quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

DOIS IRMÃOS E UMA HERANÇA



Dois Irmãos e uma Herança

José Edimar

 

Josino Alves de Alencar

Foi um grande brasileiro,

Cumpridor dos seus deveres

Sendo o dono verdadeiro,

De mais de cem mil alqueires

De terra e muito dinheiro.

 

Sendo pai de dois rapazes

Um João outro Vicente,

Que não eram parecidos

Mas o pai era contente,              

Os filhos lhe respeitavam

Cuidando de sua gente.

 

Na fazenda de Josino

O povo era respeitado

Os filhos sabiam disso

E tinham o maior cuidado,

Evitando que o pai deles,

Vivesse contrariado.

 

Mas Vicente desejava

Outro rumo então tomar,

Porém se seu pai soubesse

Não devia concordar

Necessitava conversa

Para poder aceitar

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Quando falou, disse o pai

Somente se ele aceitasse,

Dinheiro para a viagem

Porque talvez precisasse,

Ele disse sobre isso

Tratavam quando voltasse.

 

Juntou o que precisava

Para seguir com coragem,

Animais e mantimentos

Cavalo, sela e bagagem,

Ração para alimentá-los

Os animais na viagem.

 

Queria pouco dinheiro

Porque pra ele bastava,

Só pra começar a vida

Trabalhando arranjava,

Tudo que ele precisasse

Com pouco tempo ganhava.

 

O pai então concordou

Embora não satisfeito,

Pois lhe sobrava dinheiro

Se quisesse dava jeito,

Andar de bolso vazio

Isso não era direito.

            

Ele ajeitou a bagagem

Preparou sua partida,

Saindo na madrugada

Da sua terra querida,

Mas esse era seu desejo

Pra conhecer nova vida.

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Depois de algumas semanas

Viajando ele chegou.

Num ponto desconhecido

Mas assim que avistou,

Quis logo permanecer

Que o local lhe agradou.

 

Construiu uma casinha            

E nela ficou morando,

Cuidando daquela terra

Muitos legumes plantando,

Para produzir bastante

Com isso andava sonhando.

 

Conheceu Ediolene

Uma bela criatura,

Filha de família pobre

Também da agricultura,

Embora fosse do campo

Tinha grande formosura.

 

Começou ficar com ela

Sendo dela o namorado,

Chegando mesmo a falar

Que estava apaixonado,

Pouco tempo de namoro

Com ela estava casado.

 

Ediolene sempre foi

Disposta e trabalhadora,

Ajudava a mãe em casa

Na luta da genitora,

Também cuidava da roça

Porque amava a lavoura.

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Ter casado com Vicente

Isso não lhe atrapalhava,

Nunca abandonou a roça

Porém em casa plantava,

Seus canteiros de verduras

Que no sustento ajudava.  

 

Passaram-se onze meses

Nesse trabalho pesado

Ediolene um dia em casa

E Vicente no roçado,

Chegando soube a notícia

Que deixou-lhe aperreado.

 

Porque aquela notícia

Ia mudar seu destino,

Ediolene disse a ele:

Você sabe do Josino,

Aquele grande ricaço

Foi se encontrar com o Divino.

 

Que ele ontem morreu

A notícia se espalhou,

Um caixeiro viajante

De manhã cedo passou,

Deixando essa notícia

Que outro amigo contou.

 

Vicente ouvindo lhe disse:

-- Perdoe por não falar nada,

Pois Josino é o meu pai

Vou pegar hoje a estrada,

E voltar pra minha terra

Que minha hora é chegada.

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Juntaram toda bagagem 

Do lugar se despediram,

Da família da esposa

E em viagem partiram,

Rumo às terras de Josino

Com toda pressa seguiram.

 

A estrada era bem longa

Alguns dias viajaram,

E na fazenda do irmão

Em poucos tempo chegaram

Ele perguntou: vocês

Por qual motivo voltaram?

 

O irmão tinha casado

Com a tal de Valdinéia,

Essa era mãe da preguiça

Mas Valente igual colmeia,

Fez o marido, da herança

Mudar logo sua ideia.

 

Valdinéia havia falado:

-- Quando chegar teu irmão,

Porque com a morte do pai

Virá cheio de razão,

Devido ser preguiçoso

Talvez falte condição.

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Da herança do pai dele

Não vai ter nenhum direito,

Foi você quem trabalhou

E disso terá proveito,

Esqueça da parte dele

Pra dividir não aceito.     

 

João ainda argumentou:

-- O Vicente é meu irmão,

A herança é de nós dois

Vou fazer a divisão,

Mas, ela lhe convenceu

Para mudar de visão.

 

Quando Vicente chegou

João estava preparado,

Disse que daquela herança

O dele tinha levado,

O resto todo era seu

O pai tinha lhe falado.

 

Vicente lhe explicou:

-- Não foi assim que eu fiz,

Meu pai ofereceu mesmo

Não levei porque não quis,

Nunca pensei em dinheiro

Para poder ser feliz.

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Ediolene interferiu

Para que ninguém brigasse,

Implorando ao cunhado

Pedindo que ajeitasse,

Um lugar para uma casa

Essa arenga terminasse.

 

Findaram com a discussão

Vicente a casa aceitou,

Construiu ela do jeito

Que sua mulher gostou,           

Tudo quanto precisava

Na casa ele arrumou.

 

Depois foi para o roçado

E ela começou plantar,

Canteiros perto da casa

Tinha água para regar,

De cheiro verde pra cima

Nunca mais deixou faltar.

 

De Valdinéia falamos

Que era muito preguiçosa,

De verdura ela gostava

Porém muito orgulhosa,

Mandava buscar e ainda,

Quem ia levava a prosa.

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Ela mandava dizer:

Que se um dia lhe faltasse,

Cheiro verde e tudo mais

Que no canteiro plantasse,

A promessa era uma surra

Que talvez não aguentasse.

 

Ediolene ouvia tudo

Porém ficava calada,

Mandava todo tempero

Nunca respondia nada,

Até quando a paciência

Foi totalmente esgotada. 

 

E chegando a empregada

Ao chegar já foi dizendo:

– Vim buscar o cheiro verde

Ela foi interrompendo:

– Daqui não vai levar nada

É bom que fique sabendo.

 

– Volte e diga a sua patroa

Se quiser vá trabalhar,

Cheiro verde ela vai ter

Se algum dia cultivar,

Trabalhe assim como eu faço

Quer comer pode plantar.

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A empregada voltou

Contou tudo a sua patroa,

Que não gostou da resposta

A proposta não foi boa,

De tão zangada ficou

Valente igual à leoa.

 

Com raiva saiu dizendo:

– Derrubo casa e canteiro,

E esfrego a cara dela

Lá na lama do chiqueiro,

Faço ainda comer merda

Das galinhas no poleiro.

 

Quando Ediolene viu

Ela louca a se morder,

Vindo na maior carreira,

E gritando pra valer:

– Vou derrubar teus canteiros

Que assim vai aprender.

 

Ediolene lhe esperava

Com uma vara guardada,

Num canto e já bem murcha

Pois estava preparada,

E enfrentou Valdinéia

Como uma fera assanhada.

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Reagindo Valdinéia

Porém nada conseguiu,

Foi a chuvada de vara

Das maiores que se viu,

E para escapar da peia

Da briga ela desistiu.

 

Chegou em casa e contou

Como quis para o marido,

Dizendo que a cunhada

Por nada havia lhe agredido,

Não tinha apanhado mais

Porque tinha desistido.

 

João mandou chamar Vicente

Pediu que ele fosse embora,

Desocupasse suas terras

Dizendo: faça isso agora,

Porque se assim não fizer

A força eu boto pra fora.

 

Vicente ali respondeu:

– Dessa terra ninguém sai,

Se você não está gostando

Tá incomodado vai,

Lembre que também sou dono

Ela pertence ao meu pai.

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João disse: se não sair

Vou dar parte ao delegado,

Que assim ele resolve

Quem de nós é o errado,

E sendo expulso a força

Ficará envergonhado.

 

– Querendo chame a polícia,

Use a maneira que quer,

Sei que não estou errado

E se aqui justiça houver,

Só perderei esta causa

Se Deus mesmo assim quiser.

 

Vicente voltou pra casa

Mas chegou entristecido,

Contou tudo a Ediolene

Conforme foi ocorrido,

Ela ouviu atentamente

Orientou seu marido:

 

– Você não tem um cavalo

Pra montar nessa viagem,

Acho bom que vá agora

Vou arrumar a bagagem,

E preparar sua comida

Pra não lhe faltar coragem.

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Disse ele: não é preciso

Minha comida preparar,

Basta carne temperada

Na bagagem pra levar,

Pois farei minha comida

No lugar que me hospedar.

 

Ela ali rapidamente

Suas coisas arrumou,

Ele pegou sua bagagem

Pela estrada descambou,

Ás cinco horas da tarde

Numa fazenda encostou. 

 

Bateu palmas lá na porta

Fora uma mulher saiu,

Pra passar aquela noite

Um rancho a ela pediu,

Estando sozinha e grávida

A mulher não consentiu.

 

Não lhe abrigo, disse ela

Porque me acho sozinha,

Seis meses de gravidez

Sem uma casa vizinha,

Meu marido viajou

Vai chegar hoje a noitinha.

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Tem um chiqueiro de bodes

Se se por acaso servir,

Nenhum deles dorme lá

Também posso garantir,

Que não existe mau cheiro

Talvez sirva pra dormir.

 

Vicente disse: gradeço

Vai servir para a dormida,

Me arranje uma panela

Que dê pra fazer comida,

Ainda não almocei

Foi à barriga esquecida.     

 

Quando ele acendeu o fogo

Que começou a ferver,

Exalou um grande cheiro

Que a casa pôde encher,

Com o cheiro a mulher grávida

Desejou também comer.

 

O desejo foi tão grande

Mas ela nada falou,

Vicente tinha comida

Como não adivinhou,

Comeu bastante e a sobra

Para os cães dali botou.

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A mulher sozinha em casa

Sem ninguém de confiança,

Não controlando o desejo

Quando o cheiro em casa avança,

Sem ninguém para o socorro

Findou perdendo a criança.

 

Depois do acontecido

Ficou ela ali morrendo,

O marido naquela hora

Chegou e já foi sabendo,

Foi procurar o Vicente

De raiva estava tremendo.

 

Disse que ele era culpado

Da esposa ter perdido,

Por causa da sua comida

O bebê tinha morrido,

Cedo iria ao delegado

Pra contar o ocorrido.

 

Vicente lhe respondeu:

– Disso não sou o culpado,

Se a mulher teve desejo

Só bastava ter falado,

Comida teve a vontade

Dava para ter jantado.

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Se quiser ir à polícia

Não precisa de ameaça,

Tô indo à delegacia

Porque não temo a desgraça,

Siga hoje ou amanhã

Leve sua denúncia e faça.

 

Quando amanheceu o dia

Vicente saiu andando,

Seu irmão com o marido

Da mulher, foram passando,

Em dois cavalos montados

Um e outro conversando.

 

Não lhe cumprimentaram

Na frente havia um rapaz,

Com sua mula atolada

Num movediço voraz,

Pra desatolar da lama

Sozinho não foi capaz.

 

Quando viu os cavaleiros

Foi aos dois logo implorando,

Eles apenas disseram:

– Um caboclo vem andando,

Peça ajuda se quiser

Que nós já vamos passando.

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Ali com pouca demora

Vicente lhe apareceu,

O rapaz pediu ajuda

Depressa ele atendeu,

Descendo seu matulão

Muito rápido o socorreu.

 

Aquela mula atolada

Dentro do grande lameiro,

Numa areia movediça

Vicente gritou ligeiro,

Ou nós a desatolamos

Ou não sai do atoleiro.

 

O dono foi nas orelhas

Vicente o rabo agarrou,

Jogou com força tremenda

Que a bicha desatolou,

Mas com o rabo da mula

Na mão, Vicente ficou.

 

O dono da mula vendo

Ela de rabo arrancado,

Olhou pra Vicente e disse:

Eta! cabra desgraçado,

Ou paga a minha mula

Ou lhe levo ao delegado.

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Vicente muito zangado

Jogou ele no rapaz,

Dizendo: querendo vá

Que para mim tanto faz,

Pode logo indo na frente

Que vou lhe seguindo atrás.

 

Foi a galope o rapaz

Ele então observando,

O rabo tinha arrancado

Que o sangue ia pingando,

Encobrindo-se na curva

Vicente ficou pensando:

 

– Já existem três denúncias

Serão quatro em minha frente,

Sinto que não tenho vez

Foi botando isso na mente,

Pensou pular do talhado

Findar tudo de repente.

 

Ali pulou pra morrer

Dentro dum grande grotão,

Caiu em cima dum velho

Que lhe serviu de colchão

Quando ele armava quixós

Costume lá do sertão.

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Os filhos daquele velho

Ficaram muito sisudos,

Quando olhavam os quixós

Para tirar seus rabudos,

A morte do pai deixou-os

Raivosos e carrancudos.

 

Vicente naquela queda

Caiu bem esparramado,

E o velho já caiu morto

De espinhaço quebrado,

Foi pelos filhos do velho

Levado pra o delegado.

 

Na mesma delegacia

O delegado aguardava,

Como era muito esperto

Nada lhe impressionava,

O dia movimentado

Muita gente o procurava.

 

Ouviu gritar: delegado!

Ele matou o nosso pai,

Lhe prendemos e trouxemos

Para a prisão hoje vai,

Tem que ser agora mesmo

Se não daqui ninguém sai!

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Três homens já aguardavam

Também Vicente chegar,

Quando o viram ali disseram:

– Ele acaba de encostar,

O delegado então disse:

– Todos queiram aguardar.

 

Chamou Vicente e lhe disse:

 – Como deseja fazer?

Quatro denúncias já têm

Todas para eu lhe prender,

Diga qual a estratégia

Que tem pra se defender?

 

Vicente lhe respondeu:

– A coisa está enrolada,

Minha história é muito longa

Não tem como ser contada,

Disse ele: dou-lhe um mês

Mas quero-a bem explicada.

 

– Existem quatro denúncias

Chegadas à minha frente,

Só livrar-me-ei aqui

Num juízo consciente,

Disse ele: conte-me tudo

Desejo ficar ciente.

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Disse ele: foi duma briga

Que tive com meu irmão,

Quando nosso pai morreu

Tivemos a discussão,

Depois as nossas mulheres

Por causa de plantação.

 

A minha faz seus canteiros

De verduras pra comer,

Ele veio denunciar

Eu vim pra me defender,

Com minha janta a esposa

Daquele veio a perder.

 

Sem eu ter culpa nenhuma

Ele veio me denunciar,

Em seguida, esse da mula

Pediu-me pra lhe ajudar,

Quando pulei pra morrer

Foi o velho em meu lugar.

 

– Quantos anos se passaram

Depois que seu pai morreu?

– Quatorze seu delegado!

Vicente assim respondeu,

 – Pois quatorze seu irmão

Passará no lugar seu.

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Você vai pra o lugar dele,

Assim determinarei,

Quando completar quatorze

Vocês dois convidarei,

E a fortuna do pai

Meio a meio partirei.

 

Virou para o fazendeiro

Da mulher que reclamava,

Perguntou: e sua mulher

Com quantos meses estava?

Disse ele: faziam seis

Hoje mesmo completava.

 

O seu caso é o mais fácil

Ouça o que vou lhe falar,

Basta entregar sua mulher

Para o moço engravidar,

Com seis meses de barriga

Ele volta a lhe entregar.

 

Você que é dono da mula

Quer nela um rabo comprido,

Ele vai trabalhar nela

Depois do rabo crescido,

Lhe devolve e com certeza

Fica o caso resolvido.

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Vocês aí que trouxeram

Esse homem amarrado,

Leve ele e botem embaixo

E pulem lá do talhado,

Em cima que ele morre

Vosso pai será vingado.

 

– Esta é a minha sentença

O delegado falou,

Se não quiserem aceitar

Obrigá-los eu não vou,

Mas num acordo ajudá-los

Se quiserem, pronto estou.

 

João falou para Vicente

– Pra que brigar meu irmão,

Durante quatorze anos

Não lhe dei um só tostão,

Se aceitar dividiremos

Findamos a confusão.

 

O homem da mulher grávida

Disse também: não vou dar,

A mulher pra esse outro

Levar e engravidar,

Para depois devolver

Com que cara vou ficar.

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O rapaz da mula ouvindo

Aquele homem dizer,

Disse: também minha mula

Rabo nunca vai nascer,

Com certeza ele levando

Não vai mais me devolver.

 

Logo os outros dois rapazes

Mudaram de opinião,

Pular em cima do homem

Já resolveram que não,

Pois se errasse no pulo

Não teriam salvação.

 

Percebendo o delegado

O que haviam decidido,

Falou para todo o grupo

– Foi muito bem decidido,

Voltem para suas casas

E esqueçam esse ocorrido.

 

João comprou logo um cavalo

Para o irmão ir montado,

Era famoso e possante

Quem vendeu trouxe selado,

Sem as mulheres saberem

Nada, do que foi passado.

                23

Ediolene e Valdinéia

Estavam apreensivas,

Os maridos não voltavam

Sobrando as expectativas,

Deixando os dois corações

Sem respostas positivas.

 

Quando Vicente chegou

Ediolene o recebeu,

Sabendo da boa nova

Com alegria se encheu,

Agradeceu muito a Deus

Pois tudo se resolveu.        

 

Valdinéia se encontrava

Naquela hora muita aflita,

Quando João deu-lhe a notícia

Ela quase não acredita,

Não reclamou, e só disse:

– Foi essa uma ação bendita.

 

A riqueza era tão grande

Que ninguém pobre ficou,

Ediolene ou Valdinéia

Nenhuma ali mais brigou,

Houve a maior harmonia

E Josino descansou.

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