria
Começou cantar foi cedo
Na estrada desde cedo
Dezesseis sua idade
Abraçou-se com a viola
Viveu sua mocidade
Cantando verso em rima
Esta foi sua verdade
De cidade em cidade
Levava sua viola
Era semi analfabeto
Cantoria foi sua escola
Mas para um homem de fé
Deus lhe basta e é sua mola
Deus bastou e foi sua mola
O poeta foi em frente
Cantou a vida no sertão
E sua sofrida gente
Cantou o amor e a morte
Nas linhas de seu repente
Com seu verso renitente
Perspicaz e bem dotado
Era muito aplaudido
Pelo público muito amado
Quem ouvia Severino
Saía bem saciado
E assim foi devotado
Severino à profissão
Fez da vida uma arte
Fez da arte o seu chão
Fez do chão sua viola
E da viola o seu pão
Severino com razão
É tido como um pilar
Dentre poucos à sua altura
Que souberam versejar
Que fale outro poeta
Que ao seu lado pôde cantar
Mas a vida vai passar
E o Céu é o destino
Seja pobre , seja rico
Seja gordo , seja fino
Seja até mesmo um poeta
Que de nome é Severino.

*danieldias


















Daniel Dias Madeira É Cearense da cidade de Fortaleza - CE. Professor de História Poeta: violeiro, cancioneiro e cordelista Residente em Teresina, casado e pai de duas filhas.
É membro da AVIPOP - Associação dos Violeiros e Poetas Populares do Piauí, e
da ASPOPOT - Associação dos Poetas Populares de Timon e Região dos Cocais no Maranhão.