sexta-feira, 23 de novembro de 2012

O SOLDADO JOGADOR E TRANCA RUA















O Soldado Jogador 
Leandro Gomes de Barros

Era um soldado francês
Que se chamava Ricarte
Jogador de profissão
E nunca foi numa parte
Que não trouxesse no bolso
O resultado da arte.

Os franceses nesse tempo
Tinham por obrigação
O militar ou civil
Seguir a religião
O Papa deitava a lei
Botava em circulação.

Ricarte, soldado velho
Com trinta anos de tarimba
Aonde ele achava jogo
De lasquinê ou marimba
Dizia logo: - Eu vou ver
Água na minha cacimba!

Um dia faltou-lhe o soldo
Pôs-se Ricarte a pensar
Onde podia haver jogo
Que ele pudesse jogar
Era Domingo e a missa
Não havia de tardar.

Dinheiro não tinha um "xis"
A crédito ele nem falava,
Pois o soldado francês
Na taberna onde comprava
Só pegava no objeto
Porém depois que pagava.

Tocou entrada da missa
Veio o sargento chamá-lo
Ricarte ainda pediu
Para ele dispensá-lo
Porém o sargento disse:
- Sou obrigado a mandá-lo!

Ricarte foi para a missa
Com grande constrangimento,
Era obrigado a cumprir
A lei do seu regimento
Mas não podia afastar
O jogo do pensamento.

O soldado na igreja
Chegou, se ajoelhou
Trouxe no bolso da blusa
Um baralho ele tirou
E endireitando as cartas
Uma patota formou.

Não viu que tinha atrás dele
Um sargento ajoelhado
E ali observou
Tudo quanto foi passado
E disse: - Depois da missa
Você está preso, soldado!

Efetuando a prisão
E seguiu no mesmo instante
Foi com o soldado preso
A casa do comandante
Dizendo ter cometido
Um crime muito agravante

- Pronto, senhor comandante
Está aqui preso um soldado,
Que foi ao templo ouvir missa
Lá estava ajoelhado
Encamassando um baralho
Que traz no bolso guardado

Perguntou-lhe o comandante:
- Quem deu-te esta criação?
Disse Ricarte: - Senhor,
Se ouvisse minha razão
Eu lhe dizia o motivo
Que existe pra esta ação.

- Que motivo tem você
Sabendo que é proibido
Ignora que o jogo
No exército é abolido?
Disse o soldado: - Meu jogo
Muda muito de sentido

- Muda de sentido, como?
Disse Ricarte: - Eu direi;
- Pois explique como é,
Porque eu o ouvirei,
Depois da explicação
O solto ou castigarei!

Disse o soldado: - Primeiro,
É preciso confessar
Que ganho 1 soldo mesquinho
E esse soldo não dar
Para eu comprar um livro
Para na missa rezar!

- Por isso compro um baralho
E rezo nele constante.
- Que reza tem num baralho?
Perguntou o comandante,
- Há tudo da escritura
Velho, Novo, assim por diante...

Então disse o comandante:
- Você vem errado à mim.
Disse o soldado: - Eu explico,
Do princípio até o fim;
Como é essa oração?
Disse o soldado: - É assim:

- Por exemplo: a carta ás
Que tem um ponto somente,
Faz recordar que existe
Um só Deus Onipotente
Quando chamamos por Ele
O encontramos presente.

- Quando eu pego no dois
Ali premedito eu
Que em duas tábuas de pedra
O Criador escreveu
Quando em sarças ardentes
A Moisés apareceu.

- Quando eu pego no três
Me recordo a Divinidade
Por exemplo: as três pessoas
Da Santíssima Trindade
Que nós todos conhecemos
O Espírito, o filho e o Padre

- Os 4 lembram-me as quatro
Marias de Nazaré
Que foram Maria de Alfeu
E Maria Salomé
Madalena, e a Virgem Pura
Esposa de São José

- Os cinco me faz lembrar
Aquele dia de fel
As cinco chagas de Cristo
Feitas por mão tão cruel
Que matou crucificado
O filho de Deus de Israel.

- Quando eu pego em 6 de ouro
Faço premeditação
Seis dias o Senhor gastou
Na obra da Criação
Formou tudo quanto existe
Sem em nada por a mão.

- Os 7 lembram-me a hora
Negra, triste, amargurada
Os sete passos de Cristo
Em sua paixão sagrada
Com sete espadas de dores
A Mãe de Deus foi cravada.

- Nos oito, vejo as pessoas
Que no Dilúvio escaparam
Noé, a mulher, três filhos
E três noras se salvaram
O resto as águas cobriram
Onde todos se afogaram.

- Quando eu pego nos nove
Vejo na imaginação
Os nove meses ditosos
Da divina encarnação
Que Jesus passou no ventre
Da Virgem da Conceição.

Quando eu pego no rei
Me lembro do Rei da Glória
O ente mais poderoso
Que já vimos na história
E não precisou, soldado
Para alcançar a vitória.

Quando eu pego na dama
Me vem lembrança daquela
Que toda Jerusalém
Enriqueceu só com ela
Aquela que deu a luz
Ficando a mesma donzela.

Eis aí, meu comandante
As razões do seu soldado
Não posso comprar um livro
Meu soldo e´muito mirrado
Compro um baralho onde rezo
Porque só custa um cruzado.

Então disse o comandante:
- Em todas cartas falaste
Te esqueceste do Valente?
Foi porquê não te lembraste?
Não é também uma carta,
Porquê não apresentaste?

Disse o soldado: essa carta
É uma carta ruim,
Eu quando compro um baralho
Tiro ela e dou-lhe fim
Tem traços deste sargento
Que denunciou de mim.

Disse o comandante a ele:
Ricarte tu és passado
Teus vinte anos de praça
Foi tempo bem empregado,
Vou te passar a sargento
E dou-te o soldo dobrado.

         F  I  M




Eu ainda era menino
A primera vez que vi
O cabocão lazarino
E nunca mais esqueci
Seu nome era tranca rua
Pois quando a vontade sua
Era fechar a cidade
Dava ordem pra trancar
Mercado, bodega, bar
E até a casa do padre

Quatro, cinco, seis soldado
Para ele era perdido
Uns ficava istrupiado
Outros ficava estendido
De modos que a cidade
Não tinha tranqüilidade
No dia que ele bebia
Pois quando se embriagava
Dava a gota bagunçava
E prendê-lo ninguém podia

Tranca rua era um caboco
De dois metros de artura
Os braço era aqueles tôco
As pernas dessa grossura
Não tinha medo de nada
Pois até onça pintada
Ele sozinho caçava
Pegava a bicha com a mão
Depois com um cinturão
Dava-lhe uma pisa e matava

E eu cresci-me escutando
Falar do cabra voraz
O tempo foi se passando
E eu tormei-me rapaz
Mole que só a mulesta
Pois até pra ir uma festa
Eu era discunfiado
Se acaso visse uma briga
Me dava uma fadiga
Eu ficava todo mijado

Quem hoje olha pra mim
Pensa até que eu tô inchado
Mais eu nunca fui assim
Naquele tempo passado
Eu era um cabra mufino
Desses do pescoço fino
Da cabeça chata e feia
No lugar onde eu morava
O povo só me chamava
De caboré de urêia

Por artes do mangangá
Um dia eu me alistei
Num concurso militar
E apois num é que eu passei?
E me tornei um sordado
Mago feio e infadado
Nem cum revóve eu pudia
Porém se o chefe mandasse
Prendê alguém qui errasse
Dava a gota mais eu ia

Um dia de madrugada
Eu estava bem deitado
Quando chegou Zé buchada
Com os óio arregalado
Foi logo chamando a gente
Depois deu parte ao tenente
Relatou o desmantelo
Tranca rua ontem brigou
Portanto agora o Senhor
Vai ter que mandar prendê-lo

O tenente olhou pra mim
Eu chega tive um abalo
Disse: - Amanhã bem cedim
Você vá lá intimá-lo
Disse isso e foi se deitar
Eu peguei logo a ficar
Amarelo e mêi cansado
Deu-me uma tremedeira
E eu disse é a derradeira
Viagem desse soldado

No outro dia bem cedo
Eu pus o pé no camim
Ia tremendo de medo
E cunversando sozim
Aqui e acolá parava
Fazia um gesto insaiava
O que diria pra ele
E saí me maldizeno
Nove hora mais ou menos
Eu cheguei na casa dele

Fui chegando com cuidado
A casa estava trancada
Eu fui olhando de lado
Vi ele numa latada
Tava dum bode tratano
Eu fui lá me aprochegano
Pra perto do fariseu
Minha garganta tremia
Eu fui e disse assim: Bom dia!
Ele nem me arrespondeu

E eu peguei conversando
E me aprochegano mais
E ele lá trabaiano
Sem me dá nenhum cartaz
Eu disse: - Bonito dia
Eihm! Seu Toím quem diria
Que esse ano ia chuver
Eita qui bodão criado
É pra vender no mercado
Ou mode o senhor cumê 

Aí ele olhou pra mim
Eu peguei logo a surri
Ele diche bem assim
Qui diabo tu qué aqui?
Aí eu diche não sinhô
É qui eu sou um caçador
Qui moro no pé da serra
Me perdi de madrugada
Não achei mais a estrada
E saí nas suas terra

Aí ele me interrogou
Então cadê seu bisaco?
Eu diche ah! Não sim senhor
Caiu dentro dum buraco
Ele diche sente aí
Qui eu tô terminando aqui
Qui é pra mode conzinhar
E você chegou agora
Portanto só vai imbora
Adispois qui armoçá

Quando nóis tava armonçando
Ele pegou cunversar
E diche: -Faz vinte anos
Qui moro nesse lugar
Sem mulé e sem parente
As vezes tomo aguardente
Faço papel de bandido
Eu sei qui é covardia
Mas quando é no outro dia
Eu to munto arrependido

Então eu disse é agora
Qui faço a minha defesa
Peguei a fera na hora
Dum momento de fraqueza
Aí disse: - Realmente
O sinhor é diferente
Quando istá imbriagado
Mais dexe isso pra lá
Qui a vida vive a passar
E o qui passou ta passado

Viu seu Antoim tem mais uma
Eu nunca fui caçador
Tombem istô cum vergonha
De tê mentido ao sinhô
Eu sou um pobre sordado
Qui as orde do delegado
Meu devê é dispachar
Porém prefiro morrer
Do que dizer a você
Qui vim aqui lhe intimar

Se o delegado achar ruim
Pode tirar minha farda
Mais intimar seu Toím
Deus me livre intimo nada
Nisso Ontoim se levantou
Bebeu água se sentou
Dispois pegou preguntar
Quer dizer qui o sordado
Pur orde do delegado
Veio aqui mi intimar

Eu fui falar mais não deu
Peguei logo a gagejar
Nisso Ontoim oiou pra eu
Disse: -Pode se acalmar
Resolvi ir com você
Pra cunversar e saber
O qui quer o delegado
Pois se eu não for camarada
Vão tirar a sua farda
E eu vou me sentir curpado

E vamo logo si imbora
Enquanto eu tô cum vontade
Mais ou menos quatro hora
Fumo entrando na cidade
De longe eu vi o tenente
Assentado num batente
Cum uns cabra a cunversar
Qui quando viu nóis gritou:
-Valei-me nosso Senhor
Ispie só quem vem lá

Eu só tou acreditando
Porque meus óio estão vendo
Tranca rua vem chegando
Caboré vem lhe trazendo
O cabra é macho demais
Nisso eu fui e passei pra trás
Que é pra chamar atenção
E só pra me amostrar
Eu resolvi impurrar
Tranca rua cum a mão

Esse nêgo camarada
Ficou meio enfurecido
Deu-me uma chapuletada
Por cima do pé do uvido
Qui eu saí feito um pião
Rodano sem direção
Pru cima de pedra e pau
Graças a Virge Maria
Só acordei no outro dia
Na cama dum hospital

Não sei o qui se passou
Dispois qui eu dismaiei
Por que ninguém me contou
E eu tombem não perguntei
Eu só sei qui o delegado
Até hoje é aleijado
E qui esse uvido meu
Nunca mais iscutou nada
Adispois da bordoada
Qui Tranca rua me deu.!

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